Sagrado e profano dividem as telas do Cinema da USP

De 16 de setembro a 6 de outubro, mostra de filmes apresenta as dicotomias da tradição cristã

 16/09/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Alícia Matsuda*

Arte: Joyce Tenório**

Sagrado e profano dividem as telas de cinema em nova mostra gratuita – Imagem: Reprodução/Cinusp

A partir desta segunda-feira, dia 16, o Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp) vai mostrar filmes que evocam as intersecções entre o santo e o pecado. A mostra Sagrado Profano abarca tanto um filme já censurado pelo papa como produções indicadas pelo Vaticano, passando por tons de humor, terror e drama. Em cartaz até 6 de outubro, a mostra faz uso das imagens divinas para provocar as dinâmicas da própria religião. “É muito mais sobre expor as contradições. Jogar no jogo do profano é jogar no tabuleiro do cristianismo e seus símbolos”, diz o curador Filipe Augusto Oliveira. A programação completa do evento está disponível no site do Cinusp. A entrada é grátis. 

Também como parte da 3ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica, um dos destaques da programação é o polêmico Eu Vos Saúdo Maria (1985). O filme, condenado pelo papa João Paulo Il, foi censurado no Brasil já redemocratizado, com sua exibição vetada pelo então presidente José Sarney (1985-1989). Dirigido por Jean-Luc Godard, o roteiro francês transporta ao século 20 a figura de Maria, mãe de Jesus, o que foi rechaçado pela comunidade cristã. Filipe Oliveira observa que o filme mais poetisa do que profana o catolicismo. “Ele não está preocupado exatamente em fazer uma grande crítica à religião, mas sim em usar elementos que fazem parte do cristianismo para tratar de questões sociais que são ainda relevantes até hoje, principalmente no Brasil”, afirma. Para adensar a discussão, a exibição, nesta quinta-feira, dia 19, será seguida de debate com a professora Leyla Brito da Silva, do Departamento de Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba (UFP).

Mulher falando ao microfone.
Leyla Brito da Silva - Foto: Academia.edu

No caminho oposto, a convivência do sagrado e do profano ressoa em títulos contraditórios, como é o caso de A Paixão de Joana d’Arc. O filme silencioso de 1928 é um dos recomendados pelo próprio Vaticano desde 1995, quando o Conselho Pontifício divulgou uma lista de indicações em homenagem aos 100 anos do cinema. No clássico de Carl Theodor Dreyer, a santa conhecida por ter liderado soldados franceses é vivida pela atriz Renée Falconetti. Acusada de heresia por afirmar ter se comunicado com Deus, a trajetória de Joana d’Arc vai da queima na Inquisição até a sua canonização, concedida quase 500 anos após sua morte.

Pela popularidade atemporal do paradoxo, os 17 filmes selecionados transitam, também, entre estilos e gêneros cinematográficos. “O terror está muito presente no tema porque é clássico e utiliza muito desses inimigos do cristianismo, que são os demônios, o pecado e todo esse imaginário”, diz Oliveira sobre títulos como o sucesso O Exorcista (1973) e o brasileiro O Padre e a Moça (1966). “A gente queria dar o outro tom da comédia também, porque é interessante ter esses filmes que tratam com uma certa leveza e como sátira, de explicitar hipocrisias e contradições dentro da religião”, completa, mencionando Clube dos Pervertidos (2004). Na mão oposta à profanação da fé, neste filme de John Waters, um grupo de fetichistas sacraliza o profano ao fundar uma seita de culto ao sexo.

Com diferentes abordagens, a seleção desafia os preceitos cristãos,  impostos e transgredidos por toda a história do cinema. Do lado avesso, a sétima arte também entra na discussão do divino quando fãs se concentram em frente às suas telonas, como fiéis se reúnem em rituais de adoração em um templo. Filipe Oliveira explica que “muitos cinemas abandonados viram igrejas, pode-se dizer que o cinema é uma religião em si”, afinal, assim como as doutrinas organizadas, o cinema cultiva ideologias e simbolismos próprios, muitos herdados do mundo cristão. A curadora Clara Barra conclui: “Subverter a religião é profanar também o cinema como esse lugar religioso, com uma iconografia e uma moral clássica que vêm estabelecidas”.

A programação inclui o espanhol Maus Hábitos, de Pedro Almodóvar, o mexicano Nazarin (1959), de Luiz Buñuel, e o japonês Love Exposure (2008), que prometem deixar os espectadores vidrados com quase quatro horas diretas de ultraviolência. 

A mostra Sagrado Profano, do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), acontece entre 16 de setembro e 6 de outubro, de segunda a sexta-feira, às 16h e às 19h, no Centro Cultural Camargo Guarnieri (Rua do Anfiteatro, 109, Cidade Universitária, em São Paulo), sábados e domingos, às 16 e às 18 horas, e no Centro MariAntonia (Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, na região central de São Paulo, próximo às estações Santa Cecília e Higienópolis-Mackenzie do metrô). Entrada grátis. Mais informações e a programação completa da mostra estão disponíveis no site do Cinusp.

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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