
Heróis e supervilões que escapam da ficção, invadem o mundo real e atacam seus criadores. Pessoas comuns que conseguem atravessar a quarta parede e se veem dentro de histórias inventadas. Plágios que reivindicam originalidade. E uma organização secreta mundial que tenta organizar toda essa confusão – mantendo inclusive um escritório no Brasil.
Esses são os elementos do universo de Meta – Depto. de Crimes Metalinguísticos, história em quadrinhos ganhadora do Prêmio Jabuti 2021, roteirizada por Marcelo Saravá, graduado em Audiovisual pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Publicada em 2020, a HQ tem seu centro orbital na premissa de que a ficção é tão real quanto aquilo que costumamos chamar de realidade. A ação acompanha Alan, um aspirante a escritor jogado em uma trama policial que o leva ao encontro da agência de investigação que batiza o volume. “A metalinguagem sempre esteve na minha cabeça, desde a faculdade”, conta Saravá.
A quebra da quarta parede e o jogo com os elementos constitutivos das próprias histórias em quadrinhos evocam títulos como o Homem-Animal, de Grant Morrison, e a Mulher-Hulk, de John Byrne. Mas as referências declaradas de Saravá incluem também o cinema, com A Rosa Púrpura do Cairo e Uma Cilada para Roger Rabbit. O próprio departamento de crimes metalinguísticos encontra elementos vindos do seriado televisivo Fringe.

Mas Meta não é apenas um exercício de experimentação com a metalinguagem, conforme aponta o autor. A obra representa também o reconhecimento da importância das histórias na formação das pessoas. “Nossos aprendizados, tudo que internalizamos e que vira característica nossa, vieram de alguma narrativa que vivemos ou conhecemos”, reflete Saravá.
“Os filhos aprendem vendo os pais e repetem a história; ou fazem o contrário, reagem e vão para o lado oposto contar uma história completamente diferente. Mas sempre há ligações”, aponta. “Na escola, eu sempre aprendi melhor quando havia uma história envolvida. Isso atrai a atenção das pessoas, faz mergulhar no que está sendo falado.”
Além de Saravá, o time por trás de Meta inclui o desenhista André Freitas, o colorista Omar Viñole e o letrista e responsável pelo projeto gráfico Deyvison Manes. Mesmo sendo um projeto cuja iniciativa veio de Saravá, o roteirista comenta a importância dos colaboradores para o resultado do projeto.
“Quando você escolhe um desenhista, não escolhe apenas o traço ou o estilo, você escolhe a narrativa e um tipo de ideia”, explica. “O desenhista contribui muito para as ideias do material, mesmo que você, no papel de roteirista, esteja conduzindo o processo, como nesse trabalho.” Um exemplo disso, conta Saravá, foi a sugestão de inspirar o desenho do personagem principal no próprio roteirista, uma iniciativa de Freitas que trouxe novas ideias para a obra.
De acordo com Saravá, a gestação de Meta foi um processo iniciado em 2010, tendo começado como uma ideia de argumento para cinema ou televisão. De lá para cá, o projeto foi inscrito em diversos editais: para desenvolvimento de séries de televisão, quadrinhos e roteiros de longa-metragem. Após algumas portas fechadas, o trabalho foi finalmente contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2017-2018.
“O fato de o seu projeto não ser contemplado não significa que você deve desistir dele”, aconselha Saravá, relembrando a estrada percorrida pela HQ até sua publicação, pela Zarabatana Books. Segundo o roteirista, sem o financiamento vindo do edital, Meta não teria saído do papel. Foi ele que garantiu os recursos para Saravá remunerar a equipe que o acompanha.
“O edital é maravilhoso para dar foco a um artista procrastinador”, comenta o artista. “E mesmo que no final você não tenha sido contemplado, com certeza seu projeto está melhor do que antes. E aí vem um outro edital, que pedirá coisas diferentes, mas você poderá aproveitar muito do que já fez, terá amadurecido a ideia e isso é maravilhoso.”
O trabalho surgido para as telas virou quadrinho, mas o roteirista garante que a vontade de fazer algo em outras mídias continua. “Está nos planos fazer com que o Meta vire um projeto transmídia”, indica o autor, que adianta ter ideias em relação a jogos de tabuleiro, RPG e videogame, além de já prever novos quadrinhos da série.
Relembrando seus tempos de estudante na ECA, Saravá conta também que a formação em Audiovisual contribuiu para seu trabalho com as histórias em quadrinhos. “A natureza do roteiro de quadrinhos é muito parecida com a do roteiro de um filme ou de um programa de tevê”, explica. “A diferença é que no cinema você trabalha com o espaço e o tempo e no quadrinho você trabalha com uma mídia espacial e qualquer representação temporal deve ser desenhada: não é movimento de verdade, mas simulacros. Mas, mesmo assim, se você sabe contar uma boa história, sabe contá-la no teatro, nos quadrinhos, no cinema, no rádio ou em um videogame.”
Dos tempos de ECA, Saravá recorda também das aulas do professor Waldomiro Vergueiro, especialista em histórias em quadrinhos. O roteirista se lembra de uma disciplina ministrada pelo professor, na qual apresentou um trabalho justamente sobre metalinguagem. “Talvez eu possa dizer que a primeira semente do Meta veio dessa matéria”, pondera.
Meta – Depto. de Crimes Metalinguísticos, de Marcelo Saravá (roteiro). Zarabatana Books, 160 páginas, R$ 60,00.