“Os alunos resolveram estudar temas relevantes, complexos e polêmicos. São olhares de novos pesquisadores e novos olhares para esses assuntos.” É dessa forma que o professor Antônio Araújo, do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, explica o título do encontro on-line Olhares Insurgentes – Iniciação Científica e Pesquisa em Artes. Nos dias 19 e 26 de outubro e 9 e 16 de novembro, o evento mostrará novas perspectivas sobre afrofuturismo, práticas feministas, arte pandêmica e cuiridade (termo queer abrasileirado). É a primeira vez que a ECA promove um evento de iniciação científica – a pesquisa científica realizada nos cursos de graduação – voltado para as artes cênicas.
No evento organizado pelos professores Antônio Araújo, Alessandra Montagner e Verônica Velos haverá quatro mesas temáticas – cada uma com duas pesquisas -, que propõem múltiplas visões críticas a respeito das artes da cena e a contemporaneidade. Araújo conta que a ideia é que cada estudante apresente sua pesquisa e relacione-a com o tema da mesa. Em seguida haverá o cruzamento entre as duas pesquisas da mesa.
A primeira mesa, Cuiridades e Falas Transviadas, acontece no dia 19 de outubro, às 20 horas. Uma das pesquisas apresentadas nessa mesa será Ancestralidades Transviadas – Dissidências de Gênero em Manadas e Galhadas, que tem a autoria de Guiga Wolf. Ela constitui uma análise sobre o mito bíblico da destruição da cidade de Sodoma e da transformação da esposa de Ló em uma estátua de sal, presente nas religiões abraâmicas (cristianismo, judaísmo e islamismo). “Na pesquisa, eu relaciono esse mito com questões pertinentes às discussões de gênero e sexualidade na atualidade”, afirma Guiga. Na mesma mesa, Alexys Àgosto irá descrever sua pesquisa Gente Computada Igual a Você: Uma Leitura da Dramaturgia de Um dos Espetáculos Encenados pelos Dzi Croquettes frente à Teoria de Próteses de Gênero de Paul B. Preciado. Ela aborda o grupo teatral Dzi Croquettes, que se formou na década de 1970 e fez temporada em São Paulo, Rio de Janeiro e também na Europa. Era um grupo formado por pessoas que, embora vistas socialmente como homens, diziam que não eram nem homem nem mulher, mas gente. Elas expressavam isso misturando signos masculinos e femininos, e performando uma estética andrógina. “Eu tento entender como eles rompiam com o binarismo de gênero a partir do que se tem hoje de estudos de gênero, partindo principalmente da teoria de Próteses de Gênero que Paul Preciado apresenta no Manifesto Contrassexual”, descreve Alexys.
Ouça no link abaixo o professor Antônio Araújo, do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, falando sobre o evento Olhares Insurgentes – Iniciação Científica e Pesquisa em Artes, em entrevista concedida à Rádio USP (93,7 MHz).
No dia 26 de outubro, também às 20 horas, será apresentada a segunda mesa, Práticas Feministas e suas Repercussões. Nesse dia haverá a apresentação da iniciação científica de Carol Cax, Dramaturgias e Corpocidade: Experiências de Escrita a Partir da Peça Radiofônica (Hörspiel) – Um Mundo Pós-Pandemia. Carol comenta que o estudo tem a intenção de investigar a aplicação de técnicas e dispositivos artísticos, oriundos das artes cênicas, para propor ações seguindo um esquema de comunicação que foi apresentado na chamada CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, em 2019. A ação performática se deu pela plataforma do Whatsapp, onde um determinado público foi escolhido para participar da experiência, recebendo áudios anônimos. Através do aplicativo de mensagens, foi possível simular a criação, propagação e difusão de narrativas falsas. O segundo assunto da mesa é a pesquisa Um Estudo Empírico da Teoria da Recepção no Campo das Artes Cênicas: Análise de Stabat Mater, de Janaina Leite, de Pedro Henrique Chaves. Segundo Chaves, o principal objetivo da sua iniciação científica é analisar a recepção do espetáculo Stabat Mater, de Janaina Leite, entre junho de 2019 e março de 2020. A metodologia se deu baseada em entrevistas presenciais com os espectadores, após o término da peça, e contato via internet dias ou semanas após assistirem à apresentação. As diversas perspectivas ouvidas e recebidas permitiram estabelecer um breve panorama de como Stabat Mater provocou, despertou e instigou esteticamente os receptores.
