O Núcleo de Artes Afro-Brasileiras já foi tema de diversos trabalhos acadêmicos, produzidos na USP ou em outras universidades. A lista pode ser encontrada no site. Atualmente, o grupo oferece atividades durante todos os dias da semana, em diferentes horários. A programação varia semestralmente e pode ser consultada pelas redes sociais.
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De crime a patrimônio cultural, capoeira conquista espaço nas escolas e universidades
Assembleia Legislativa de São Paulo aprova projeto de lei que incentiva estudo da capoeira nas escolas estaduais
Fotomontagem Jornal da USP com imagens de Cecília Bastos/USP Imagens; kues1/Freepik
No dia 5 de Julho, comemora-se o Dia Mundial da Capoeira. A data foi instituída em 2009, durante a Primeira Convenção Internacional de Capoeira, no Azerbaijão. Desde 2014, a capoeira é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A manifestação cultural engloba arte marcial, esporte, dança e música. No Brasil, ela é uma importante ferramenta de ensino das culturas africanas e afro-brasileiras, instituído há 21 anos pela Lei 11.639/03.
Em junho deste ano, foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei nº 394 /202 , que permite parcerias e convênios de escolas da rede estadual para o ensino da capoeira. Para entrar em vigor, o texto de autoria do deputado Paulo Fiorilo aguarda sanção do governador Tarcísio de Freitas.
Em entrevista ao Jornal da USP, Valdenor dos Santos, jornalista e mestre de capoeira há 50 anos, fala sobre a importância do projeto: “Esta conquista é realmente um acontecimento histórico. A capoeira, assim como outras manifestações das culturas africanas e afro-brasileiras, sempre foi de alguma maneira cerceada, invisibilizada e perseguida. A nova lei, que coloca nossa arte ancestral em todas as escolas do Estado de São Paulo, é uma forma de reconhecimento das nossas raízes e tradições. Certamente irá contribuir para a melhoria das relações étnico-raciais, auxiliará no combate ao preconceito, à discriminação e ao racismo que atinge a população negra”, aponta o capoeirista e doutorando em Educação pela USP.
Mestre Valdenor dos Santos - Foto: Confederação de Capoeira Desporto do Brasil/Reprodução
Criada no Brasil colonial ainda no século 16, a arte marcial está interligada com a história do País e principalmente com a escravidão no Brasil. As pessoas que vinham de diferentes países da África criaram a capoeira como forma de resistir e se proteger da violência usada pelos senhores de engenho e capitães do mato, que proibiam sua prática. Os praticantes adaptaram seus movimentos com o intuito de camuflar o real intuito, incorporando assim os elementos musicais e coreográficos à arte marcial.
Apesar de ser uma expressão cultural 100% brasileira, a capoeira foi proibida no Brasil por muito tempo. Até a abolição da escravatura, a lei punia quem fosse encontrado praticando capoeira com 200 açoites e calabouço. Mesmo após a abolição, a perseguição contra os capoeiristas continuou. Em 1890, o Código Penal Brasileiro considerava a capoeira ato criminoso, punindo com prisão de até seis meses seus praticantes e um ano o cidadão que fosse visto como liderança de grupos capoeiristas. Somente em 1937, o presidente Getúlio Vargas legalizou a prática, após ver uma apresentação e ficar impressionado.
Apesar de ser legalizada, a capoeira demorou para ser reconhecida como parte da cultura brasileira. “Não enfrentei resistência, mas encontrei em algumas autoridades da academia um total desconhecimento do quanto a capoeira está intimamente ligada à história social, cultural e política do nosso País, e como esta pode contribuir no universo da educação. Tanto a universidade quanto a sociedade vêm evoluindo, graças às propostas de integração entre os saberes da cultura popular e os conhecimentos da cultura acadêmica”, comenta mestre Valdenor.
Som do berimbau, tocado por Mestre Tio João - captação: Maria Trombini / Jornal da USP
Onde praticar capoeira na USP?
No Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp), são oferecidos cursos semestrais de Capoeira tanto para a comunidade uspiana (alunos, docentes, funcionários e seus dependentes), como para a comunidade externa. As aulas são divididas em quatro categorias: capoeira para adultos, para maiores de 50 anos, infantil e adaptada para pessoas com algum tipo de deficiência intelectual.
Womualy Gonzaga é professor de Capoeira no Cepeusp e aluno de pós-graduação no Programa de Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ele conta que seus estudos se dedicam a observar o processo de mercadorização da capoeira enquanto produto cultural mundializado e as influências dessa configuração para uma alienação e distanciamento de sua própria raiz histórica.
