Paisagens de Cidade Tiradentes são expostas no Centro MariAntonia

Obras feitas ao ar livre em diferentes localidades do bairro foram realizadas por artistas de coletivo de arte sediado em Cidade Tiradentes

 16/05/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Lara Paiva*
Arte: Diego Facundini**

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A exposição Ar Livre: paisagem contemporânea em Cidade Tiradentes, em cartaz no Centro MariAntonia até 29 de setembro, traz mais de 100 obras pintadas por 35 artistas do coletivo ali:leste (arte livre itinerante). As pinturas em tinta a óleo sobre tela foram feitas em encontros do grupo ao ar livre e retratam diversos lugares do bairro-distrito, que variam de parques a conjuntos habitacionais e ocupações urbanas. A curadora Marina Frúgoli e o artista plástico Rodrigo Andrade assinam a curadoria da mostra.

As pinturas são fruto de três anos de encontros de pintura ao ar livre, coordenados por Rodrigo Andrade e os artistas de Cidade Tiradentes Link Museu e Evandro César. São 20 artistas com presença constante e mais uma série de participantes eventuais que se reúnem em locais do bairro, com regularidade, para pintarem juntos. “Tem um princípio de troca entre as pessoas do grupo, mas também a troca cultural entre o centro e a periferia”, explica Rodrigo Andrade. Os encontros quebram barreiras geográficas (centro e periferia), sociais, etárias, econômicas, e de diferentes bagagens artísticas (da pichação e poesia slam a circuitos mais comerciais de arte).

Os artistas utilizam diferentes enquadramentos e linguagens ao retratar o mesmo cenário, resultando em variadas expressividades. “Alguns vão para tendências abstratas, com texturas e manchas; outros trabalham com o acúmulo de tinta; ou o realismo, mas com distorção de cores”, afirma Marina Frúgoli.

O grau de relação direta com a aparência da paisagem também varia de artista para artista. “Tem uns que pegam traços básicos e fazem uma pintura a partir disso. Se atentam à própria tela, criando detalhes e nuances. Outros se atêm ao que está sendo visto e à realidade”, aponta Rodrigo Andrade. “Mas, ao mesmo tempo, o conjunto tem muito em comum, porque um olha para o trabalho do outro enquanto pinta. Tem uma retroalimentação.”

Pondo Cidade Tiradentes no mapa

Cidade Tiradentes foi escolhida quando o coletivo ali:leste foi fundado, em 2019. O bairro-distrito, localizado no extremo leste da cidade de São Paulo, tem alta concentração populacional, com cerca de 280 mil habitantes em uma área de 15 km2, e abriga o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina (cerca de 40 mil unidades). A ideia original era mudar de bairro-sede depois de dois anos, mas o ali fincou raízes no bairro após seus integrantes se apegarem ao território e pessoas. Devido à distância do centro, seu status como “cidade dormitório” e altos índices de criminalidade, as pessoas não costumam conhecer o bairro. Com as paisagens da mostra, os artistas e curadores buscam dar mais reconhecimento a Cidade Tiradentes.

As paisagens escolhidas são no bairro-distrito e arredores, como Guaianases, Itaquera e outros. A exposição foi organizada a partir dos lugares retratados, enfatizando a visão de cada artista da localidade. As paisagens trazem elementos urbanos, assim como da natureza: uma Cohab, parques com flora da Mata Atlântica, uma pedreira, uma ocupação incipiente e outra mais consolidada, entre outros, possibilitando uma leitura da cidade. Marina se envolveu com o projeto ao participar de um encontro e ser bem-recebida. “Os artistas têm orgulho de expor Cidade Tiradentes no centro de São Paulo.” A curadora, cuja formação vem da Arquitetura e Urbanismo, busca entender a relação da periferia com o centro e como o sistema das artes pode ser uma porta de entrada para falar sobre outros assuntos do bairro. “É um bairro com muita efervescência cultural, e o ali vem para somar, trazendo outras materialidades, referências e técnicas”, explica.

Marina Frúgoli - Foto: marinafrugoli.com/Arquivo Pessoal

Rodrigo Andrade - Foto: @_andrade_rodrigo_/Instagram

Rodrigo Andrade, que idealizou os encontros, realiza pinturas ao ar livre há mais de 30 anos. “É uma relação objetual com o sujeito, onde você faz parte da paisagem. A questão da correspondência com o objeto externo acaba tensionando com a autonomia da pintura”, explica. Nessa modalidade, cabe ao artista organizar os elementos e transpô-los à tela, transformando o “caos visual” em algo ordenado e gracioso, de maneira rápida, favorecendo soluções instintivas para a obra. Nas telas retratando Cidade Tiradentes, peculiaridades da urbanização da Grande São Paulo são evidenciadas.“As paisagens retratam um fenômeno onde o tecido urbano se mistura com o rural. Isso aparece muito e é característico dessa periferia extrema de São Paulo”, aponta o artista.

Um laboratório de criação artística para todos

A exposição trouxe obras feitas em encontros até janeiro de 2024, mas o grupo de pintura ao ar livre continua ativo. Agora, além de Cidade Tiradentes, fazem incursões em outras periferias e paragens, ainda intercalando com os encontros em Cidade Tiradentes. O projeto está aberto a todos, e não é necessário conhecimento artístico prévio; segundo Marina, o grupo “não julga ou diferencia”, e trouxe a alguns moradores do bairro sua primeira interação com a pintura. Link Museu, Evandro César e Tito Terapia já possuíam a bagagem artística da pichação e do grafite, mas começaram a pintar com o ali:leste. Hoje, possuem o Ateliê da Rapa, que expõe, na primeira parede da exposição, uma série de paisagens imaginadas. As obras são feitas com terra coletada em Cidade Tiradentes. “Eles desenvolvem pigmento a partir da terra recolhida desse cenário de constante construção e reconstrução da paisagem, com novos condomínios e residências, que deixam essa terra revirada”, explica Marina. “É uma paisagem imaginária, mas também muito enraizada em Cidade Tiradentes.”

O processo de curadoria da mostra ocorreu em diálogo com os artistas envolvidos. Segundo Marina, um dos principais critérios adotados foi a transparência: “Todo mundo que participou de pelo menos um encontro pôde participar da exposição”. Não houve critério de seleção discriminatório; alguns artistas têm uma só pintura na exposição, enquanto outros, que participaram assiduamente, em dezenas de encontros, têm mais obras expostas.

Ar Livre: paisagem contemporânea em Cidade Tiradentes está exposta no Centro MariAntonia até 29 de setembro de 2024. O centro se localiza no Edifício Joaquim Rui Barbosa, Rua Maria Antônia 294 – Vila Buarque. O horário de visitação é das 10h às 18 horas, de terça a domingo e feriados. A entrada é gratuita para o público em geral. Para mais informações, acesse o site do Centro.

*Estagiária sob supervisão de Marcello Rollemberg
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado


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