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Qual é o papel da educação na luta revolucionária?
Paulo Freire, Che Guevara e Iván Illich respondem a essa pergunta em novo livro da Editora da USP
Por: Luiz Prado
Diagramação: Cleber Siquette
24/02/21
É o próprio autor, Andrés Donoso Romo, pesquisador do Centro de Estudos Avançados da Universidade de Playa Ancha, em Valparaíso, no Chile, e professor-assistente do Centro de Pesquisas Avançadas em Educação do Instituto de Educação da Universidade do Chile, que apresenta, na introdução de A Educação Emancipatória, o objetivo e o desafio de seu livro:
“Estudar o papel que cabe à educação na construção de sociedades mais justas é uma preocupação que instiga há pelo menos um século a intelectualidade latino-americana. Essa tarefa vem se tornando cada vez mais difícil, uma vez que a ascensão do neoliberalismo, por uma parte, tende a desencorajar qualquer empreendimento que possa colocar em risco a ordem social e, por outra parte, procura retirar os temas educacionais do domínio público para circunscrevê-los ao privado.”
Para superar o empuxo do neoliberalismo e dar novo fôlego aos estudos sobre a educação, Romo escreve sua obra – que acaba de ser traduzida e publicada pela Editora da USP (Edusp) – fazendo dialogar três nomes do pensamento latino-americano que geram abalos sísmicos: Paulo Freire, Che Guevara e Iván Illich. Em cada um deles, o autor vai pescar respostas para a pergunta: qual é, ou deveria ser, o papel da educação na transformação profunda, estrutural e/ou revolucionária das nossas sociedades?
Romo justifica a escolha dessa trinca tanto pela referencialidade dos três autores dentro de suas vertentes de pensamento quanto pela preocupação compartilhada em compreender a rede que conecta educação e transformação social:
“Dentre todas as correntes de pensamento que nessa época buscavam trabalhar esses temas, abordaremos aquelas que trataram do ‘homem novo’, da ‘educação libertadora’ e da ‘revolução’, as mesmas que foram ‘derrotadas’ na batalha de ideias subsequente e que, por isso mesmo, vêm sendo relegadas ao esquecimento pelos adeptos do neoliberalismo”, escreve.
“Essas correntes foram escolhidas, por um lado, com base na compreensão de que elas não foram derrotadas a partir de argumentos, mas silenciadas pela força das armas, e, por outro lado, pela constatação de que muitas das noções que atualmente estão em uso nos campos sociais e/ou educacionais possuem suas raízes nesses ideários.”
Com um percurso bastante acessível – um descuido e a leitura já acabou –, Romo reparte o livro em três segmentos. No primeiro, trata do contexto cultural, econômico e político da América Latina desde o final do século 19 até 1980. Apresenta, de sobrevoo, as distintas correntes de pensamento, alicerçadas nesse contexto, que desenharam expectativas para a região. Por fim, avança sobre o que considera os dois grandes processos da educação latino-americana durante o terceiro quarto do século 20: o crescimento galopante da escolarização e as reformas dos sistemas educacionais.
“Os melhores anos da educação na América latina – aqueles em que sua importância foi inquestionável para parte significativa da população, em que o ingresso escolar aumentou de maneira exponencial e em que se sucederam as reformas que procuravam viabilizar tal crescimento – também foram momentos de controvérsia em que vários especialistas, e parte significativa dos setores médios, começaram a questionar muitos dos atributos do sistema escolar”, registra o autor.
“Entre as críticas que surgiram, três foram recorrentes: que a ampliação da matrícula não favorecia todos os setores sociais, que os beneficiários da maior parte dos recursos públicos eram os que menos precisavam deles e que a educação escolar estava se tornando um empreendimento cada vez mais dispendioso para os Estados latino-americanos.”
O segmento seguinte é o núcleo do livro, no qual cada pensador merece seu capítulo. Começa com o austríaco-mexicano Iván Illich e sua crítica nevrálgica à razão de ser da escola. Romo se aprofunda na discussão do autor sobre o papel da escola na reprodução do status quo e em sua tonteante ideia de desescolarização.