“Nas aulas, foco na capoeira enquanto produção social coletiva da experiência do negro contra a escravidão e contra as formas de opressão e exploração deste grupo no Brasil. Portanto, ensinamos a Capoeira Angola a partir de sua centralidade cultural, mas sem tomar a ‘esfera cultural’ como uma mercadoria específica. É uma maneira de desafiar o desligamento da estrutura espaço/tempo, consolidando em um momento presente onde tudo se torna fugaz e consumível, feito para não durar. A capoeira não é mercadoria!”, explica Womualy.
Womualy Gonzaga - Foto: Arquivo pessoal
As inscrições para as aulas do segundo semestre de 2024 começam a partir do dia 16 de julho, para a comunidade USP, e de 18 de julho, para a comunidade externa, no site www.cepe.usp.br. O curso será ministrado entre 5 de agosto e 13 de dezembro. É necessário realizar o cadastro no sistema e preencher um formulário para tornar-se apto à inscrição. Os valores de cada categoria também estão disponíveis para consulta no site.
O Cepeusp está localizado na Praça. Prof. Rubião Meira, 61 – Cidade Universitária, São Paulo – SP
Grade informa turmas disponíveis para prática de capoeira no Cepeusp, em diversas modalidades - Imagem: Cedida pelo Cepeusp
Grupo Arte e Ginga
Quem passa em frente à portaria do bloco F do Conjunto Residencial da USP (Crusp), nas noites de segunda e quarta-feira, pode ouvir os sons característicos do berimbau, do atabaque, do reco-reco e do pandeiro, instrumentos que compõem a orquestra das rodas de capoeira. Ali, comandado pelo Mestre Tio João, reúne-se o grupo Arte e Ginga.
Oficialmente João Maurício, o capoeirista é natural da Bahia. Ele conta que conheceu a capoeira ainda criança, mas só começou a praticar depois de ter se mudado para São Paulo: “Meu pai faleceu quando eu tinha 8 anos, então eu tive que trabalhar para sobreviver. Não tinha tempo de estudar, muito menos de aprender uma cultura. Ela existia, eu via. Mas eu não tinha tempo. Em 1981, quando eu tinha 18 anos, eu e meu irmão viemos para São Paulo. Aqui, eu fui em uma aula do Mestre Brasília, reconheci a capoeira da Bahia e me identifiquei com a movimentação que eu vi. Aí pensei, ‘é isso que eu quero. É aqui que eu fico’”.
Mestre Tio João (João Maurício) - Foto: Grupo de Capoeira Arte e Ginga/Facebook/Reprodução
Tio João comenta sobre os diferentes aspectos que compõem a capoeira e que batizam o nome do grupo: “Os escravos vieram com a dança, mas a uniram com a luta aqui no Brasil. Foi aqui que a capoeira nasceu dos negros. Ela é afro-brasileira. Ela também é dança por causa da ginga. A ginga é onde você se posiciona dentro de um balanço, para você ter uma coordenação. Antigamente chamava-se dança da morte. Primeiramente, ela te dá a coordenação, para você dar um golpe, se equilibrar, para você estudar o companheiro, entrar ou sair num golpe que ele poderá dar. Tudo através da ginga. Quando você ginga, já é uma defesa. Ela é um modo de andar”, afirma.
Núcleo de Extensão e Cultura em Artes Afro-Brasileiras
Desde 1997, o Grupo de Capoeira Angola Guerreiros de Senzalas se reúne no espaço da Universidade para estudo, pesquisa e prática de diversas manifestações culturais afro-brasileiras, como a capoeira, o maculelê, a dança afro, a puxada de rede e o samba de roda.
Em 2007, o grupo reuniu a documentação e o apoio necessários para solicitar à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP (PRCEU) que fossem reconhecidos como um Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão (Nace). Com a aprovação do dossiê, surgiu o Núcleo de Extensão e Cultura em Artes Afro-Brasileiras, sob liderança de Luiz Antônio Cardoso.
Conhecido como Contramestre Pinguim, ele pratica capoeira na USP há quase trinta anos e acredita que ocupar o espaço da Universidade é uma forma de não só manter viva uma parte importante da história nacional, mas de oferecer à comunidade um local de inclusão e pertencimento. “A capoeira carrega uma história de resistência. Para eu estar aqui hoje, muitos dos que vieram antes de mim tiveram que lutar por esse espaço. A Universidade também é feita por pessoas com iniciativa.” Em 2012, o Contramestre recebeu o 7º Prêmio África-Brasil do Centro Cultural Africano por sua atividade na difusão da cultura afro-brasileira.
Contramestre Pinguim (Luiz Antônio Cardoso) - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
*Estagiários sob supervisão de Tabita Said
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado
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