USP Filarmônica exibe a Sinfonia Fúnebre, de José Maurício Nunes Garcia

Composta em 1790 no Rio de Janeiro, obra é uma das mais importantes peças sinfônicas do século 18 no Brasil

 29/02/2024 - Publicado há 10 meses

Da Redação

Arte: Joyce Tenório*

O padre José Maurício Nunes Garcia - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens Racool_studio/Freepik e José Mauricio Nunes Garcia Júnior/Fundação Biblioteca Nacional

Sinfonia Fúnebre, do padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) – um dos maiores compositores do período colonial brasileiro -, pode ser ouvida na interpretação da USP Filarmônica, sob regência do maestro e professor Rubens Russomanno Ricciardi, num vídeo divulgado recentemente na plataforma Youtube (disponível aqui). Composta no Rio de Janeiro em 1790, a obra foi escrita para duas flautas, dois oboés, dois fagotes, duas trompas, dois trompetes e cordas. “Talvez seja mesmo a mais importante obra sinfônica do século 18 no Brasil”, afirma Ricciardi, que é diretor artístico da USP Filarmônica – orquestra ligada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. O vídeo foi gravado no Theatro Pedro II, em Ribeirão Preto, em 28 de novembro de 2023.

A execução da Sinfonia Fúnebre pela USP Filarmônica é resultado de um longo trabalho de pesquisa de Ricciardi. Como as partituras originais da obra não foram preservadas, o professor precisou recorrer a partes avulsas da composição guardadas em arquivos do Rio de Janeiro e de São João del-Rey (MG), entre elas autógrafos de partes das cordas datados de 1816 e cópias das partes de sopros do século 19. “Uma vez que por meio dessas fontes existentes se torna impossível a reconstituição, em sua totalidade, das intenções do compositor, optamos pela metodologia da edição voltada à performance”, escreve Ricciardi, num artigo sobre a obra. “Temos uma edição com nossa assinatura, resultante de um trabalho hermenêutico: descobrir as ideias musicais por trás de toda sorte de contradições na escritura”, acrescenta, lembrando que, em razão da precariedade das fontes disponíveis, nunca haverá uma edição definitiva da Sinfonia Fúnebre.

Rubens Russomanno Ricciardi - Foto: Reprodução/IEA-USP

Segundo Ricciardi, a Sinfonia Fúnebre pertence à fase de juventude de José Maurício Nunes Garcia, em que ele se revela um compositor original. Depois, com a abertura dos portos pela Coroa Portuguesa, em 1808 – que facilitou a entrada na colônia de bens materiais e culturais, como a música então praticada na Europa –, a obra do padre viria a se aproximar cada vez mais do estilo de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e de Joseph Haydn (1732-1809), tornando-se menos diferenciada. “Do ponto de vista da interpretação musical na colônia, isso foi importante, mas afetou um pouco a originalidade dele”, disse Ricciardi ao Jornal da USP.

Daí a importância da Sinfonia Fúnebre, continua o maestro e professor, para quem a obra – escrita quando o padre tinha 23 anos de idade – reflete a “inventividade e engenho” do compositor. Ricciardi cita como exemplo um acorde presente na Sinfonia Fúnebre que, segundo ele, se trata de um “romantismo avant la lettre” e antecipa em 75 anos o chamado “acorde de Tristão”, presente na abertura da ópera Tristão e Isolda, do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883). “É possível que a obra nos revele ainda alguma antiga tradição perdida”, escreve Ricciardi. “O andamento da Sinfonia Fúnebre, por exemplo, talvez tivesse como referência uma mesma prática musical do século 18 de romaria católica.”

Sinfonia Fúnebre foi executada no enterro de José Maurício Nunes Garcia, na Igreja de São Pedro, no Rio de Janeiro, em abril de 1830. A obra pode ter sido composta por ocasião da morte da irmã da mãe do compositor, que ajudara na educação do futuro padre e compositor, ainda de acordo com Ricciardi. Outra hipótese é que ela tenha sido criada para a Venerável Ordem Terceira do Carmo.

Ouça no link abaixo a Sinfonia Fúnebre, do padre José Maurício Nunes Garcia, na interpretação da USP Filarmônica, sob regência do maestro e professor Rubens Russomanno Ricciardi.


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