Fábula grotesca reflete as funções da mulher em uma sociedade conservadora

Em solo teatral em cartaz no Teatro Arthur Azevedo, mulher-cigarra questiona o conservadorismo patriarcal; atriz realizou pesquisa na USP sobre o mascaramento no Théâtre du Soleil

 Publicado: 14/06/2024

Redação*

Arte: Joyce Tenório**

Juliana Birchal em uma cena de Subterrânea: uma fábula grotesca – Foto: Divulgação/Raquel Carneiro

Depois de curta temporada em Minas Gerais e Brasília, estreia em São Paulo a peça Subterrânea: uma fábula grotesca. Dirigido por Lenine Martins, Subterrânea é o primeiro espetáculo autoral da atriz Juliana Birchal, que reflete sobre o papel historicamente atribuído à mulher em uma sociedade conservadora. A peça fica em cartaz nos dois últimos finais de semana de junho, de 21 a 23 e de 28 a 30, na Sala Multiuso do Teatro Arthur Azevedo, com entrada gratuita. Às sextas-feiras e sábados, as sessões se iniciam às 20 horas. Aos domingos, às 18 horas.

Juliana usa a técnica teatral da máscara para viver uma mulher-cigarra e questionar o conservadorismo patriarcal a partir da analogia ao ciclo de vida desse inseto, que passa quase toda a sua trajetória debaixo da terra. O espetáculo traz, ainda, as vivências e inquietações passadas pela intérprete durante a pandemia de covid-19.

A atriz estudou o mascaramento em sua pesquisa de mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, intitulada Da máscara à maquiagem: o mascaramento no Théâtre du Soleil – trupe com a qual realizou residência artística entre 2014 e 2016.

“Eu acabei de defender o mestrado, no dia 14 de maio deste ano. Quase todo o processo de maturação de Subterrânea foi acompanhado pelo mestrado. Então, a pesquisa influenciou muito nesse solo. Isso porque o mestrado se debruçou sobre procedimentos de mascaramento no Théâtre du Soleil, trupe com quem também tive um contato na prática artística, o que acabou me inspirando a experimentar outras formas de mascaramento em cena. Posso dizer que a pesquisa permitiu que o meu corpo ficasse mais ‘poroso’ para as práticas de mascaramento”, conta Juliana.

Em Subterrânea: uma fábula grotesca, a atriz utiliza o mascaramento para dar vida a uma mulher-cigarra, personagem conservadora, que espelha a trajetória e as funções exercidas pela mulher em um ambiente patriarcal. “Para mim, o ciclo de vida da cigarra dialoga perfeitamente com o da ‘mulher de bem’, que é ao mesmo tempo vítima e algoz desse sistema de poder”, afirma. “Ela tem uma metáfora muito incrível com tudo o que eu estava querendo falar, sobre o conservadorismo que sempre esteve aí e que de repente emergiu de uma forma muito violenta”, complementa.

A atriz explica que a cigarra passa por um ciclo de transformação ao sair debaixo da terra, onde pode ficar por até 17 anos, para enfrentar sua última metamorfose. “A partir desse momento, acasala, reproduz e morre”, explica Juliana. “Se a cigarra vive 17 anos dentro da terra, esse tempo fora é de poucas semanas. É muito rápido.”

Juliana Birchal estudou o mascaramento em sua pesquisa de mestrado na USP – Foto: juliana.birchal/Instagram

No palco, o público acompanha exatamente o desenrolar do ciclo de vida da cigarra. Ela, pelo bem da espécie, repete o próprio sistema que a reprime, mantendo assim, a ordem natural das coisas, acreditando que a sobrevivência depende do cumprimento das obrigações que o próprio sistema impõe.

Reino subterrâneo

A inspiração inicial de Juliana Birchal para a criação da dramaturgia de Subterrânea: uma fábula grotesca foi a obra de Lewis Carroll, As aventuras de Alice no País das Maravilhas – ou As aventuras de Alice no reino subterrâneo, título original do manuscrito lançado em 1865.

“Li Alice por volta de 2019 e fiquei bastante impactada. É muito diferente do que a gente conhece da versão Disney”, lembra. “Então, convidei a atriz Mayara Dornas para montarmos um espetáculo a partir do livro. Lembro de estar muito interessada nesse mergulho que a Alice faz no mundo subterrâneo e aí comecei a pesquisar sobre a obra e ficar curiosa sobre o que era esse salto que ela dá, para esse lugar debaixo da terra, onde a lógica parece que não tem lógica”, explica.

O projeto foi engavetado e ficou parado por conta do isolamento social imposto pela pandemia de covid-19. Mas, diante da situação e da vontade pulsante de se expressar, Juliana transformou sua casa em uma sala de ensaio e experimentações. “Para mim, essa coisa do subterrâneo já não estava mais ligada a Alice, mas sim a tudo o que estávamos vivendo política e socialmente no Brasil”, recorda. “Estávamos em pandemia, com um governo de extrema direita, discursos de ódio se espalhando, ganhando força e aquilo tudo estava me impactando muito.”

Juliana pontua que começou a associar a imagem do subterrâneo a um lugar onde estava escondido o pior das pessoas, revelando-se depois de forma radical. “Se antigamente alguém tinha receio de falar algo que pudesse soar como intolerante ou preconceituoso, naquele momento as pessoas não o tinham mais e a justificativa era a liberdade de expressão”, destaca.

O espetáculo foi desenvolvido por uma equipe artística localizada nas cidades de São Paulo e Belo Horizonte. Teve a sua estreia em junho de 2023 no Teatro de Bolso do Sesc Palladium, em Minas Gerais, onde cumpriu uma curta temporada com três apresentações. Em setembro do mesmo ano, o solo foi apresentado no Festival Solos Férteis, em Brasília. Depois da estreia em São Paulo, a peça deve passar por quatro cidades do Paraná, em datas ainda a serem definidas, por meio da Bolsa Funarte de Teatro Myriam Muniz.

Subterrânea: uma fábula grotesca

Datas: 21, 22, 23, 28, 29 e 30 de junho

Às sextas-feiras e sábados, às 20h

Aos domingos, às 18h

Classificação indicativa: 16 anos

Duração: 40 minutos

Local: Sala Multiuso | Teatro Arthur Azevedo

Av. Paes de Barros, 955 – Alto da Mooca, São Paulo (SP)

Entrada gratuita
Poster de divulgação da peça - Imagem: juliana.birchal/Instagram

*Com texto de Carina Bordalo, editado por Tabita Said
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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