Como uma cartilha em crioulo haitiano impacta a saúde de gestantes

Publicação informa sobre acompanhamento médico e pré-natal para comunidade haitiana; pesquisadora da USP participou da criação que amplia acesso de imigrantes aos serviços de saúde

 Publicado: 18/07/2024

Texto: José Adryan Galindo*
Arte: Brenda Kapp**

Fotomontagem feita por Brenda Kapp. - Reprodução: Anna Carolina Vieira Santos/Flickr; storyset/Freepik

“Um dos impactos mais nefastos da não compreensão, muito pela barreira da língua, sobre como funciona o sistema de saúde brasileiro, é perder vidas e perder a possibilidade de cuidado em saúde com essas mulheres e famílias. A importância é o acolhimento e o cuidado integral em saúde”, afirma Danielle Ichikura, sanitarista e mestranda em Saúde Pública pela USP. Ela participou da criação da Cartilha de Apoio à Assistência Pré-Natal para as Mulheres Haitianas, publicação da Prefeitura de São Paulo com instruções para um acompanhamento pré-natal saudável.

O diferencial é que esta cartilha é traduzida para o idioma crioulo haitiano, auxiliando a comunidade haitiana de São Paulo a ter um melhor acesso ao serviço do programa Mães Paulistanas, que acompanha gestantes durante todo o processo de gravidez e até os dois anos de idade do bebê. Atualmente mais de 40 mil gestantes são acompanhadas pelo programa.

A tradução para o idioma crioulo haitiano foi feita pelo imigrante haitiano Anthony Gabriel, que atua no centro de línguas do Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante (Crai). A ideia foi inicialmente elaborada pela enfermeira Lilian Alessandra da Silva Leão, enfermeira da Unidade Básica de Saúde (UBS) Recanto dos Humildes, na Zona Norte da capital, local que abriga uma grande comunidade haitiana.

A publicação foi desenvolvida em 2023 na Supervisão Técnica em Saúde de Perus, em conjunto com a área técnica de saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde. O material contou ainda com a parceria do Centro de Acolhida ao Imigrante e do Crai, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

Capa da Cartilha de Apoio à Assistência Pré-Natal para as Mulheres Haitianas - Reprodução: Prefeitura de São Paulo
Capa da Cartilha de Apoio à Assistência Pré-Natal para as Mulheres Haitianas - Reprodução: Prefeitura de São Paulo

Na UBS Recanto dos Humildes, foram atendidas 30 gestantes haitianas entre 2019 e 2020, e mais 18 em 2023. A principal barreira relatada pelos profissionais foi o idioma, o que dificultava a adesão ao pré-natal por parte das gestantes. De acordo com dados da Polícia Federal, entre 2010 e 2017 mais de 15 mil haitianos declararam residência na cidade de São Paulo.

“Fanm ayisyèn”

Mestranda Danielle Ichikura. - Foto: Arquivo pessoal
Mestranda Danielle Ichikura. - Foto: Arquivo pessoal

Danielle Ichikura participou da criação da cartilha ainda durante sua graduação, na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Ela era estagiária do Crai quando as equipes de saúde de Perus entraram em contato com a instituição relatando que, apesar dos esforços, algumas gestações de mulheres haitianas passavam por problemas. 

A crise chegou quando foram registradas as mortes de dois bebês e de uma mãe. Uma equipe foi formada e foram iniciadas reuniões para planejar o melhor formato da cartilha e engajar a adesão de gestantes ao serviço.

“O objetivo desta cartilha é fazer com que essas mulheres compreendam como funciona o serviço de saúde, a importância de seguir com o pré-natal, e que este cuidado é universal e gratuito” destaca Danielle ao Jornal da USP.

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A pesquisadora também lembra que, apesar das barreiras, o serviço do SUS é oferecido a todas as pessoas, inclusive àquelas que estão em território brasileiro mesmo não estando devidamente documentadas.

A cartilha bilíngue foi destinada às mulheres haitianas – “fanm ayisyèn”, em crioulo haitiano. Impressa e entregue a gestantes que iam aos postos de saúde, a publicação também foi distribuída por assistentes sociais diretamente às grávidas ou familiares e conhecidos. Posteriormente, o volume passou a ser distribuído por toda a cidade e poder ser acessado virtualmente.

Para que haja uma ampliação dos serviços de apoio à saúde de populações imigrantes, a pesquisadora da USP acredita que seja necessário maior apoio institucional. “Como o Crai é um aparelho que cuida do município inteiro de São Paulo, é muito complexo que se estenda este serviço. O ideal seria que tivéssemos esta cartilha e outras que falassem sobre saúde a partir da perspectiva de cada população imigrante”, diz. Para Danielle, o Crai deveria ser tido como exemplo por todo o Brasil.

*Estagiário sob supervisão de Tabita Said


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