Gravuras de Evandro Carlos Jardim em exposição no Instituto Tomie Ohtake – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

São Paulo na arte do mestre Evandro Carlos Jardim

Instituto Tomie Ohtake apresenta o tempo e o cotidiano da cidade na mostra Neblina

 26/08/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Ana Júlia Maciel

São gravuras que se transformam ao longo do tempo, das estações. E revelam os prédios, a natureza, o movimento e a gente de São Paulo na contraluz. Na exposição Neblina, o artista e mestre Evandro Carlos Jardim, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, conta sobre a cidade onde nasceu e vive em 50 gravuras. São imagens que revelam as suas reflexões, ensinam e incentivam, há seis décadas, novos artistas que levam as lições do mestre mundo afora em diferentes técnicas, estilos e linguagens.

Com a curadoria de Paulo Miyada e Diego Mauro, do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake, as gravuras são de 1980 até hoje. Estão organizadas em duas salas, que apresentam as séries Figuras Jacentes e Tamanduateí Contraluz. Há também uma terceira sala, onde o visitante assiste a um vídeo em que o professor e artista conta a sua história e pensamento sobre a arte da gravura. “Evandro Carlos Jardim adotou a gravura ou foi a gravura que adotou o artista?”, questionam Miyada e Mauro no texto de apresentação.

Certo é que o visitante tem em Neblina um encontro sutil. Muito além do que os olhos veem impresso. “O problema, apenas, é o singular da palavra gravura, que não faz justiça à multiplicidade desse meio, sua infinita capacidade de transformação e nuance, para a qual esse artista se dedica com especial persistência, com sua ‘simpatia por um fazer’”, comentam os curadores, ambos com mestrado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.

A definição de Jardim, “simpatia por um fazer”, pode parecer simples. Uma simplicidade que se traduz no domínio da técnica, na liberdade da forma, que inventa e reinventa. Cria e recria na infinitude da arte e do pensamento.

Diego Mauro – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Paulo Miyada- Foto: Mariane Lima

São várias temporalidades juntas no mesmo trabalho. Há imagens de 1967, 1980, 2020, até os dias de hoje, que são revisitadas pelo artista traduzindo o tempo e as mudanças.”

O Instituto Tomie Ohtake, mesmo no decorrer da semana, é movimentado. Os estudantes das escolas de várias regiões da cidade visitam Evandro Jardim.  Atentos, observam as imagens.

“Elas parecem iguais, mas são muito diferentes”, observa Janice Freitas, 16 anos, aluna do Colégio Castro Alves. “Quero ser design, artista… uma profissão que me leva a imaginar e criar.” Observa as imagens de Tamanduateí Contraluz. Interpreta: “Para o artista, a Neblina é uma mulher. Uma figura presente como branca, negra, parece voar. A neblina é mesmo assim. Embaça os nossos olhos e vemos uma nova realidade.”

A mãe de Janice foi aluna de Jardim na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. “Minha filha me ouve falar de Jardim desde pequenina”, diz Fabiana Ferreira Freitas. “Ele deixa os alunos livres para refletir e criar.”

O curador Diego Mauro acompanha a reportagem do Jornal da USP pela exposição. E destaca as sutilezas que fazem a diferença entre uma obra e outra, estimulando o olhar do público. “São várias temporalidades juntas no mesmo trabalho. Há imagens de 1967, 1980, 2020, até os dias de hoje, que são revisitadas pelo artista traduzindo o tempo e as mudanças”, comenta. “Mas cada gravura é única.”

A exposição de Evandro Carlos Jardim no Instituto Tomie Ohtake – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A arte de Jardim tem sempre um vazio a ser preenchido. Como a própria cidade. Os curadores trouxeram a série Tamanduateí Contraluz, que representa em dezenas de imagens a inquietude do cotidiano sob a passagem do tempo.

“As imagens desse conjunto foram construídas a partir de uma mesma matriz de cobre, sobre a qual o artista uma vez desenhou o Palácio das Indústrias e o pilar de sustentação de um viaduto, tal qual como vistos desde as margens do Rio Tamanduateí”, esclarece Mauro. “A partir desse traçado primeiro, Jardim operou a gravura como uma espécie de avesso da arqueologia, como uma prática de escavação que, em vez de revelar um fato do passado, produz infinitos novos traçados.”

“Acredito que todo ser humano tem, em princípio, empatia por algo. A vocação é um chamado interior que depende do esforço, fidelidade, dedicação.”

O artista Evandro Carlos Jardim em seu ateliê – Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

Os 87 anos do artista e mestre são contados na história da gravura brasileira. E impressos no cotidiano do professor na USP, Faap, Escola de Belas Artes e nos ateliês de gravura do Sesc. 

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“Quando a natureza encontra um artista professor”

“Quando comecei a lecionar, refleti muito sobre o que na natureza da arte se impõe. O que priorizar na disciplina de arte? Pensei especialmente na importância da liberdade de expressão. Se você não se sente livre, é impossível criar”, explica. “Arte é a necessidade de expressar um sentimento. Nunca pedi para um estudante entregar o que já tinha feito ou o que aprendeu, estudou. Essa exigência poderia parecer um pré-requisito para assistir às aulas. Não faço isso. Converso com o estudante e pergunto o que ele está sentindo necessidade de fazer. E ele fica à vontade para deixar fluir a sua manifestação artística naturalmente.”

A natureza da arte de Jardim formou artistas e professores artistas. “Acredito que todo ser humano tem, em princípio, a empatia por algo. A vocação é um chamado interior que depende do esforço, fidelidade, dedicação.”

Assista no link abaixo ao vídeo Quando a Gravura Encontra Um Mestre, sobre o artista Evandro Carlos Jardim, produzido pela TV USP.

A exposição Neblina, de Evandro Carlos Jardim, fica em cartaz até 16 de outubro, de terça-feira a domingo, das 11 às 20 horas, no Instituto Tomie Ohtake (Avenida Faria Lima, 201, entrada pela Rua Coropés, 88, Pinheiros, em São Paulo). Grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2245-1900.


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