Edição feita com imagens de Pixabay, Emmanuel Nassar e Rogério Ghomes (Divulgação)

Mostra no MAC inova com experimentos de curadoria compartilhada

Exposição "Lugar-Comum " é um "work in progress" realizado em três etapas ao longo de cinco meses

 18/03/2022 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 19/03/2022 às 19:38

Autor: Claudia Costa

Arte: Guilherme Castro/Jornal da USP

Três experimentos de curadoria compartilhada são desenhados a partir de um work in progress, resultando em mostras diferentes dentro da exposição Lugar-Comum. A proposta de caráter colaborativo entre curadores, artistas e convidados é apresentada pelo Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP como uma nova abordagem sobre seu acervo, e será apresentada em três etapas, ao longo de cinco meses, no quinto andar do edifício-sede do museu, no bairro do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. O primeiro recorte, que já está em cartaz, reúne 15 obras do MAC, selecionadas pelas curadoras Ana Magalhães, Helouise Costa e Marta Bogéa. São trabalhos de Carmela Gross, Ding Musa, Emmanuel Nassar, Jessica Mein, Laércio Redondo, Marcelo Zocchio, Nina Moraes, Rodrigo Bivar, Rogério Ghomes, Rommulo Vieira Conceição, Rosângela Rennó e Gustavo Von Ha. Deste último há uma outra novidade, a incorporação de um NFT como obra de arte (leia o texto abaixo).

Lugar-Comum foi pensada como projeto de exposição colaborativa em etapas, em que se discute não só essa ideia de coletividade – e daí esse sentido também de lugar-comum, que tem a ver com essa ideia da colaboração, do compartilhamento e do coletivo -, mas a escolha das obras, que partiu da curadoria do MAC e que traz obras de artistas vivos que fazem parte da nossa coleção (com peças incorporadas recentemente ao acervo) e que trabalham justamente com materiais ou questões que são cotidianas”, explica a professora Ana Magalhães, curadora e diretora do MAC.

Entre as obras, como cita a professora, estão as de Rogério Ghomes, que fotografa bancos de jardim, material com o qual o artista discute uma poética sobre a questão das relações amorosas; de Marcelo Zocchio, que trabalha, conceitualmente, com a cadeira e a mesa; e ainda de Carmela Gross, que usa materiais muito precários, como estopa, alumínio e papel-alumínio, para constituir uma espécie de obra “instalativa”, em que se tem a impressão de criar um outro ambiente. A professora Ana também destaca Laércio Redondo, que trabalha com elementos da arquitetura de Brasília e ao mesmo tempo faz referência aos trabalhadores da capital federal do Brasil nos anos 50.

Mas quem for visitar a exposição atual vai notar espaços vazios, apenas com iluminação, que serão ocupados à medida que os outros experimentos forem inaugurados. A partir do dia 9 de abril, entra em cartaz o segundo ato, que traz a reflexão dos artistas a respeito de suas obras em diálogo com seis convidados: Claudinei Roberto, Claudio Mubarac, Paulo Pasta, Paulo Garcez, Regina Silveira e Tadeu Chiarelli, também artistas, curadores e, principalmente, grandes conhecedores do acervo e da história do MAC. Aqui, os artistas escolhem livremente outras obras do acervo do museu, a partir de sugestões desses pesquisadores sobre modos de entrada na coleção. “Alguns artistas conhecem muito o acervo do museu, outros nem tanto”, diz a professora, acrescentando que no início de fevereiro passado foi realizado um workshop entre artistas e pesquisadores, ajudando a consolidar a construção do ato dois da exposição.

Por fim, no terceiro e último ato, que acontecerá a partir de 20 de agosto, todo o grupo envolvido na exposição seleciona, coletivamente, os trabalhos que completam o conjunto, totalizando no máximo 45 obras. “Lugar-Comum coloca em discussão a autoridade curatorial do museu, a relação entre arte e vida cotidiana e as possibilidades de renovação de um acervo institucional a partir de novas leituras resultantes dos diálogos possíveis entre diferentes modos de ver o mundo”, como escrevem as curadoras da mostra em texto publicado no site do Museu.

Mais informações sobre a exposição Lugar-Comum estão disponíveis no site do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP

MAC incorpora um NFT de arte digital

O Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP é o primeiro museu brasileiro a incorporar um NFT – sigla em inglês para o termo non fungible token ou token não fungível – como obra de arte em seu acervo, reafirmando o histórico pioneirismo da instituição na coleção de novas mídias. Diferente da criptomoeda, o NFT é um certificado de propriedade que não pode ser substituído. São tokens, ou seja, códigos numéricos com registro de transferência digital que garantem a autenticidade das peças, criando assim uma peça “original” a partir de um arquivo digital. Na prática, funcionam como itens colecionáveis, que não podem ser reproduzidos, somente transferidos.

