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O economista e professor da USP Paul Singer (1932-2018) - Foto: Wikimedia Commons
Seminário lembra o professor Paul Singer, intérprete do Brasil
A partir de 29 de novembro, encontro na USP vai mostrar a trajetória do intelectual militante que marcou o pensamento econômico brasileiro
“Trabalhar deve ser como plantar uma flor. O trabalhador deve tornear uma peça, bater uma estaca, assentar tijolos e guiar um veículo da mesma forma como uma pessoa cultiva flores para enfeitar o jardim ou perfumar a sala de jantar. Isso é o que significa emancipação do trabalho.”
Com essas ideias em mente, que expressou num artigo publicado em 1962 na Revista do Dieese, o economista e professor da USP Paul Singer (1932-2018) marcou as relações entre capital e trabalho no Brasil ao longo de mais de 60 anos. Agora, essa trajetória será lembrada no seminário Paul Singer 90 Anos: Intérprete do Brasil, que acontece entre 29 de novembro e 1º de dezembro no Centro Cultural Mariantonia da USP.
O seminário inclui mesas de discussão, nos dias 29 e 30, a partir das 14 horas, que abordarão três aspectos da obra de Singer – como intelectual, como militante e como intérprete do Brasil –, a exibição do filme Paul Singer – Uma Utopia Militante, com a presença do diretor Ugo Giorgetti, no dia 1º, às 17 horas, e ainda o lançamento, no dia 30, às 20 horas, dos dois primeiros volumes da Coleção Paul Singer, publicada pela Editora da Unesp e pela Fundação Perseu Abramo: Economia Solidária e Uma Utopia Militante. No total, a coleção será formada por seis volumes, que trarão uma seleção de textos de Singer. Em mais de meio século de atividade acadêmica, o professor publicou 24 livros próprios e outros seis em coautoria, além de dezenas de artigos científicos.
Paralelamente ao evento, no dia 29, às 20 horas, será inaugurada a exposição Paul Singer 90 anos: Intérprete do Brasil, que exibirá reproduções fac-símiles de documentos da biblioteca e do arquivo de Paul Singer, hoje parte do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. A programação completa do seminário – que é gratuito – está disponível no site do Centro Cultural Mariantonia.
A economia solidária - a prática econômica autogerida - recebeu forte impulso com as ideias do professor Paul Singer - Fotos: Freepik
Intelectual público
“Paul Singer era uma espécie de intelectual público, um intelectual completo”, disse a vice-reitora da USP, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda – que participará da cerimônia de abertura do seminário –, em entrevista à repórter Duda Ventura, do Jornal da USP. Segundo ela, o professor possuía uma visão abrangente das questões brasileiras. “Ele tinha um compromisso com a modernização, mas com uma modernização socialmente inclusiva. Ele via o desenvolvimento do Brasil não do ponto de vista do Estado nem das elites, mas de um ponto de vista que pensa o conjunto das camadas populares.”
Maria Arminda destaca a atuação de Singer na área da economia solidária – termo que se relaciona a atividades econômicas organizadas sob a forma de autogestão. Nessa área, o professor ocupou o cargo de secretário nacional de Economia Solidária, ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2003 e 2016, nos governos Lula e Dilma Rousseff. “Ele desenvolveu projetos em que agregava produtores, autônomos e organizações populares de produção”, lembra a vice-reitora, enfatizando que Singer fundou, em 1996, a Incubadora USP de Cooperativas Populares, ainda em funcionamento na Escola Politécnica. “Ele pregava o cooperativismo como uma das expressões de solidariedade, uma expressão do socialismo. Os produtores eram autônomos, não dirigidos.”
O professor Paul Singer em Linz, na sua Áustria natal, em 2005 - Foto: Reprodução/Instituto Paul Singer
Charge de Augusto Ortiz dos Zevallos, que retrata Paul Singer - Foto: Reprodução/Instituto Paul Singer
Teoria e prática
“Muito cedo, por volta da adolescência, ele aderiu a um pensamento socialista democrático e, a partir dessa visão, procurou, durante toda a vida, forjar instrumentos de solidariedade prática”, afirma o professor André Singer, docente do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, filho de Paul Singer, a respeito do pai. “Esse é um aspecto muito interessante da trajetória dele. Embora fosse um intelectual, com uma sólida formação teórica, ele era também uma pessoa muito prática, alguém que exerceu uma militância voltada para encontrar soluções práticas para problemas de economia.”
André Singer lembra que a ditadura militar (1964-1985) impôs ao pai o período mais difícil da sua vida. Cassado com outros docentes da USP pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5), de dezembro de 1968, Singer foi aposentado compulsoriamente aos 37 anos de idade, tendo que se afastar da Universidade por um período de dez anos. “Foi uma época muito difícil porque o meu pai adorava dar aula e a Universidade era uma segunda casa para ele”, disse o professor da FFLCH à repórter Duda Ventura.
Em 1969, Singer e outros professores cassados – integrantes do chamado Seminário do Capital, que entre 1958 e 1964 promoveu na USP a leitura regular da obra máxima do pensador alemão Karl Marx – fundaram em São Paulo o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “O Cebrap foi o sustentáculo dele durante o período em que não pôde dar aulas, não só do ponto de vista financeiro, mas também da sua inserção profissional, porque deu uma alternativa à Universidade, que na época estava cortada para ele.”
Austríaco de Viena, Paul Singer chegou ao Brasil com a família em 1940, aos 8 anos, fugindo da perseguição aos judeus da Áustria anexada à Alemanha nazista, como se lê no site do Instituto Paul Singer. Em São Paulo, ele se formou no curso técnico, que o levou a trabalhar na indústria e a se filiar ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. “Graduou-se em Economia pela Universidade de São Paulo em 1959. Doutorou-se em Sociologia, tornou-se livre-docente em Demografia e professor titular em Economia pela mesma Universidade”, informa ainda o site. Começou a lecionar em 1960 na hoje chamada Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, como professor assistente. “Singer participou da formação do Partido dos Trabalhadores (PT) e exerceu o cargo de secretário do Planejamento do Município de São Paulo (1989-1992). Em 1996, liderou a criação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares na USP e, em 2003, assumiu a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) do Ministério do Trabalho e Emprego, cargo em que permaneceu até 2016. É autor de extensa obra, com temas diversos, como desenvolvimento, economia política, dinâmica populacional, urbanismo, trabalho, socialismo, inflação e economia solidária, entre outros. Seus livros e artigos foram traduzidos para diversos idiomas. Morreu em 16 de abril de 2018.”
O seminário é uma realização da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, do Centro Mariantonia, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) – todos da USP – e do Instituto Paul Singer, com apoio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
O seminário Paul Singer 90 Anos: Intérprete do Brasil será realizado nos dias 29 e 30 de novembro, sempre a partir das 14 horas, e no dia 1º de dezembro, às 17 horas, no Centro Cultural Mariantonia da USP (Rua Maria Antonia, 258/294, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis e Santa Cecília do Metrô). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas no site do Centro Cultural Mariantonia e pelo telefone (11) 3123-5202.
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