Renina Katz gravou seu nome na história da arte e do ensino no Brasil

A artista plástica, que morreu no dia 21, aos 99 anos, fez carreira nas artes e foi professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) da USP por três décadas

 28/01/2025 - Publicado há 1 mês

Texto: Ricardo Thomé*

Arte: Simone Gomes

Renina Katz – Foto: Reprodução  Instagran Galeria Frente

Mulher de cabelos negros, sorrindo.
Renina Katz - Foto: Reprodução/Instagran

Renina Katz gravou seu nome na história da arte e do ensino no Brasil

A artista plástica, que morreu no dia 21, aos 99 anos, fez carreira nas artes e foi professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) da USP por três décadas

 28/01/2025 - Publicado há 1 mês

Texto: Ricardo Thomé*

Arte: Simone Gomes

“Uma das três mulheres mais importantes de seu período em sua área de atuação. Uma artista e uma professora da maior importância.” É assim que Agnaldo Farias, crítico de arte, curador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) da USP, define a relevância de Renina Katz, gravadora, desenhista e ex-professora da FAU, que morreu no dia 21 passado, em Niterói (RJ), aos 99 anos. Em grande parte da sua vida, Renina se dedicou à arte, seja na produção de obras dos mais variados tipos — guache, xilogravura, litografia e aquarela —, seja nas salas de aula, com destaque para os 28 anos de trajetória como docente da FAU.

Ao todo, com base em dados do Instituto Itaú Cultural, Renina teve 56 exposições individuais, sendo nove internacionais, em sete países. Ela também participou de 166 exposições coletivas, das quais 35 foram fora do Brasil, em 17 países. O professor Agnaldo Farias define a contribuição de Renina Katz como “inestimável”: “Ela foi coerente, aplicou suas nuances e sutilezas e produziu um trabalho muito belo e importante. E sorte da FAU em tê-la tido em sua história”.

A artista: do real ao abstrato

A artista Renina Katz é indissociável da professora Renina Katz. Como afirma Agnaldo Farias, “uma incide na outra”. A realidade é que Renina foi artista desde muito cedo. Nascida em 1925, no Rio de Janeiro, filha de pais judeus poloneses, ela começou na pintura retratando paisagens cariocas com traços expressionistas, ainda nos anos 1940. Em 1946, ela conhece a xilogravura por meio do ilustrador e gravurista austríaco Axl von Leskoschek e, um ano depois, entra na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, para estudar pintura.

 Mulher Sentada (1947) foi um dos primeiros trabalhos de Renina Katz, antes mesmo de se aproximar da gravura – Foto: Enciclopédia Itaú Cultural

Apesar de já ter tido contato com a xilogravura em 1946, foi graças ao incentivo do artista Napoleon Potyguara Lazzarotto, o Poty, que Renina ingressou no curso de Gravura em Metal, ministrado por Carlos Oswald no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. A partir daí, ela iniciou seus trabalhos em gravura — com foco na xilogravura —, valendo-se de um viés social e militante, observado na presença de figuras marginalizadas e de elementos realistas nas obras. “Eu comecei a achar que a xilogravura, naquele momento, era a linguagem adequada para o meu projeto artístico: eu estava numa fase de muito engajamento político, de denúncia”, afirmou ela a Renato Palumbo Dória na Revista da História da Arte e Arqueologia, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nos anos 1990.

Agnaldo Farias acrescenta que, mais do que tratar de temas sociais, como fez também Lasar Segall (1889-1957), Renina transpunha o pensamento do realismo social para a vida urbana, assim como Oswaldo Goeldi (1895-1961). Para Farias, Renina Katz figura, ao lado de Edith Bering (1916-1996) e de Fayga Ostrower (1920-2001), como a grande referência feminina em gravuras naquele período, que teve, por exemplo, nomes como o de Lívio Abramo (1903-1993). “Mas não apenas. A obra dela vai ressoar pelas décadas seguintes, sobretudo até os anos 1970, pois é um trabalho de primeira grandeza”, recorda o professor. Ele aproveita para fazer uma crítica à forma como a gravura é tratada pelo mercado artístico: “O Brasil tem uma vasta tradição na área da gravura. Essa linguagem é extraordinariamente importante para a arte brasileira, e só não é tratada à altura, talvez, porque são obras múltiplas, enquanto pinturas e esculturas são únicas e, portanto, mais valorizadas”.

As séries que falam sobre os retirantes e sobre as favelas marcam a fase do realismo social de Renina Katz
– Foto: enciclopedia.itaucultural

A partir da metade dos anos 1950 e principalmente na década de 1960, o estilo de Renina migrou do realismo figurativo para a abstração, no que Agnaldo Farias considera uma “guinada radical”. “A abstração, para os artistas realistas, era tida como uma coisa alienada, fora deste mundo. E ela passa de um trabalho que era ancorado no mundo, francamente realista e representacional, para algo diferente, mas afinado. Ela alude à paisagem, mas não diretamente”, explica o professor. Segundo a própria Renina, na mesma conversa com Renato Palumbo Dória, ela estava em outro momento da vida, em que o refinamento formal de sua gravura tinha se descolado de suas convicções: “Era uma gravura muito comprometida com recados. E eu não era mais uma jovem militante. Aí eu mudei os rumos, que eu ainda não definia bem o que era, para poder transmitir outros recados”. Com grande atenção para as texturas e para as cores, a “quase-paisagem” e os cortes do relevo tomaram conta de sua obra.