Segundo a diretora do MAC, professora Ana Magalhães, o NFT, que pode ser um arquivo de vídeo ou de imagem, é armazenado na internet em forma de fragmentos. “A programação dele é criptografada e distribuída em uma série de partes da web, e há uma chave, a carteira virtual”, diz Ana. No caso da nova obra do MAC, trata-se de uma carteira digital mas física, porque não está propriamente só na rede, o que possibilita trabalhar sem depender desta ou daquela plataforma, como explica a professora.

Doado pela plataforma Tropix, que empresta a tecnologia, a carteira física possui o token não fungível criptografado, que, quando é instalado no computador, baixa o arquivo e a imagem se forma. “Mas não fica nada disponível na rede, e não é possível fazer cópia. Para ter acesso à obra é preciso necessariamente adquirir a obra; é preciso ter os códigos de acesso”, explica.

Essa é uma tecnologia nova, que, de fato, teve um boom a partir do advento da pandemia, sobretudo, e daí em diante começou a se popularizar, como relata a professora. “Na verdade, é uma tecnologia que vem de meados de 2010, que já era usada em outras áreas, e que com essa discussão toda em torno do digital acabou abarcando o campo da arte. Hoje temos artistas, galerias e colecionadores trabalhando, fazendo, colecionando, comprando e vendendo esse tipo de trabalho, que envolve também a aquisição por moedas digitais”, revela.

Mas nem sempre são utilizadas criptomoedas. Também é possível adquirir as obras através de moeda corrente. E não necessariamente precisam ser imagens, como lembra a professora. “Há muitos objetos que podem ser transformados em token não fungível, como videogames, vídeo e áudio. No fundo não tem muito a ver com a imagem em si, mas com o modo como ela é armazenada e como se garante sua unicidade.” Aliás, acrescenta Ana, não precisa também ser um único trabalho. Podem ser produzidas edições limitadas, o que é comum na gravura, escultura e fotografia. “Mas o que garante que ela é única é que ela não é copiável”, completa.

Von Britney, 2021; qr code + monitor 14” - Foto: Divulgação

O recém-adquirido NFT Von Britney, de 2021, de Gustavo von Ha, é resultado da pesquisa e experimentação que o artista realiza nas mídias sociais, abordando principalmente a cultura dos memes. No trabalho, a imagem da cantora pop Britney Spears é uma apropriação que Von Ha fez de um meme clássico das redes sociais. Segundo Ana Magalhães, o artista trabalha há muito tempo com as redes sociais, discutindo essa circulação e apropriação de memes. E trabalha muito bem com essa linguagem, tanto que o MAC fez uma “encomenda”, no ano passado, de um trabalho: Von Ha usava a conta do Instagram do museu, quase como se fosse um hacker, conta a professora. “Ele criava uma série de stories em que fazia uso dessas imagens muito banalizadas, dos memes etc., e parecia que, de fato, a conta tinha sido hackeada. Ele criava um ruído no Instagram do Museu”, conta. Na última postagem, o artista colocou a imagem de Britney Spears, encerrando sua infiltração na conta do Instagram do MAC em maio de 2021. Foi então que Von Ha criou esse NFT, uma animação que integra a primeira fase de Lugar-Comum (todos os stories publicados pelo artista também podem ser acessados no site do museu).

Mas, como observa a professora, mais do que a nova tecnologia, o que mais interessa ao MAC, ao receber esse tipo de obra, é justamente pensar na circulação desse item, desse testemunho que ele deixa dessa outra dimensão da cultura dos memes, e que tem interessado muito aos artistas, não só a Gustavo Von Ha. “Uma cultura que tem a ver com a circulação das imagens, com o sentido que as imagens adquirem e com a transformação desse sentido através do tempo”, diz, destacando sua importância do ponto de vista da história da arte. “O MAC sempre foi um museu que se interessou por novas reproduções artísticas, desde o colecionismo de arte conceitual de videofotografia, nos anos 60 e 70, até, justamente, essas proposições que, de certa maneira, questionam as instituições culturais, questionam os status da arte e assim por diante. Temos outros trabalhos dentro da coleção, às vezes históricos, que colocam isso em xeque, e a contribuição de Gustavo von Ha, fazendo uso dessa nova tecnologia, nos interessa para discutir essas dimensões”, conclui.


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