“Ainda temos muito trabalho pela frente, mas espero que daqui a um ano a gente se reencontre para celebrar a finalização do kit”, conclui Carla.

No dia 4 de dezembro, o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP sediou o Acarajé da Paty, evento utilizado para divulgar atualizações sobre o andamento do projeto Kit Educativo Africano e Afro-brasileiro do MAE-USP. Inédito no MAE, o kit com elementos da cultura negra está sendo elaborado em colaboração com o Museu Afro Brasil, Tata Katuvanjesi, do terreiro Inzu Tunbamsi, e a Secretaria Municipal de Educação, com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A proposta do projeto foi fechada no final de 2022, quando foi previsto um prazo de dois anos para a elaboração do kit. O grupo empenhado na construção do material promoveu o evento não apenas para divulgar a evolução do projeto, mas para celebrar o trabalho feito até o momento.
Durante esse ano, o projeto se dedicou à configuração da estrutura e seleção de dez categorias de objetos que constarão no kit. Em 2024, a ideia é que a estrutura se concretize. A partir do ano que vem, o grupo de colaboradores do MAE deverá providenciar réplicas dos objetos selecionados, além de elaborar o material escrito que acompanhará o kit.
Patrícia Marinho, a Paty que leva o nome do evento, explica a escolha da iguaria para a celebração. “O acarajé é patrimônio imaterial do Brasil, mas na verdade ele também é material. Tanto que vamos comê-lo aqui, hoje. Ele é uma comida típica afro-brasileira que é sagrada dentro das religiões de matriz africana”, comenta a mestre e doutora em Arqueologia que é pesquisadora no MAE e responsável pela realização do evento.
Segundo Maurício André da Silva, educador e coordenador educativo do MAE, o kit oferece diferentes abordagens. “A ideia é ser uma ferramenta que permita que o professor atue em diferentes camadas. Pode dar uma aula abordando as estéticas africanas, sobre a perspectiva histórica, ou ainda sobre decolonialidade. Tudo isso o kit vai abarcar”.
A arqueologia possibilita, pela cultura material, identificar como foi a ocupação desses territórios e quem estava por trás desses lugares. O estudo arqueológico possibilita memórias muito mais plurais.”
Carla Carneiro
“A gente acha que a arqueologia é distante, mas ela está presente no nosso dia a dia”, explica Luciana Costa, mestranda do MAE, reforçando que a iniciativa busca aproximar os saberes arqueológicos do cotidiano. O pente garfo, por exemplo, é um dos artefatos seculares que levanta discussões muito atuais, como o movimento black power.
Os outros objetos que compõem o kit remetem a diversos âmbitos da cultura negra, desde artefatos religiosos até instrumentos musicais. O destaque é a estátua de Exu, orixá símbolo da comunicação, das encruzilhadas e dos encontros. Pensado para o público escolar, o kit também contempla elementos atrelados ao lúdico, como a akuaba, boneca de madeira presente nas brincadeiras de meninas ganesas.
O kit é um sonho antigo de Judith Elazari, arqueóloga que trabalhou durante 28 anos no museu. Já em 2010, com a exposição Sociedades Africanas e Afro-Brasileiras, os educadores do museu semeavam a proposta do kit, que não prosseguiu por conta da falta de parcerias e financiamento. Segundo Carla Carneiro, chefe da Divisão de Curadoria do museu, as parcerias com a Secretaria Municipal de Educação, com o Museu Afro Brasil e com o CNPq foram essenciais para a realização. “Foi muito especial perceber que o museu pode entrar nessas redes de apoio”, conta a arqueóloga.
Simeia de Mello Araújo, educadora do Museu Afro Brasil, também vê a parceria como um sucesso. “A gente veio para o projeto para compartilhar sobre educação plural e luta antirracista”, afirma. “É muito importante levar um pouco desse museu educador e do conhecimento que nele é produzido para as escolas”, completa.
A concretização do projeto é reflexo de uma mudança interna no MAE. “Quando trabalhava aqui, não tinha nenhuma pessoa negra. Fiquei emocionada em ver tantas quando voltei”, relata Judith, que se aposentou do museu há sete anos. Para Patrícia, a mudança não foi suficiente. “No MAE não tem nenhum professor e nenhum técnico negro. Falta gente negra no museu”, afirma a responsável pelo acarajé. Patrícia realiza pesquisas arqueológicas no Quilombo Maicá, em Santarém, no Estado do Pará.
“Ainda temos muito trabalho pela frente, mas espero que daqui a um ano a gente se reencontre para celebrar a finalização do kit”, conclui Carla.
*Estagiários sob supervisão de Tabita Said
**Estagiárias sob supervisão de Moisés Dorado