Vivências anteriores à Universidade inspiram exposição de estudantes

Até 11 de outubro, mostra gratuita no Espaço das Artes, na Cidade Universitária, exibe as produções de alunos de Artes Visuais da Escola de Comunicação e Artes da USP

 02/10/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Alícia Matsuda*

Arte: Joyce Tenório**

Obra de Angela Chiqueto e Iara Crioulá – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Amálgama, para a química, é toda liga metálica que contém mercúrio; para a mineralogia, é uma fusão encontrada em jazidas de cinábrio; e, para a odontologia, é uma pasta para obturação de cáries. Já quando se trata de artes plásticas, essa mistura heterogênea de substâncias diferentes é a inspiração para a exposição Mercúrio, Prata, Feltro e Barro, em cartaz até 11 de outubro no Espaço das Artes (EdA), galeria da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo. Diferente do resto da programação anual, o foco dessa mostra é aplicar as técnicas desenvolvidas na graduação em motivos que precedem o vestibular. “Os artistas trabalham com o que recebem da faculdade, mas em diálogo com o saber-fazer anterior ao ingresso”, sintetiza a estudante Lívia Tregancini no texto curatorial.

Organizada por três estudantes de Artes Visuais na ECA, Mercúrio, Prata, Feltro e Barro é uma das três mostras que fazem parte do edital sem fundos Setembroutubro, ao lado das exposições no__entre e Às Vezes o Universo Fala onde os Caminhos se Encontram. Exposta nos salões principais da galeria, ela é resultado da primeira experiência dos alunos João da Costa, Marcelo Aparecido e Pedro Ferrareto como curadores, um braço do mercado que afirmam ser pouco explorado no curso.

Três pessoas enquadradas por uma moldura numa grande sala.
João da Costa, Marcelo Aparecido e Pedro Ferrareto, curadores da exposição, estão no 2º ano da graduação - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

No dia 23 de setembro passado, a abertura das exposições contou com uma performance da artista Giovanna Tavares. De acordo com os curadores, ela costuma aparar o próprio cabelo no dia a dia, e sua proposição foi convidar o público a adentrar o seu salão de cabeleireiro amador, formado por um simples banquinho. Da performance, permanecem no chão da galeria os tufos de cabelo cortados, de diferentes cores, tamanhos e texturas. Ao inserir novas pessoas no seu costume pessoal de cortar o cabelo, dentro do cenário do museu, Tavares cumpre o objetivo da mostra de sobrepor as vivências de cada artista às influências da faculdade. “A visão intimista de Mercúrio, Prata, Feltro e Barro parte de todos os participantes compartilharem de circunstâncias singulares que advêm de observações, buscas, discussões e acasos”, continua Livia Tregancini. “É aqui que essas pequenas conjunturas encontram grandes espaços, se fundem com o aprendizado da faculdade e repousam.”

Um banquinho com tufos de cabelos ao redor.
A performance "Corto Cabelo" (2024), de Giovanna Tavares, partiu apenas de um banco e um espelho - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Os visitantes também deram vida à intervenção artística Pelada, de Pedro Ferrareto, montada em frente ao quadro Fico Aqui Desse Lado Esperando a Manada Passar, uma tela do mesmo artista. Em entrevista ao Jornal da USP, Ferrareto afirma que, tendo crescido no interior, as quadras improvisadas nas ruas fazem parte da sua infância. “Eu sempre vivi num campo de futebol desses, eu acho que trazê-lo para um espaço expositivo é trazer um questionamento: ‘isso aqui é a arte neste espaço?’”. O artista usou as linhas que revestem o chão do museu para delimitar o campo da brincadeira. “A bola no meio não está presa. Eu não dei nenhuma instrução para as pessoas jogarem, mas também não falei para elas não jogarem. E aconteceu no dia da abertura: muita gente tirou o sapato e jogou”, conta orgulhoso.

Um grande salão com uma bola no meio e, em primeiro plano, dois chinelos.
Com dois pares de chinelos e uma bola, Pedro Ferrareto montou a intervenção "Pelada" (2024) - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Além de curador, o artista João da Costa está entre os 20 alunos da ECA com obras selecionadas para essa exibição. A pintura Uma Voz Que Guardei na Coberta e Nunca Mais Esqueci é um quadro que sintetiza a missão da mostra ao mesclar a origem e o presente dos artistas. “Eu venho de uma perspectiva de ancestralidade indígena, então a gente não tem esse recorte tão rígido das estruturas. A gente não divide tão estritamente o que é animal, o que é humano, o que é uma planta, e também não hierarquiza tudo isso”, explica. “Na minha tela, eu tento criar no plano bidimensional uma imagem que, de alguma forma, confunde essas estruturas microcelulares.” Para o artista, o quadro é uma manifestação desse saber anterior à faculdade, mas também incorpora o que ele aprendeu nas práticas de pintura e nas teorias de história da arte.

Os elementos distintos mercúrio, prata, feltro e barro nomeiam a mostra, também, a fim de destacar a intersecção e os contrastes entre materiais, técnicas e temáticas expostas. A obra Nós, do curador Marcelo Aparecido, por exemplo, consiste em uma sequência de cartões poéticos que constroem a trajetória de um casal. “Eu estava tentando pensar nos trabalhos artísticos que eu realizava antes de entrar na USP e a poesia é uma uma forma de arte que sempre gostei de fazer”, relembra o artista, que publicou um livro intitulado Formas ainda no ensino médio. “Quis pensar também a palavra, porque eu acho que, muitas vezes, a gente esquece a potência que a palavra tem no curso de Artes Visuais.” Na exposição, “o passado de cada sujeito reage intertemporalmente e manifesta a rica memória em forma de produto”, concluem os curadores num texto de apresentação da mostra.

A exposição Mercurio, Prata, Feltro e Barro fica em cartaz até 11 de outubro, de segunda a sexta-feira, das 9h às 20h, no Espaço das Artes (Rua da Praça do Relógio, 160, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone: (11) 2648-1426.

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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