Experiências de pessoas trans com cirurgias são marcadas por trocas de presentes

Pesquisador acompanhou o cotidiano de uma clínica que realiza mamoplastias masculinizadoras e conta resultados da pesquisa em palestra on-line

 27/06/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Silvana Salles

Arte: Joyce Tenório

Evento aborda resultados de pesquisa que observou as relações entre médicos e pacientes na realização de mamoplastias masculinizadoras – Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Wikimedia Commons e Freepik

Uma cirurgia pode ser considerada um presente? Para homens trans e pessoas transmasculinas, a dificuldade de acesso a certos procedimentos é tão grande que a cirurgia pode, sim, ser vista como um presente. É o que defende o pesquisador Francisco Cleiton Vieira, pós-doutorando no Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. No próximo dia 30 de junho, às 10 horas, Francisco levará esse debate para a palestra virtual Os trânsitos da dádiva: a troca de presentes e a ideia de reciprocidade entre cirurgiões plásticos e pacientes no escopo da medicina trans. O encontro poderá ser acompanhado pelo canal do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP no YouTube.

Francisco é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e estuda o tema da transmasculinidade há quase dez anos. Como parte do pós-doutorado, ele realizou uma pesquisa etnográfica em uma clínica de cirurgia plástica localizada em Higienópolis, região central de São Paulo, que atende pacientes trans. Durante essa etapa da pesquisa, o antropólogo teve a oportunidade de acompanhar o trabalho dos médicos e a jornada de alguns pacientes que procuraram a clínica para fazer uma mamoplastia masculinizadora.

A mamoplastia masculinizadora é um procedimento cirúrgico que, além da retirada das mamas, envolve o reposicionamento dos mamilos e aréolas e a reconstrução do peitoral, a fim de dar-lhe características estéticas masculinas. É uma cirurgia de difícil acesso, pois no Brasil há poucos médicos interessados e experientes para realizá-la. Segundo uma reportagem do portal UOL, o Ministério da Saúde registrou a realização de apenas 19 procedimentos desse tipo entre 2019 e 2022.

Presentes em agradecimento

Na pesquisa etnográfica, Francisco observou que muitos pacientes agradecem aos médicos pelos resultados da cirurgia enviando presentes. “Imagino que todo mundo sabe que pacientes dão presentes aos médicos, né? É uma coisa comum. Desde um produtor rural que dá uma galinha para o médico do posto, um paciente de uma clínica particular (que) pode dar um livro, um vinho. É muito generalizado dar presentes a médicos,” afirma o pesquisador.

Ele conta que os pacientes da clínica dão aos médicos presentes dos mais variados. São fotografias emolduradas, chocolates, perfumes, vinhos… “Um paciente deu um frasco com sal grosso para o médico! Outro fez uma miniatura do médico”, conta o antropólogo, acrescentando que os presentes nem sempre são materiais. Estes incluem, por exemplo, postagens em redes sociais divulgando o trabalho dos profissionais de saúde.

Do outro lado, é comum que os médicos exibam os presentes no consultório e compartilhem as postagens em seus próprios perfis de redes sociais. Assim, a cirurgia passa a fazer parte de um círculo de trocas que não se restringe a uma relação comercial entre contratante – o paciente – e contratado – o médico ou a clínica.
Francisco Cleiton Vieira - Foto: Arquivo pessoal
Francisco Cleiton Vieira - Foto: Arquivo pessoal

“Há muita gente que faz empréstimo, que faz uma economia por anos, que usa 13º ou um abono salarial [para pagar pela cirurgia]. As estratégias financeiras são diversas. O dinheiro nesse sistema de troca dessa relação é visto como o início da troca e não como a única coisa que eu dou em troca da cirurgia. A cirurgia figura como um presente, mesmo estando dentro de uma relação monetária. É importante a gente perceber dessa forma porque nos mostra como a relação médico-paciente se dá no nível do simbólico”, analisa Francisco.

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Na palestra do dia 30, Francisco apresentará alguns resultados dessa pesquisa etnográfica e discutirá como as trocas de presentes podem ajudar a compreender as experiências de pessoas trans que procuram cirurgias. “Do ponto de vista antropológico, dar e receber presentes não acontece sem consequências. Então, eu estou observando como é que eu posso entender a motivação e também o que é que se produz socialmente ao se dar e receber presentes. Do ponto de vista antropológico, dar e retribuir está implicado em uma obrigação moral”, diz ele.

Organizado e promovido pelo Grupo de Pesquisa Cóccix – Estudos (In)disciplinares do Corpo e do Território, a palestra terá transmissão pelo canal do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP no Youtube. O evento contará com mediação de Silvana de Souza Nascimento, docente do Departamento de Antropologia da FFLCH, e comentários de Monica Franch, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Serviço:

Os trânsitos da dádiva: a troca de presentes e a ideia de reciprocidade entre cirurgiões plásticos e pacientes no escopo da medicina trans, com Francisco Cleiton Vieira
Evento on-line
Dia 30 de junho de 2023, sexta-feira, às 10 horas
Transmissão pelo link: https://youtube.com/live/TyWNVT4vTB8


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