Nas duas décadas seguintes, a artista retomou a litografia como foco, trabalhando com a evolução de cores e produzindo efeitos de mais transparência nas suas obras. Depois da década de 2000, por questões de saúde, ela passou a se dedicar mais às aquarelas do que às gravuras. Embora a maior parte dos obituários de Renina pouco fale sobre sua carreira após a década de 1980, o professor Farias destaca: “Ela nunca parou de trabalhar. O que acontece é que outras questões entram. Tem a ditadura, tem uma arte mais conceitual surgindo… e, nesse processo, muitos artistas são deixados de lado — não porque deixaram de produzir, mas porque não estão ligados àquilo que a mídia está valorizando, por exemplo”.

A professora

A primeira experiência de Renina Katz como professora foi logo após se mudar para São Paulo, em 1951. Ela deu aulas de gravura e desenho no Masp (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) e na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). Para Farias, sua mudança de estilo, que acabou coincidindo com a mudança de cidade, fez com que ela passasse a ser uma professora mais versátil. “Ela tanto conhece o desenho realista quanto é boa em uma discussão de linguagem mais pura, alheia e independente em relação ao mundo. E isso é muito importante para estudantes de arquitetura”, acrescenta o professor. Ele ressalta que as escolas de arte da época eram bastante convencionais, o que fazia com que muitos estudantes de arte optassem pelas escolas de arquitetura, como a FAU, “onde teriam aula com os artistas mais contestadores e mais radicais em termos de linguagem”.

Em 1965, Renina tornou-se docente da FAU, onde permaneceu por 28 anos e mostrou sua versatilidade não só no trato com a arte, mas também com as pessoas, como conta o professor: “Renina era muito exigente: cobrava coerência, disciplina e seriedade. Não tinha brincadeira com ela. Mas também era muito carinhosa e atenta às dinâmicas de cada aluno”. 

Farias cita como exemplo o relato do artista Fábio Miguez, do ateliê Casa 7, em São Paulo, publicado no Instagram após a morte da professora: “O mais emocionante, pra mim, foi um trabalho que eu fiz, que deu totalmente errado, um enorme fracasso constrangedor e ela puxou o trabalho e comentou para aquela classe gigante. 

Homem de barba e óculos falando ao microfone.
O professor Agnaldo Farias - Foto: Maria Leonor de Calasans/IEA-USP

Falou que ela percebia que o trabalho não tinha dado certo, mas percebia a minha intenção de avançar, que percebia ‘o meu trabalho’. Foi muito importante pra mim naquele momento. Me deu nota 7 e eu considerei esse 7 um 10 maior que todos os 10. Esse aprendizado dos rudimentos, rigoroso e apaixonante, foi a grande herança que trago da FAU. Grande Renina”.

Farias ressalta o diferencial de Renina em entender a forma como seus alunos se desenvolviam: “Ela formava as pessoas, e um bom artista não forma o cara na linguagem que ele, artista, pratica, mas, sim, deixa o cara à vontade e dá a ele ferramentas para que possa construir seu próprio caminho”.

“Trabalho relativamente abstrato”

Em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2008, Renina Katz negou que tivesse tido uma fase abstrata em sua carreira. Sobre essa afirmação, Agnaldo Farias entende se tratar de um movimento comum entre artistas no que diz respeito a rótulos conceituais. “Os artistas — no que eles estão com muita razão — ficam muito incomodados, porque os rótulos não explicam o trabalho. Os críticos trabalham com generalizações, categorias e conceitos. E esses conceitos, por serem genéricos, terminam por abraçar muitas coisas que, no miúdo, não se aplicam”, considera o professor. Para ele, “arte não é um problema de atacado, é um problema de varejo. Resolve-se (e interpreta-se) caso a caso”. Antes, em 1993, Renina já havia se referido ao seu trabalho como “relativamente abstrato”, em depoimento a Laurita Salles, gravadora, escultora e professora, no Museu da Gravura Brasileira, em Curitiba (PR).

Obra da fase abstrata: Renina Katz mudou seu estilo com o passar dos anos – Foto: enciclopediacultural

Farias explica ainda que o abstracionismo, bem como o minimalismo, são conceitos “dúbios”, no sentido de que a percepção da mensagem que uma obra passa pode depender, por exemplo, do quão treinado está o olhar para aquilo. A fins de comparação, ele cita que um arquiteto, ao bater os olhos em uma planta, imagina o vegetal volumetrizado, e um músico, ao escutar um acorde, identifica uma nota. “Quem quiser ver uma paisagem, vê. Quem não quiser, não vê.”

Amizade com Eunice Paiva e Lygia Fagundes Telles

Após a notícia da morte de Renina Katz, Marcelo Rubens Paiva, escritor e dramaturgo brasileiro, autor de Ainda Estou Aqui (Alfaguara, 2015), publicou uma mensagem na qual recordava a amizade de sua mãe, Eunice Paiva, com a artista: “Minha mãe, Eunice Paiva, deslocada e sozinha, ao voltar viúva pra São Paulo, tinha três amigas inseparáveis: Danda Prado, lésbica ativista, Lygia Fagundes Telles, também viúva, e Renina Katz, solteira sem filhos, que morreu ontem. Madrugavam com uísque rindo do patriarcalismo. Bjs”, lembrou o escritor, na plataforma X.

 

Estagiário sob supervisão de Marcello Rollemberg e Roberto C. G. Castro


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