A música Magnólia, composta por Jorge Ben Jor em 1974, acaba de virar peça teatral. Com estreia marcada para o dia 17 de outubro no Itaú Cultural em São Paulo, a montagem é idealizada e dirigida pela atriz e bailarina Marina Esteves, que também atua na peça. O texto é assinado por Marina em parceria com Lucas Moura da Conceição, aluno do curso de Filosofia da USP.
A adaptação da canção narra a fábula de uma deusa astronauta que vive no cosmos, nas dimensões azul e rosa, por entre estrelas e cometas, até encontrar um cavaleiro negro, São Jorge. Ele propõe a ela uma missão: descer à Terra e experimentar o que é ser humana. Na Terra, depois da queda, ela passa por diversas transformações até se tornar uma mulher negra. Neste corpo, ela experimenta o que é essa vivência, com todos os prazeres da sua existência, entre estrelas e cometas. A canção Magnólia faz parte do disco A Tábua de Esmeralda, que completa 50 anos este ano.
A peça é resultado das pesquisas de Mariana sobre as representações de gênero e de raça no cenário atual, focando no corpo, na música e na palavra. “Magnólia é um sonho de Marina Esteves, só estou nessa devido a ela, e à Exu. Ela confiou na minha palavra para materializar um sonho antigo de fazer uma criação livremente inspirada nas músicas do álbum A Tábua de Esmeralda. Depois de debatermos muito juntos, chegamos à ideia de uma fábula inspirada na música Magnólia, e tudo se encaixou, como se aquilo que acabara de nascer sempre estivesse ali, existindo, esperando por ser encontrado”, diz Lucas.
“Jorge Ben é um grande baluarte espiritual e expansor de uma cultura negra na música brasileira, nós crescemos bebendo dessa água que deságua dele. Quando iniciamos a construção de Magnólia, caímos numa espécie de teia onde cada movimento nos ligava a um campo maior de saberes ancestrais. Jorge Ben nos leva do Egito ao Congo em segundos, e a peça descende desse mesmo impulso”, completa Lucas.
Paixão pelo teatro
Lucas é dramaturgo, escritor e roteirista com formação pela SP Escola de Teatro, pela Escola Livre de Teatro e pelo Núcleo de Dramaturgia do Sesi. Também é ator formado pela Companhia do Nó de Teatro. Ganhou prêmios como o Proac Primeiras Obras, por Centreville; o Prêmio Funarte Respirarte, por Canto para Descolonizar meu Pranto; Prêmio Solano Trindade para Dramaturgias Negras; Prêmio Zé Renato por Como Criar para Si um Corpo Negro sem Órgãos; e Prêmio Dramaturgias da Pandemia, por Quase Sempre um Sonho.
Antes de se encantar pelo teatro, Lucas era aluno de Ciências Contábeis em uma instituição particular. Sua paixão pelo palco teve início em um momento muito triste de sua vida. “Pode parecer um tanto absurdo, mas minha avó adotiva [que foi a pessoa mais importante da minha vida] foi velada em frente a um teatro em São Caetano do Sul. Enquanto eu desviava o olhar da cena mais triste que eu já vivi e fugia do meu primeiro encontro com a morte, do outro lado [talvez simbolizando a vida que restava] estava um teatro. Eu andava já bastante descontente com a contabilidade, e decidi naquele dia que faria teatro, mesmo sem ter experiência nenhuma”, conta o dramaturgo.
“Uma semana depois, meu pai achou no lixo uma caixa com uma coleção de livros da editora Peixoto Neto. A coleção era Os Grandes Dramaturgos, com diversas peças clássicas. Eu, que não era lá um grande leitor, percebi que o ritmo da ação dramática funcionava bem com o meu interesse. Devorei aquilo. Procurei um grupo de teatro lá em Santo André, comecei a fazer teatro e não larguei mais. Ah, e a contabilidade? Eu cheguei a fazer Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e tudo e fui bem, mas peguei DP em uma matéria cujo horário conflitaria com o curso de Dramaturgia que eu tinha sido aprovado na SP Escola de Teatro, eu não pensei duas vezes, larguei a contabilidade e fui fazer dramaturgia. O lance é que eu dava mesmo para contador, mas de histórias”, completa Lucas.
