Livro com participação da USP reúne pesquisas sobre saúde coletiva na Amazônia​

Publicado pela editora Rede Unida, o título é uma parceria entre três universidades e pode ser lido gratuitamente on-line

 05/09/2024 - Publicado há 3 meses     Atualizado: 10/09/2024 às 13:41

Texto: José Adryan Galindo*

Arte: Simone Gomes

Capa do livro: A saúde coletiva na Amazônia – Foto: Divulgação – editora Rede Unida

A editora Rede Unida acaba de lançar o livro A Saúde Coletiva na Amazônia: redes de pesquisa, formação e situações de saúde e condições de vida. Organizado pelos pesquisadores Júlio Cesar Schweickardt e Alcindo Antônio Ferla, ambos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e Leandro Giatti, professor associado no Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, o livro reúne uma coletânea de estudos de grupos de pesquisa, teses de mestrado e doutorado que estudaram a saúde de populações nativas da Amazônia. O título faz parte da série Saúde & Amazônia da editora.

O título, que pode ser lido gratuitamente no site da Rede Unida, busca contribuir para conscientizar sobre a dificuldade de acesso à saúde para nativos da Amazônia. De acordo com o organizador e pesquisador da USP Leandro Giatti, o livro também pode ajudar na elaboração de políticas públicas com o objetivo de promover este cuidado.

“O livro contribui para acadêmicos, mas também para leitores do público em geral. Ele contribui para se ter uma ideia da complexidade e dos desafios da saúde coletiva, nesse amplo território que é a Amazônia. Isso é uma questão importante para a gente destacar. Por exemplo, agora novamente, tivemos uma seca muito severa na Amazônia. Isso dificulta muito para a saúde chegar aos locais mais isolados e distantes. A gente trouxe no livro conteúdos que falam disso, assim como também abordamos situações que são típicas das fronteiras amazônicas. O que a gente tem de diferente e de desafiador para pensarmos políticas públicas a partir das dinâmicas que ocorrem nas fronteiras”, comenta Leandro Giatti em entrevista ao Jornal da USP.

Leandro Giatti - Foto: Arquivo pessoal
Leandro Giatti - Foto: Arquivo pessoal

O projeto é parte do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (Procad Amazônia/Capes), que envolve o Programa de Pós-Graduação em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia (PPGVIDA), do Instituto Leônidas e Maria Deane/Fiocruz; o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB) e o Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da  USP. 

Produzido com uma forte curadoria científica, o livro contém pesquisas que estudam desde os efeitos da pandemia da covid-19 na saúde da Amazônia, até o estudo de políticas públicas contra a raiva nas áreas amazônicas do Brasil, Colômbia e Peru.

Dia 5 de setembro é comemorado o Dia da Amazônia. Celebrada desde 1850, a data foi instituída pelo imperador Dom Pedro II, que, na ocasião, determinou também a criação da província do Amazonas (hoje Estado). Neste dia também se comemora o Dia Internacional da Mulher Indígena, instituído em 1983 durante o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, na Bolívia. A data homenageia Bartolina Sisa, mulher quéchua que foi morta na rebelião Túpaj Katari, em uma região atual da Bolívia, nos anos de 1780.

Fotos do livro: A saúde coletiva na Amazônia - Foto: Reprodução - editora Rede Unida

Acesso e pluralidade

Muito discutido na coletânea, uma das principais dificuldades de levar saúde aos povos originários da Amazônia é o acesso às populações. Além da dificuldade do envio de médicos, há ainda o desafio de se fazer chegar  unidades de saúde e medicamentos até as aldeias.

Júlio Cesar Schweickardt, coordenador do livro e pesquisador da Fiocruz na Amazônia há 22 anos, comenta que as diversas formas de ocupação da Amazônia fizeram com que as populações se instalassem em locais muito diferentes de acesso. Enquanto para algumas comunidades o acesso é feito apenas de carro pelas rodovias BRs e Transamazônica, outros povos só podem ser encontrados com viagens por meio de rios, e outros pela mata.