Afrofuturismo e Outras Encruzilhadas é o título da terceira mesa do evento, que acontece no dia 9 de novembro, às 20 horas. Nela, Fernanda Graça Machado expõe a pesquisa Em Busca de Referenciais Afro-Orientados para Pensar a Encruzilhada Corpo, Arte e Educação. Por meio da sua análise, observa-se uma reflexão a partir das visões de mundo africanas e afrodiaspóricas (fenômeno que busca evidenciar a cultura negra na atualidade e suas formas de se reinventar) sobre educação, artes e corpo. “Estudo a forma como esses conhecimentos podem ajudar a repensar os métodos de ensino e aprendizagem ao considerarem o corpo enquanto local do saber”, afirma Fernanda. “No Ocidente temos o paradigma de que o conhecimento é produzido pela mente e o corpo está afastado nessa relação.” A partir dessa pesquisa, também muito influenciada nos anos de prática de balé do oeste africano e de dança afro da pesquisadora, além do próprio fazer artístico dela, há o questionamento sobre essa dicotomia estrutural entre conhecimento e corpo. Na mesma esfera do afrofuturismo – um movimento cultural, social e político, cuja produção promove o encontro entre ficção científica, tecnologia, realismo fantástico, ancestralidade, mitologia e diáspora africana negra -, Nairim Liz Bernardo Marques apresentará Trajes de Cena Afrofuturistas nas Artes Cênicas Brasileiras: Análise da Iconografia Conceitual e Visual de Espetáculos. Trata-se de uma investigação sobre o movimento afrofuturista a partir dos trajes de cena de três espetáculos teatrais brasileiros. Por meio de leituras, relações com outras referências artísticas e entrevistas com os figurinistas, ela pesquisou como o afrofuturismo está presente nas artes cênicas.
A última mesa, Arte Pandêmica em Tempos de Pixelização, contará com a presença de Giovanna Poloni, que fará uma exibição sobre sua pesquisa A ‘Pixelização’ das Artes da Cena e os Impactos na Mediação Teatral. A pesquisa tem como objetivo analisar modalidades de mediação teatral no ensino remoto na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP. “Nessa relação com a educação sendo feita de forma on-line, como podemos aproximar os espectadores de uma obra teatral ou audiovisual no contexto remoto? O que fazer para que o espectador junte aquilo que ele assistiu à sua própria subjetividade e à sua própria experiência de vida? São essas as perguntas que dispararam a minha pesquisa”, ressalta Giovanna. A outra pesquisa da mesa, A Dança nos Tempos da Catástrofe: Reflexões em Tanztheater e Pandemia, de Thiago Prado Neris, é uma tentativa de encontrar uma linguagem para a vida virtual, por meio de experimentos audiovisuais, segundo ele. No momento a pesquisa se concentra em uma peça que dialoga com elementos da dança, da música e da própria linguagem audiovisual. “Investigo o que seria essa linguagem e como se expressar com ela. A pesquisa foi realizada no Laboratório de Pesquisa e Estudos em Tanz Theatralidades (Lapett) da ECA, mas também tem resultados advindos de uma experiência virtual com o grupo de pesquisa Corpolumen, sediado na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia”, destaca Neris. Além disso, durante a pesquisa foi trabalhado o improviso cênico e a música ao vivo. Assim, o pesquisador começou a entender o que as pessoas, por meio dessas mediações tecnológicas, conseguem transformar nessa linguagem.
“Estou bastante animada para falar sobre a minha pesquisa. Reflito muito sobre o meu trabalho quando recebo comentários e perguntas. A pesquisa é um pouco solitária, principalmente em tempos de pandemia”, comenta a estudante Nairim Marques. Já Giovanna Poloni espera que o evento desperte a vontade dos participantes de pesquisar algum assunto relacionado às artes.
O professor Antônio Araújo ressalta que Olhares Insurgentes é importante para estimular o aparecimento de novos pesquisadores, ainda mais na área de artes, que, segundo ele, é tão difícil, principalmente no que se refere a conseguir verba para as pesquisas. “Esse evento é uma maneira de mostrar que há pesquisas relevantes, com temas atuais e que interessam à sociedade”, acrescenta Araújo, fazendo questão de citar os alunos que participam da comissão executiva do evento: Keila Maschio, Mireille Antunes e Pedro Bueno.
O evento Olhares Insurgentes – Iniciação Científica e Pesquisa em Artes, promovido pelo Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, acontece nos dias 19 e 26 de outubro e 9 e 16 de novembro, sempre às 20 horas, através deste link. Grátis. Mais informações estão disponíveis neste link.