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Anúncios publicitários se prendem ao passado e reforçam estereótipos da imagem feminina
Pesquisa de mestrado da USP compara propagandas de revistas nacionais e francesas para analisar a representação da mulher
Letícia Thomé de Oliveira comparou propagandas brasileiras e francesas, dos anos 1970 e 2010, para compreender a construção da imagem da mulher na mídia. Em sua dissertação, O corpo feminino no espaço e no tempo: uma análise comparativa de propagandas das décadas de 1970 e de 2010 no Brasil e na França, Leticia examinou anúncios publicitários em revistas dos dois países com foco na imagem e no corpo feminino, para analisar se havia diferenças na forma como a mulher é representada.
“A publicidade é uma indústria milionária. Talvez seja arriscado trazer conteúdos muito revolucionários. Existe um discurso transgressor, mas, na hora de ‘colocar a mão no bolso’, o conservadorismo acaba vencendo”, afirma a pesquisadora.
A mestranda em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP defendeu sua dissertação em maio de 2024, orientada pela professora Sheila Vieira de Camargo Grillo, que é doutora em Linguística pela FFLCH e livre-docente da USP.

Letícia Thomé de Oliveira comparou anúncios de duas épocas diferentes - Foto: Arquivo pessoal
Brasil x França
Letícia explica que a escolha pelos países pesquisados teve influência pessoal de sua formação em Letras, que foi concluída com habilitação em português e em francês. Mas a relação desses dois países também existe no âmbito científico.
“Além do lado pessoal, a minha escolha vem também da influência que a cultura europeia possui sobre a formação do Brasil. Aqui se estuda muito sobre Europa e, especificamente com a França, existem uma influência e uma comparação grandes, especialmente na literatura”, comenta a pesquisadora.
Com os espaços estabelecidos, a escolha do recorte temporal foi o próximo passo. Letícia justifica que, além de comparar épocas antes e depois da chegada da internet, a escolha pelos anos 1970 a 1979 e 2010 a 2019 se deu, principalmente, por conta da diferença dos cenários políticos.
Nos anos 1970, o Brasil vivia um regime totalitário com a ditadura militar (1964-1985), um momento em que a mídia era regulada pelo governo. Ao contrário da França, que acabava de passar pelo Maio de 1968, movimento político que reuniu milhares de estudantes e que tinha entre suas pautas a igualdade de gênero.
Já na década de 2010, ambos os países viviam democracias. Porém, enquanto a França vivia em um contexto político estável, o Brasil assistiu à ascensão de uma extrema direita que chegou até o mais alto degrau na política nacional.
Publicidade e sua indústria conservadora
Para fazer as comparações e analisar essas transformações, a pesquisadora utilizou as revistas francesas L’Express e Marianne, além da brasileira Veja. O critério de escolha foi por veículos de grande circulação e que tivessem um público amplo.
Mesmo em contextos sociopolíticos tão diferentes, o estudo revelou que a imagem da mulher na publicidade era semelhante nos dois países na década de 1970. Em ambos, o corpo e a imagem feminina eram atrelados a papéis estereotipados.
A pesquisadora traz em sua pesquisa amostras para demonstrar tais semelhanças entre as representações. Um exemplo é a comparação entre anúncios de cigarros em edições das revistas L’Express e Veja e Leia, ambas de 1973.

Anúncios de cigarro nas revistas L’Express e Veja e Leia, de 1973. O anúncio francês diz que "é preciso saber quando sacrificar um Burns (marca do cigarro)", aludindo à ação do homem que segura a mulher para beijá-la. O brasileiro afirma: "o sabor para quem sabe o que quer", também em alusão à ação do homem - Foto: Reprodução da dissertação de mestrado de Letícia Thomé de Oliveira/Arquivo pessoal
“Em ambas as propagandas de cigarro, por exemplo, nós vemos que o anúncio é direcionado apenas ao homem. A mulher não é vista como consumidora daquele produto, mas sim colocada como uma conquista do homem que consome aquela marca de cigarros”, explica Letícia.
Indo para os anos 2010, um salto de quase 50 anos, o mundo viu a chegada da internet revolucionar a sociedade; pautas de igualdade de gênero, liberdade sexual e o combate ao preconceito se tornaram mais presentes. Examinando esse contexto, Letícia esperava encontrar em suas análises mudanças proporcionais na indústria da propaganda.
Apesar das propagandas começarem a trazer uma representação mais “empoderada” das mulheres em 2010, muitas vezes continuavam a atrelar a imagem feminina ao clássico da sensualidade, perpetuando os estereótipos do papel social da mulher.

Propagandas de relógio nas revistas Marianne e Veja, já na década de 2010. Ambas retratam mulheres com bocas semiabertas, utilizando um signo tradicional de sensualidade feminina - Foto: Reprodução da dissertação de mestrado de Letícia Thomé de Oliveira/Arquivo pessoal
“Quando comparamos as revistas com esse recorte temporal, até existe uma diferença no tratamento à mulher, porém não do tamanho esperado. Os contextos sociais, políticos e históricos mudaram e as campanhas publicitárias, apesar de apresentarem diferenças, não acompanharam essas mudanças”, pontua a pesquisadora.
*Com informações da matéria de Gabriela Ferrari Toquetti para a Divulgação Científica da FFLCH
**Estagiário sob supervisão de Tabita Said
*Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

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