Júlio Cesar Schweickardt - Foto: Ingrid Anne
Júlio Cesar Schweickardt - Foto: Ingrid Anne

“Tendemos a homogeneizar a Amazônia. Mas a palavra Amazônia acaba tendo uma grande diversidade de territórios. Porque existe uma história de ocupação da Amazônia. Isso criou uma dimensão complexa para fazer saúde, temos que criar estratégias específicas para cada uma dessas características. A Amazônia, que engloba principalmente os Estados do Pará e os que estão em volta do Rio Amazonas, tem uma característica muito mais da malha hidrográfica. Então, o grande desafio é alcançar as comunidades mais remotas, como comunidades indígenas que ficam em lugares muito distantes dos centros urbanos. Na verdade, esse talvez seja o grande desafio: como fazer uma saúde que chegue a todas as populações”, aponta Schweickardt em entrevista ao Jornal da USP.

Giatti, que viveu na Amazônia por sete anos, comentou outra dificuldade enfrentada na tentativa de levar itens de saúde à região. Para ele, algumas dessas dificuldades estão relacionadas à pluralidade de formas com que os povos da região lidam com a saúde e a medicina. Essas diferentes crenças e saberes podem criar uma barreira para a medicina tradicional.

“É um território muito vasto e [há] inúmeras etnias que representam culturas diferenciadas, diferentes formas de entender o processo de saúde e doença. Uma coisa é falar para um determinado grupo social que você conhece, outra coisa é você produzir diálogos para promover a saúde que cheguem às comunidades que têm visões de mundo totalmente diferentes da nossa. E também populações que vivem em um contexto ecológico muito diferenciado, que são limitadas por condições sazonais, de época de pesca, de produção, de plantio, de disponibilidade de alimentos, de possibilidade de transitar, viajar através dos rios. São povos que têm a sua cultura moldada a condições do ecossistema e visões de mundo muito diferentes”, comenta Giatti.

“É um desafio tentar fazer um diálogo com essas outras medicinas. Dialogar com as parteiras, com os pajés, com os benzedores, com os rezadores, e não simplesmente impor um modelo de saúde, ocidental, eurocêntrico e colonial. Como é que a gente respeita e valoriza as outras formas de pensar a saúde?”, complementa Schweickardt.

Pandemia de covid-19

Uma parte do livro é dedicada a estudos que entendem como a pandemia de covid-19 impactou a saúde das populações amazônicas. No capítulo 4, o volume apresenta um estudo com base em uma dissertação de mestrado do projeto Vigfronteiras, que buscou mapear o processo de atendimento de mulheres que vivem com HIV na cidade de Tabatinga, localizada na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Cristianne Bressan, autora da dissertação, realizou em agosto de 2023 dez entrevistas com mulheres da região, que vivem com o vírus HIV, para entender como a pandemia impactou os tratamentos.

As entrevistas revelaram como o atraso na retirada de medicação e dificuldades para realização do exame de carga viral levaram ao abandono do tratamento para muitas mulheres. O estudo também evidenciou a falta de ações durante a pandemia que visassem minimizar os impactos no tratamento, sendo notada pelas mulheres uma única ação que se tratava da liberação de medicação para três meses. 

Outro ponto levantado no estudo foi a importância de educar os trabalhadores para humanizar o processo de tratamento, além de um apoio psicossocial para as pacientes, que relataram sofrer preconceito por terem a doença. 

Futuro da pesquisa

Os organizadores acreditam que a pesquisa científica na Amazônia será fundamental nos próximos anos, para indicar políticas públicas com maior efeito e quais serão os principais problemas enfrentados pelas populações nativas da região. O grupo chama a atenção para novos problemas que tendem a ser mais recorrentes, como queimadas e outros efeitos colaterais do aquecimento global e do desmatamento.

Giatti destaca que cuidar da saúde dos povos da Amazônia não é importante apenas para eles, mas para todo o ecossistema da maior floresta tropical do mundo. “Proteger a saúde da população amazônica significa proteger o bioma Amazônia, que protege o planeta. Portanto, promover a saúde da população amazônica é promover a saúde do planeta. Esse é o mais importante.”

*Estagiário sob supervisão de Tabita Said e Antonio Carlos Quinto


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