Exposição explora narrativas visuais das metamorfoses urbanas no Brasil

Em cartaz até abril de 2025 no Centro MariAntonia da USP, mostra Debaixo Desse Céu: Nebulosas da Cidade reúne imagens que questionam o papel de diferentes atores na construção das cidades brasileiras

 11/12/2024 - Publicado há 3 meses

Texto: Denis Pacheco

Arte: Joyce Tenório*

Detalhe da exposição Debaixo Desse Céu: Nebulosas da Cidade, em cartaz no Centro MariAntonia da USP – Foto Marcos Santos/USP Imagens

“O que torna uma cidade atraente é seu desenvolvimento incremental – o processo pelo qual ela vai sendo construída e reconstruída do zero ao longo de gerações, produzindo um tecido urbano denso e rico.” A frase do escritor Ben Wilson, em Metrópole, ressoa na exposição Debaixo Desse Céu: Nebulosas da Cidade, inaugurada no dia 30 de novembro no Centro MariAntonia da USP. Com curadoria colaborativa entre oito universidades públicas, a mostra propõe um olhar ampliado sobre as transformações urbanas no Brasil.

Apresentando 150 imagens, organizadas em uma linha do tempo que cobre mais de dois séculos, a exibição revela como as cidades brasileiras foram moldadas por múltiplos atores e ideias. Segundo uma das organizadoras da instalação, a professora Margareth da Silva Pereira, coordenadora do Laboratório de Estudos Urbanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o objetivo principal é desmistificar o conceito de cidade como uma construção exclusivamente técnica. “Queríamos perguntar a cada paulistano, a cada visitante da exposição: quem constrói a cidade? Mostrar que ela é constituída por inúmeras forças e atores sociais e, sobretudo, por meio dos gestos que cada um pratica diariamente”, explica.

A mostra é fruto da colaboração entre equipes da USP, UFRJ, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

As imagens coletadas pelos grupos de cada instituição retratam momentos históricos que dialogam com questões atuais de urbanismo, justiça social e meio ambiente. A seleção, destaca Margareth, seguiu métodos rigorosos: “Essas 150 imagens foram escolhidas coletivamente, refletindo a diversidade de perspectivas dos grupos participantes”.
Mulher de óculos.
A professora Margareth da Silva Pereira - Foto: Reprodução/LEU-PROURB-UFRJ

A ideia de levar a exposição ao Centro MariAntonia surgiu de um convite do professor José Lira, então diretor do centro, e da professora Ana Castro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) da USP, que participam da pesquisa. “A USP faz parte desse grande coletivo que hoje integra a cronologia do pensamento urbanístico. O convite foi direcionado porque, à medida que o projeto da plataforma foi se ampliando, a USP não poderia estar ausente dos esforços realizados por nós, da UFRJ e da UFBA, ao longo desses mais de 20 anos”, conta Margareth.

De acordo com a docente, a mostra não é apenas um registro visual, mas também o desdobramento de um projeto de pesquisa iniciado em 2002: a Cronologia do Pensamento Urbanístico. Concebida como uma plataforma digital pela professora em colaboração com a pesquisadora Paola Berenstein Jacques, da UFBA, a iniciativa surgiu para mapear e historiografar ideias e tensões que moldaram o urbanismo no Brasil. Margareth salienta a evolução da pesquisa como uma “nebulosa”, conceito que, para ela, simboliza a complexidade das forças que estruturam as cidades. “A cidade é como um céu repleto de nuvens que se tocam, se sobrepõem e às vezes geram tempestades. Essa metáfora ajuda a entender as dinâmicas urbanas.”

A professora também ressalta a influência do sociólogo francês Christian Topalov na construção do conceito de nebulosas. Para ela, o termo transcende a noção de classes sociais, permitindo compreender a cidade como um espaço heterogêneo e dinâmico. “Topalov mostrou que, em vez de recortar a sociedade apenas por classes, podemos pensar em coletivos que agem de forma mais fluida, interagindo e colidindo em diferentes momentos históricos. Isso abre uma perspectiva mais rica para entender como as cidades são construídas por movimentos sociais, reformadores e outras forças.”

O projeto, que começou na UFRJ e depois encontrou apoio na UFBA, se expandiu para outras universidades e é hoje uma referência para entender como o urbanismo se tornou um campo de reflexão multidisciplinar. “Desde o século 18, a cidade deixou de ser apenas um espaço social neutro e passou a ser vista como um artefato que violenta a natureza, mas também como um espaço de vida, riqueza e cidadania”, afirma ela.

A montagem da exposição teve curadoria das professoras Josiane Cerasoli, da Unicamp, e Rita Velloso, da UFMG, com coordenação geral do professor Dilton Lopes, da UFBA. Entre os temas explorados, a instalação revela lacunas na documentação histórica sobre melhoramentos urbanos, especialmente no século 19. A pesquisadora lamenta a ausência de registros mais consistentes dessa época, mas celebra a pluralidade trazida pelas imagens do século 20. “A maior parte dos grupos trabalha com questões a partir dos anos 1950 e 1960, refletindo o contexto dos seus objetos teóricos e metodologias.”

Ao promover o diálogo entre história, política e cultura, a seleção de imagens também busca universalizar o debate sobre os direitos urbanos. “A cidade deve ser um espaço plural, feito de diferentes perfis e culturas. No entanto, é necessário universalizar esses direitos”, arremata.

A exposição Debaixo Desse Céu: Nebulosas da Cidade, do coletivo de pesquisa Cronologia do Pensamento Urbanístico, fica em cartaz até 13 de abril de 2025, de terça-feira a domingo, das 10h às 18h, no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis e Santa Cecília do metrô). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3123-5202.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.