Muros físicos e psicológicos
O assunto que se repete na obra de Lucas é o encarceramento, tanto físico quanto psicológico, das pessoas moradoras da periferia. Principalmente, das pessoas negras. Mas o escritor ressalta que não procura limitar os rumos da sua dramaturgia. “Percebi que todos os meus personagens estavam em situação de cárcere de alguma maneira. Isso, pra mim, advém da infância e adolescência nas periferias onde cresci, o que me leva a querer pesquisar os muros físicos e psicológicos que cercam as pessoas da periferia, sobretudo as pessoas negras. Mas sou jovem demais pra delinear os rumos da minha pesquisa na dramaturgia”, comenta Lucas.
Lucas é o primeiro da sua família a entrar em uma universidade pública. Ele conta que, no início, a falta de referências negras na Universidade foi um dificultador, pois tentava achar similaridade entre o seu universo e o universo que lhe era apresentado, em meio a tantos autores brancos. “Eu tenho começado a buscar a estruturar o meu conhecimento em meio à base da Universidade que muitas vezes não vai ressoar a igualdade que eu busco, mas vai me dar ferramentas para construir essa igualdade. Aquele lance de ‘vou aprender a ler pra ensinar meus camaradas’, sabe? Tendo como base que racialidade é meu eixo de pesquisa, sobretudo a luta contra o encarceramento em massa, vou buscando ferramentas em temas e autoras que me ajudem a estruturar o pensamento aos poucos. Afinal de contas, Sueli Carneiro passou por lá, habitou tanto a educação quanto a filosofia, eu não posso dizer que estou perdido, tenho uma trilha deixada por ela, e outras tantas pessoas, a seguir”, diz Lucas.
O contador de histórias
Desde 2021 Lucas e sua noiva Stela dedicam-se ao podcast Calunguinha, o contador de histórias, que foi um dos vencedores do Sound UP Brasil do Spotify, que premiou vinte potcasters negros e indígenas de todo Brasil. “O Calunguinha é o projeto mais importante que criei, acho difícil que um dia deixe de ser. Pensado e criado por mim e pela minha noiva Stela Nesrine, ele é o nosso sonho mais ousado, mas também mais ingênuo e sincero. Nele trazemos os sonhos e dificuldades que nós dois, enquanto pessoas negras, vivemos quando crianças, de encontro com a criação do meu enteado que agora tem sete anos e os nossos sonhos de ver aquilo que a gente acredita e que pode e deve ser mudado no mundo. Conseguimos trazer para esse sonho, entre outras pessoas que são nossa inspiração, Babu Santana, Lázaro Ramos e Margareth Menezes”, salienta Lucas.
Lucas achava que nunca iria estudar na USP, pois acreditava que o lugar não era para ele, no entanto, ao entrar, seu objetivo é ajudar a abrir as portas para outros. “Aprendi rápido ali dentro que ser o primeiro de um grupo a chegar em um lugar não faz sentido nenhum se outros não chegarem também. Então gostaria que meu conhecimento adquirido ali, pudesse abrir trilhas como as que estou encontrando nas letras de Sueli [Carneiro], Lélia [Gonzalez] e outras”, comenta Lucas.
Já para o futuro, ele diz querer sempre mais. “Como dizem os Racionais Mc’s: Por que sou cheio de querer.” Nutro uma série de planos no encrespado das ideias. Labuta é encontrar subsídio e caminho para essas ideias, mas a gente dá o passo e Exu dá o caminho, né? Laroyê! Ano que vem pretendo dirigir um espetáculo de autoria minha, que venho nutrindo há um tempo, botar no mundo meu primeiro livro e dar sequência no Calunguinha e no Planetário, podcast novo que descende do Calunguinha”, finaliza Lucas.
Espetáculo teatral Magnólia
Quando: em cartaz de 17/10/2024 a 03/11/2024
Local: Itaú Cultural (Av. Paulista, 119 – Bela Vista – São Paulo – SP)
Entrada gratuita
Classificação: 16 anos
Mais informações: atendimento@itaucultural.org.br. Telefone: (11) 2168-1777