“Desejava transmitir a ideia de que a escolarização mudava efetivamente a sociedade, mas não no sentido de conseguir uma maior justiça social, porém em sentido contrário, ou seja, aumentando a distância entre ricos e pobres”, escreve Romo. “Em outras palavras, Iván Illich não atribuía nenhuma finalidade progressista à escolarização, sequer como modestamente assinalam hoje algumas das principais referências de pedagogia crítica latino-americana ao afirmarem que, apesar de não ser possível desencadear revoluções a partir do sistema escolar, nele podem ser formados aqueles que amanhã viriam a realizá-las.”
Em seguida é a vez da educação libertadora de Paulo Freire. Essa parte do livro começa abordando sua iniciação às letras no quintal da família e segue para a experiência de alfabetização de adultos em Angicos, no Rio Grande do Norte. Romo passa então a discutir aspectos centrais do pensamento e da trajetória de Freire, como a educação popular, o diálogo e a trama entre educação e revolução.
“A educação defendida por Paulo Freire encontrava-se tão indissociavelmente ligada à revolução que, com o passar do tempo, ele foi enfatizando que não bastaria as pessoas se conscientizarem em relação à situação de dominação que sofriam se não entendessem que essa tomada de consciência era apenas um momento inicial, imprescindível e necessário da transformação social”, aponta Romo no livro.
“Isso explica suas críticas aos que desejavam que a reflexão das pessoas se adaptasse à realidade – pois isso levava a um conformismo que mantinha intacto os privilégios de alguns poucos e a miséria de muitos outros – e esclarece, ao mesmo tempo, seu apoio àqueles que promoviam o contrário: a transformação da realidade a partir da reflexão.”
Os entendimentos de Che Guevara sobre o processo educacional ocupam o terceiro capítulo da parte central do livro. Romo procura dar visibilidade para a relação entre educação e processo revolucionário elaborada por Che tanto em seus escritos quanto nas realizações dos primeiros anos da Revolução em Cuba.
“Convém ponderar que quando Ernesto Guevara assinalava que Cuba devia transformar-se em uma escola, não estava querendo dizer que o sistema escolar tinha de crescer a ponto de abranger tudo. Pelo contrário, imaginava uma educação que, por meio de estímulos diversos, despertasse a consciência das pessoas”, escreve Romo. “Em termos concretos entendia que, a partir de instituições estatais, como escolas ou meios de comunicação, essas atitudes deviam ser reforçadas. Assinalava também que as próprias pessoas, ao incorporarem esses aprendizados, deviam exercer pressão social sobre as demais, motivando-as a partir dos próprios comportamentos, para que assim pudessem tomar determinadas atitudes. Compreendia, igualmente, que toda pessoa, ao procurar satisfazer as expectativas dos demais, devia caminhar nessa direção até o ponto de fazê-lo sem precisar de motivações externas. Isso foi o que ele nomeou, respectivamente, de educação direta, indireta e autoeducação.”
Para encerrar a obra, Romo dedica o último capítulo para analisar as aproximações, complementaridades e divergências entre a desescolarização de Illich, a educação libertadora de Freire e a educação revolucionária de Che.
“Dialogar com os postulados de Iván Illich, Paulo Freire e Ernesto Guevara permitiu constatar que eles possuíam tanto o propósito de buscar um futuro melhor para toda a população (incluindo os opressores) quanto a convicção de que a revolução era impostergável. Mas esse diálogo permitiu também perceber que eles diferiam no modo de alcançar esses objetivos e, certamente, no papel que a educação desempenharia nessas estratégias”, registra o autor.
A Educação Emancipatória: Iván Illich, Paulo Freire, Ernesto Guevara e o Pensamento Latino-Americano, de Andrés Donoso Romo, tradução de Daniel Garroux e Mariana Moreno Castilho
➜ Edusp, 152 páginas
R$ 34,00
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