“Lygia foi a grande contista em um país de romancistas”

Morta no dia 3, Lygia Fagundes Telles se compara a Machado de Assis na arte da narrativa curta, diz especialista

 04/04/2022 - Publicado há 2 anos
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A escritora Lygia Fagundes Telles – Foto: Divulgação/Filma

 

 

 

 

“Ela tinha uma capacidade magistral de construir personagens, em especial figuras femininas”, afirma o professor Jaime Ginzburg, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a respeito da escritora Lygia Fagundes Telles, que morreu no dia 3 passado, em São Paulo, aos 98 anos. “Em suas obras, várias formas de relações entre mulheres são apresentadas em detalhes, podendo motivar o leitor a refletir sobre o que aproxima e o que afasta mulheres umas das outras. Entre outros exemplos, cabe lembrar das inquietações de Bruna em torno de Letícia, em Ciranda de Pedra, dos contrastes entre as protagonistas de As Meninas e das lembranças das mães que perderam suas filhas em O Segredo e Uma Branca Sombra Pálida.”

“Lygia Fagundes Telles foi a grande contista em um país de romancistas. Poucos foram, em nossa literatura, os autores que souberam executar a narrativa curta com maestria comparável à de Lygia”, afirma Cláudia Ayumi, estudante de pós-graduação da FFLCH que pesquisa a obra da autora. “A capacidade de condensar magistralmente em forma breve os grandes impasses da subjetividade em confronto com a conturbada vida social brasileira pode ser atribuída, em particular, a dois grandes autores da literatura brasileira: Machado de Assis e Lygia Fagundes Telles. Esta, sem intencionar, foi mais que escritora de seu tempo e de seu país (e o reconhecimento internacional confirma essa informação), mas também foi a autora que, explorando o episódico, preocupou-se em figurar, sempre em textos repletos de poeticidade, as contradições do indivíduo inserido em nossa realidade histórico-social.”

O ex-reitor da USP Jacques Marcovitch destaca a relação entre obra e vida na trajetória de Lygia Fagundes Telles. “Mulher serena e inconformada, bela e combativa, livre e engajada, ela deixa como legado, além da sua extensa obra, seu exemplo de vida. Uma vida significativa na qual cultivou a fé, a esperança e a solidariedade. Por isso, suas palavras continuam ressoando na sua segunda vida. Uma presença que Lygia conquistou na memória coletiva para hoje e para sempre”, declara.

Na gestão de Marcovitch como reitor, Lygia integrou o Conselho Consultivo da USP, um órgão instituído em dezembro de 2000 com o objetivo de estreitar as relações entre a Universidade e a sociedade. Naquela ocasião, a escritora disse ao Jornal da USP: “Eu lido com a palavra, meu único poder. Procuro, através da palavra, não curar as chagas do País, porque não tenho poder para isso, mas denunciá-las”. Na primeira reunião daquele Conselho Consultivo, realizada em março de 2001, ela ressaltou: “É preciso ter esperança. Ter esperança de que todo jovem entre na universidade, ter esperança de acabar com o analfabetismo, com a miséria e com a violência”.

Marcovitch lembra a participação de Lygia no conselho. “‘No dia em que o Brasil tiver mais escolas e creches, terá menos hospitais, menos cadeias e menos violência’ foi a convicção compartilhada pela humanista e escritora Lygia Fagundes Telles” naquele encontro, em março de 2001, destaca o ex-reitor.

Capas de livros de Lygia Fagundes Telles – Imagem: Reprodução

 

 

Nascida em São Paulo em 19 de abril de 1923, Lygia foi romancista e contista e era detentora de algumas das maiores honrarias das letras nacionais. Sua carreira literária começou aos 15 anos, em 1938, com a publicação da coletânea de contos Porão e Sobrado. A autora, entretanto, consideraria sua real estreia nas letras, como autora madura, o romance Ciranda de Pedra, de 1954.

Era formada pela Faculdade de Direito da USP e foi procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Mas sua verdadeira vocação, como admitiu em entrevista, era a escrita. Dentre sua longa trajetória encontram-se volumes como Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973), Seminário dos Ratos (1977) e Filhos Pródigos (1978). Além de adaptações para o cinema, o teatro e a televisão, seus livros foram traduzidos para uma série de idiomas, como alemão,  espanhol, francês, inglês, italiano, polonês, sueco e tcheco.

Em 1985, Lygia se tornaria a terceira mulher na história a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Além desse reconhecimento, a autora reuniria ao longo de sua trajetória diversos prêmios Jabuti e o Prêmio Camões, a maior honraria da literatura em língua portuguesa, recebido em 2005. Foi casada com dois professores da USP: o jurista Goffredo da Silva Telles Junior, da Faculdade de Direito, e o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, da Escola de Comunicações e Artes (ECA).


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