Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

USP assina convênio para criação de memorial sobre os indígenas Tenharin

Memorial busca reunir objetos arqueológicos e documentais, contendo histórias e conhecimentos tradicionais de anciãos sobre a cultura dos Tenharin; parceria envolve projeto de pesquisa contemplado pelo Museu Britânico

 03/04/2023 - Publicado há 2 anos

Texto: Camilly Rosaboni

Arte: Joyce Tenório

Na tarde da última quinta-feira (30), o Centro de Estudos Ameríndios (CEstA), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e o Museu Britânico, na Inglaterra, assinaram um convênio para auxiliar a criação do Memorial Jiré: a história Tenharin através da cultura material de seus anciãos, na Terra Indígena Marmelos, em Humaitá, cidade do Amazonas.

O evento contou com a presença da vice-reitora e professora de Sociologia da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda, além do coordenador do CEstA e professor do Departamento de Antropologia da FFLCH, Renato Sztutman, a pesquisadora do CEstA, Karen Shiratori, e seis representantes do povo Pyri (Tenharin), entre eles um ancião, o cacique, um professor e mais três líderes.

Aurélio Tenharin - Foto: Arquivo pessoal

O memorial foi pensado para relembrar a história dos Tenharin diante das opressões vividas com os não indígenas. “Em resgate à memória dos que não estão mais entre nós e fortalecimento da cultura Tenharin para as próximas gerações”, afirma Aurélio Tenharin, representante dos indígenas Tenharin. “Se não fizermos isso, poderemos perder o conhecimento de nossos antepassados pelo impacto da cultura não indígena”, complementa. 

Entre os objetos etnográficos disponíveis no memorial, estão imagens, áudios com cânticos e artefatos indígenas, como colares, cocares, flechas e pinturas de antepassados e de pessoas que formam o grupo atual dos indígenas Tenharin. O memorial está na fase de curadoria desses objetos, com previsão de abertura ainda em 2023.

A assinatura do convênio com a USP ocorreu em meio a uma semana de formação em museologia para os Tenharin, feita pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP. “São parceiros que nos fornecem uma assessoria técnica e científica, para aprendermos a manusear o material de exposição”, conta Aurélio Tenharin. 

“Nesta gestão, a USP está desenvolvendo um trabalho de inclusão social, étnica e de diversidades”, afirmou a vice-reitora, Maria Arminda, durante a assinatura do convênio. Ela informou que a Universidade estuda meios para obter cotas específicas para os povos originários.

“Os apoios da USP e do Museu Britânico foram fundamentais no processo de validar e reforçar o memorial. Nós podemos voltar para o território indígena dos Tenharin com o sentimento de dever cumprido”, afirma Aurélio Tenharin.

Maria Arminda do Nascimento Arruda - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

No áudio a seguir, Aurélio Tenharin descreve a importância desta aliança, falando em sua língua nativa, o tupi kagwahiva:

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A criação do Memorial

Em 2022, foi autorizado o projeto de criação do Memorial Jiré: a história Tenharin através da cultura material de seus anciãos, pelo edital nº 005/2022 – Humanitas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). O responsável pelo projeto é Eduardo Kazuo Tamanaha, coordenador do Grupo de Pesquisa em Arqueologia e Gestão do Patrimônio Cultural da Amazônia do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM-OS) e colaborador do Laboratório de Arqueologia dos Trópicos (Arqueotrop) do MAE.

O projeto gerido por Tamanaha busca apoiar a Associação Tenharin na construção de seu Centro de Memória Comunitário, o Memorial Jiré. O local abrigará a cultura material Tenharin, com objetos etnográficos e arqueológicos, e a documentação das histórias, dos lugares de memória e dos conhecimentos tradicionais que envolvem os objetos selecionados.

O Jiré é um símbolo da força da cultura Tenharin, uma importante liderança que representa a geração de anciãos que viu e sentiu o momento do contato constante com os não indígenas que ocorreu na década de 1970, a partir da construção da Rodovia Transamazônica, e congrega a sabedoria ancestral e as recentes transformações que esta nova configuração política assume.

“O Jiré é uma das pessoas que lutou pela demarcação das terras e por manter a cultura e os nossos valores tradicionais, além de ter sido escravizado para a construção da  Rodovia Transamazônica. Quando ele faleceu, vítima das pressões pela Rodovia, nós tínhamos que homenageá-lo, dando seu nome ao Memorial”, afirma Aurélio Tenharin.

Em sua homenagem e de todos os anciãos e anciãs, os Tenharin estão construindo um Memorial na aldeia Marmelos, que busca não apenas olhar para o passado, mas também ser um ponto de referência para o futuro, por meio de ações educativas para os jovens, geração de renda e valorização regional da cultura Kagwahiva.

Agostinho Tenharin tecendo uma cesta de milho - Foto: Laura Furquim / British Museum

Ao Jornal da USP, a pós-doutoranda do CEstA, Karen Shiratori, conta que, desde 2015, ela estuda o manejo de florestas no sul do Estado do Amazonas, onde os castanhais configuram a principal fonte de renda dos povos Tenharin. No ano passado, seu projeto de pesquisa, denominado The taste of life, foi contemplado no Programa de Conhecimento de Materiais Ameaçados (EMKP, na sigla em inglês) do Museu Britânico. Com isso, surgiu uma demanda para a criação de um memorial. “Este é um momento politicamente muito importante, em que a Universidade reconhece a iniciativa e a presença indígena”, afirma. 

Segundo ela, os últimos anos foram graves em termos de violação dos Direitos Humanos nas terras indígenas, com o avanço da soja, do garimpo e com a destruição de ambientes amazônicos. “A cerimônia marca um novo começo, em que eles podem sair de suas aldeias sem medo. É uma oportunidade da USP valorizar a diversidade e ver a floresta não só pela sua biodiversidade, mas lembrar que não existe floresta sem os povos indígenas”, diz Karen.

Karen Shiratori - Foto: Reprodução/Ascom-UFAM

O povo Pyri (Tenharin)

Os Tenharin habitam a terra indígena Marmelos, no Sul do Amazonas, um território historicamente ocupado por seus anciãos Kagwahiva e também por seus parentes isolados. 

Durante a década de 1970, o local foi atravessado pela Rodovia Transamazônica e pelo decorrente crescimento de atividades ilegais de exploração de recursos, que envolveram o trabalho compulsório de parte de seus habitantes.

Apesar da demarcação de suas terras em 1988, os Tenharin continuam em movimento de resistência por terem as suas aldeias em uma das maiores rodovias do Brasil. Em 2013, foi instaurado a liminar número 1.13.000.000828/2013-87, para apurar a responsabilidade do Estado Brasileiro pelas violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas Tenharin e Jiahui na construção da Rodovia Transamazônica.

“Agora em abril, uma comitiva estará presente em Brasília para acompanhar as discussões do documento civil. O grupo está buscando recursos para apoiar a viagem e permanência na Capital Federal, pelo pix, no número de celular (69) 98112-6847”, conta Aurélio Tenharin.

Com informações da Assessoria de Imprensa da FFLCH e do CEstA
Colaboração de Tabita Said


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