Luta por inclusão: quem é a primeira mulher que conquista o Prêmio Gutierrez de Melhor Tese em Matemática

Para a pesquisadora Emily Quesada-Herrera, premiação é oportunidade para dar visibilidade às causas pelas quais vem lutando: “Tive muitas oportunidades que são sistematicamente roubadas da maioria das pessoas trans na América Latina”

 22/09/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Denise Casatti*

Arte: Simone Gomes

Emily Quesada-Herrera, vencedora do Prêmio Gutierrez de Melhor Tese em Matemática – Foto: Reprodução/ICMC-USP

Ela saiu da Costa Rica aos 21 anos para realizar o sonho de se tornar pesquisadora em matemática no Rio de Janeiro. Oito anos depois, fazendo pós-doutorado na Áustria, retornará ao Brasil para receber o Prêmio Gutierrez de Melhor Tese em Matemática no dia 25 de setembro. Além de um reconhecimento à excelência do trabalho que marcou a conclusão de seu doutorado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), a conquista de Emily Quesada-Herrera significa muito mais: é uma oportunidade para dar visibilidade às causas pelas quais ela vem lutando nos últimos anos.


“Tive muitas oportunidades que são sistematicamente roubadas da maioria das pessoas trans na América Latina, começando por coisas básicas, como educação, mesmo isso vindo com o preço de esconder minha identidade por anos”, revela a pesquisadora. A transição de gênero de Emily foi um processo que se iniciou há cerca de dois anos, mas que só se efetivou depois da conclusão do doutorado: “Foi quando me senti pronta”.


No começo, ela diz que foi difícil, mas contou com muitos apoios fundamentais como do ex-orientador no doutorado e no mestrado, professor Emanuel Carneiro, do Impa; da família, que mora em San José, capital da Costa Rica; e dos colegas da Áustria, onde está desde o ano passado.


“Houve muitas dificuldades no meu processo. Mas também, por outro lado, quero reconhecer que ainda tive privilégios. Tem experiências trans distintas da minha, por interseções de diversas identidades além de gênero, como raça, deficiência, condições econômicas, que frequentemente são também ignoradas”, reconhece a pesquisadora. “É necessário lutar socialmente por melhores condições. Eu mesma me beneficiei das lutas coletivas de pessoas antes de mim, como o direito a meu nome, algo que muitas pessoas na América Latina ainda não têm.”


Na ciência, o direito ao nome é também o direito ao reconhecimento das próprias publicações acadêmicas, sem as quais não há futuro na carreira. Ao adotar um novo nome, em sintonia com sua nova identidade de gênero, Emily precisou entrar em contato com todos os veículos de comunicação científica em que havia publicado trabalhos para que pudessem atualizar a informação.


Desde que passou a fazer parte da Associação Matemática LGBTQ+ Spectra, ela tem participado de iniciativas em prol de aumentar a visibilidade da comunidade matemática trans e não binária. Com certeza, a conquista do Prêmio Gutierrez de Melhor Tese em Matemática é mais uma oportunidade para abordar a temática. Emily sabe que a luta por tornar a matemática um lugar mais inclusivo está apenas começando, mas histórias como a dela podem contribuir muito para diminuir as muitas barreiras que ainda existem.

Construindo pontes

Destinado a reconhecer a melhor tese de doutorado na área de matemática defendida no Brasil no ano anterior, considerando os quesitos originalidade e qualidade, o Prêmio Professor Carlos Teobaldo Gutierrez Vidalon é uma iniciativa do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, em parceria com a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). Pela conquista, Emily receberá R$ 3 mil e vai ministrar uma palestra durante a cerimônia de premiação, que será realizada no dia 25 de setembro, às 14 horas, no Auditório Fernão Stella Rodrigues Germano do ICMC.


Com o título On uncertainty principles, Fourier optimization and the Riemann zeta-function, a tese de doutorado de Emily constrói pontes entre duas áreas da matemática: teoria dos números e análise harmônica. Na palestra do dia 25, ela discorrerá sobre os principais resultados apresentados na tese, que explorou diferentes técnicas matemáticas e já originou a publicação de cinco artigos científicos. É possível acessar a íntegra da tese de Emily no site do Impa.

Simbolicamente, ao romper as barreiras artificiais que separam o mundo masculino do feminino, Emily também está criando pontes. Em junho, no mês do orgulho LGBTQIAPN+, uma imagem e um breve relato da pesquisa de Emily foram publicados na revista Notices of the American Mathematical Society, juntamente com relatos de mais sete pesquisadores. Dar visibilidade às matemáticas e matemáticos que fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+ é mais um passo para tornar as salas de aulas, os eventos e outros espaços matemáticos mais acolhedores.


Texto: Denise Casatti 

*Da Assessoria de Comunicação do ICMC


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