Jornalismo independente leva ao público as lutas feministas por direitos

Revista Alterjor, editada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, aborda em artigo a mídia independente feminista presente no Brasil e destaca os principais veículos

 16/07/2024 - Publicado há 4 meses

Texto: Isabel Briskievicz Teixeira*

Arte: Beatriz Haddad**

Manifestação com destaque em cartaz amarelo com a frase "Pare de culpabilizar as vítimas" escrita em vermelho.

  O jornalismo independente feminista age como um espaço estratégico de ação política – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Normalmente as pautas do feminismo e suas lutas não costumam fazer parte das matérias dos grandes jornais, que têm suas linhas editoriais regidas pela lógica de mercado. Esse jornalismo independente feminista que busca dar visibilidade para pautas, opiniões e reivindicações das mulheres e do movimento feminista é considerado independente por ser contra-hegemônico. Esse é o tema central de um artigo veiculado na revista Alterjor – publicação semestral da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. O artigo busca apresentar e explicar o conceito de mídia independente feminista e fazer um levantamento desse tipo de mídia presente no território brasileiro. Intitulado Jornalismo Independente Feminista: Mídias Brasileiras, o texto é assinado pela jornalista Fernanda Nunes da Silveira, que é mestre pela Universidade de Santa Cruz do Sul, universidade comunitária do Rio Grande do Sul.

E para dizer ao que a palavra feminista faz referência, Fernanda se apoia em outras pesquisadoras e explica que é um jornalismo “feito por mulheres, a respeito delas e para elas, objetivando ser um espelho fiel delas e suas contradições, desejos, conquistas, questionamentos, problemas e lutas”.

“Essas mídias trabalham com a diversidade e a pluralidade, buscando dar visibilidade para diferentes pessoas e as diferentes realidades nos seus discursos”

Ondas feministas

O feminismo, resumidamente, teve três marcos históricos que ficaram conhecidos como ondas feministas. Fernanda lembra que “a primeira onda feminista aconteceu entre o final do século 19 e início do 20, e foi marcada pela luta por direitos básicos — como educação, voto e participação política na vida pública”. As mulheres brancas lutavam pelo direito à educação e defendiam que o casamento estava relacionado à sua condição de submissão. No mesmo período, as mulheres negras lutavam pela abolição da escravatura.

A segunda onda foi marcada pela discussão em torno dos direitos reprodutivos e da maternidade. Houve o surgimento do feminismo radical e começou, também, a ser pautada a distinção entre sexo e gênero. Este movimento ocorreu entre as décadas de 1950 e 1990. Já na terceira onda, a partir dos anos 1990, o foco foi a diversidade e a necessidade de uma abordagem interseccional, levando em conta condições socioeconômicas, culturais e étnico-raciais.

A pesquisadora lembra que alguns teóricos defendem a existência de uma quarta onda do feminismo, que seria essencial para entender as mídias independentes feministas, por ser marcada pela atuação dos movimentos sociais nas mídias digitais. Segundo o artigo, essa quarta onda “é caracterizada pelo uso das redes sociais e a criação de mídias jornalísticas para transmitir informações, divulgar opiniões, promover debates e organizar mobilizações em escala global e com um público cada vez maior”.

Essa forma de ativismo feminista, de acordo com a autora, permitirá, devido ao grande alcance das redes, que essa luta entre no imaginário social, dê mais voz às mulheres em contextos diversos e ressalte a abordagem interseccional.

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O jornalismo independente feminista age como um “espaço estratégico de ação política”, de acordo com o artigo. Os veículos provenientes desse jornalismo, por não estarem vinculados a grandes empresas de comunicação, têm uma linha editorial que favorece a produção de conteúdos que destoam do que é vinculado pela mídia hegemônica, criando espaço para expor ideais feministas e promover discussão e luta por direitos das mulheres.

Os critérios de noticiabilidade, que são os critérios para construção de uma pauta, desde a escolha do assunto a ser abordado e escolha das fontes de informação até a redação do texto em questão, são influenciados pelas relações de gênero e poder. Para a autora, os jornais independentes fugiriam desse padrão: “Não se trata de um jornalismo apenas sobre mulheres ou temas importantes para elas, e sim de um jornalismo que respeita e inclui as diferentes pessoas e problematiza as relações desiguais e assimetrias baseadas no gênero, raça/etnia, classe social, orientação sexual, etc.”. Esse seria, portanto, um espaço de resistência.

Onde estão esses jornais no Brasil?

A pesquisadora se baseia no Mapa do Jornalismo Independente da Agência Pública, primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil, para fazer sua análise das mídias independentes feministas brasileiras. Ele foi lançado em 2016, é atualizado constantemente e possui os seguintes critérios de seleção para classificar um veículo como jornalístico e independente:

  • Organizações que produzem primordialmente conteúdo jornalístico;
  • Organizações que nasceram na internet;
  • Projetos coletivos, que não se resumem a blogs;
  • Sites não ligados a grandes grupos de mídia, políticos, organizações ou empresas.

De acordo com o artigo, dentre essas mídias, são sete as que se identificam com o “feminismo, as questões das mulheres e de gênero e que seguem atualizadas em 2022”, ano da pesquisa: AzMina; Catarinas; Cientista Que Virou Mãe; Gênero e Número; Lado M; Nós, Mulheres da Periferia e Think Olga:

  • Catarinas é um portal de jornalismo focado nos direitos das mulheres. Apresenta a localidade como critério de noticiabilidade
  • Cientista Que Virou Mãe é um blog que trata da vida de mulheres mães com uma “perspectiva baseada na diversidade e interseccionalidade”
  • Lado M é um portal que foca no empoderamento das mulheres. Tem conteúdo plural e promove campanhas como #NãoQueroFlores e #NãoSouObrigada
  • Gênero e Número usa do jornalismo de dados para analisar temas em relação a gênero e raça/etnia
  • Think Olga é uma ONG que comunica e informa pessoas para contribuírem no debate de gênero e melhorar a compreensão sobre a realidade das mulheres
  • AzMina é um instituto que propõe a equidade de gênero através de cinco frentes: jornalismo, tecnologia, palestras, campanha e consultoria. Também sedia a Revista AzMina, que cobre pautas ignoradas pela mídia convencional ou que “em geral, são abordadas a partir da ótica dos homens ou que desconsideram o recorte de gênero”.

*Texto de Isabel Briskievicz Teixeira, do Laboratório Agência de Comunicação da ECA; edição de Antonio Carlos Quinto

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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