Fotos de Madalena Schwartz: "Sua câmera era a pátria dos direitos humanos e dos afetos", afirma o professor da USP Atílio Avancini - Coleção Madalena Schwartz

"Madalena Schwartz fazia do ato fotográfico um gesto existencial e político”

Exposição no Instituto Moreira Salles destaca a obra da fotógrafa que deu visibilidade à cena alternativa de São Paulo nos anos 70

10/02/2021
Por Guilherme Gama

“Ela foi protagonista de uma performance imagética anárquica, e seu ponto de vista acolhia cidadãos LGBT, fugitivos de discriminações, abusos e desolações. Sua câmera, enfim, era a pátria dos direitos humanos e dos afetos”, afirma o professor Atílio Avancini, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, sobre a fotógrafa Madalena Schwartz (1921-1993), tema da exposição As Metamorfoses, em cartaz no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo, que comemora o centenário de Madalena. A mostra,  inaugurada nesta terça-feira, dia 9, reúne imagens de travestis e transformistas de São Paulo na década de 1970, capturadas pelas lentes da mulher que, na opinião do cocurador da mostra e também docente da USP, Samuel Titan Jr., está na lista das melhores fotógrafas brasileiras. São 112 fotografias de Madalena Schwartz – algumas delas publicadas no livro Crisálidas (2012), lançado pelo IMS – e mais 70 itens, entre periódicos, documentos, filmes e imagens que narram a vida dos grupos alternativos que transitavam pelos bares, boates e salões paulistas, em plena ditadura militar, e em outros países latino-americanos. A visitação é gratuita e acontecerá até 13 de junho, com agendamento prévio por este link.

A fotógrafa Madalena Schwartz nos anos 1970 - Foto: Pedro Luis Szigeti.

Nascida em Budapeste, na Hungria, Madalena migrou para a Argentina, aos 10 anos de idade, e depois, com quase 40, para o Brasil, onde abriu uma lavanderia na Rua Nestor Pestana, no centro da cidade de São Paulo. Por um acaso, desenvolveu sua habilidade na fotografia. A primeira máquina fotográfica foi apropriada do filho mais velho, Julio Schwartz, que a havia ganho em um concurso de televisão em 1966.

Madalena fez cursos de formação básica no Foto Cine Clube Bandeirantes e se destacou pelos retratos artísticos da população alternativa, que se  expressava com roupas, acessórios e gestos bem característicos. “Ela faz parte dessa geração de mulheres que, por vários caminhos, foram abrindo espaço para a criação fotográfica no feminino”, diz Titan Jr.

“Nos anos de chumbo do presidente general Médici, ela teve essa abertura de espírito para se interessar por personagens tão diferentes dela, com percursos biográficos tão radicalmente diversos. Essa atitude de se deixar intrigar por existências outras merece celebração”, afirma Titan Jr.

“Ela acolhia essas pessoas para sua própria casa, transformada improvisadamente em estúdio, dava a elas o lugar para que também se manifestassem, para que se mostrassem assim como se viam, assim como se imaginavam e queriam ser, num momento em que tudo era terrível e opressivo”, acrescenta. 

Mesmo invisibilizados, Madalena enxergou essas personagens no seu percurso cotidiano entre sua lavanderia e o edifício Copan, onde morava com a família e fazia de estúdio. Avancini conta que esteve no apartamento de Madalena Schwartz no início dos anos 1990. “O espaço era generoso, repleto de obras artísticas e fotografias autorais.”

Vista noturna do Copan, anos 70 - Foto: Acervo Instituto Moreira Salles — Coleção Madalena Schwartz

Um dos filhos de Madalena se tornou docente da USP. É o professor titular aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Jorge Schwartz.

Schwartz, que viu a montagem da exposição no IMS, adianta que o painel central lilás que atravessa toda a exposição, e onde estāo penduradas as 112 fotos, tem formato curvilíneo, imitando o formato em S do Edifício Copan, o que mostra a importância do prédio na vida pessoal e profissional de Madalena. Segundo ele, a foto foi feita da varanda do último andar do Edifício Itália. Porém, quando o questionam, a resposta é outra: “Ela fez a foto pendurada em uma nuvem”, brinca. 

O professor comenta uma imagem do Copan que compõe a exposição. De acordo com ele, na realidade, a fotografia, originalmente colorida, foi uma encomenda da revista Time para fotografar o Hotel Hilton, em frente ao Copan. “A foto foi de fato publicada na quarta capa da Time, no número de fevereiro de 1981, mas o que sobreviveu não foi o Hotel Hilton, foi a espetacular imagem do Copan, um dos grandes ícones arquitetônicos da cidade de São Paulo.”

Titan Jr. destaca que Madalena colheu os elementos técnicos da sua formação no Foto Cine Clube Bandeirantes. Um ano após o início de seus estudos no clube, ela recebeu menção honrosa no 1° Salão Nacional de Arte Fotográfica de São Carlos e, em 1974, fez sua primeira exposição individual no Museu de Arte de São Paulo  (Masp). A partir de então, passou a trabalhar em fotografias em grandes revistas e empresas como Abril e Globo. 

Também nesse trabalho ela aderiu a um certo estilo fotoclubista e o foi transformando, em contato com outras realidades e figuras, explica Titan Jr. Como conta o cocurador, Madalena estava em diálogo com a recente criação visual dos anos 1970, e em conversa com o Tropicalismo, nos meios de comunicação de massa. Exemplo disso são retratos do cantor Ney Matogrosso durante uma performance artística, dos integrantes do grupo Dzi Croquettes nos camarins, da atriz Elke Maravilha e do performer argentino Patrício Bisso, que era seu vizinho no Copan. 

Patrício Bisso, anos 70 - Foto: Acervo Instituto Moreira Salles — Coleção Madalena Schwartz
Ney Matogrosso, 1974 - Foto: Acervo Instituto Moreira Salles — Coleção Madalena Schwartz

“Madalena Schwartz fazia do ato fotográfico um gesto existencial e político pela cidadania”, afirma o professor Atílio Avancini. Para ele, a fotógrafa consagrada pelos retratos fez história ao dar luz e câmera aos oprimidos no período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Segundo Titan Jr., esse cenário foi um contexto de florescimento e amadurecimento, não apenas no campo das artes, mas de movimentos e ideias políticas que hoje vêm ganhando mais visibilidade pública. A mostra ainda traz um breve panorama desse momento, no Brasil e nos países vizinhos, através de documentos como exemplares das obras do coletivo Archivo de la Memoria Trans (Argentina), do Archivo Quiwa (Bolívia) e de artistas como Paz Errázuriz (Chile), Adolfo Patiño (México), Vasco Szinetar (Venezuela), Mario Montez (Porto Rico) e Phedra de Córdoba (Cuba).

Do Brasil, são expostos os periódicos Lampião da Esquina e Chana com Chana, jornais de vanguarda produzidos pela comunidade gay e lésbica da época. “A militância pelos diretos LGBT e contra a discriminação, a violência e a perseguição começa a tomar uma forma organizada de movimento nesse período. É o primeiro capítulo de uma história política que, 50 anos depois, nós estamos vivendo hoje, com a iminência das questões de gênero no cenário político”, afirma Titan Jr.

A exposição As Metamorfoses, com fotos de Madalena Schwartz, fica em cartaz até 13 de junho, de terça-feira a domingo, das 12 às 18 horas, no Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo (Avenida Paulista, 2.424, bairro Bela Vista). A entrada é grátis, com agendamento prévio através deste link.


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