Conceição Evaristo e Ruha Benjamin - Fotomontagem com imagens de Divulgação/Ruha Benjamin, Unsplash e Wikimedia Commons

Evento no IEA-USP discute a relação entre mulheres, raça e tecnologia

O simpósio, que contará com a presença da escritora Conceição Evaristo e da socióloga americana Ruha Benjamin, será o segundo encontro intercátedras promovido pelo instituto

 07/07/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Mariana Carneiro

Arte: Rebeca Fonseca

No dia 12 de julho, às 16 horas, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP promoverá seu segundo Encontro Intercátedras, chamado Mulheres, Raça e Tecnologia. O simpósio busca discutir como as ferramentas digitais contribuem para a perpetuação de preconceitos e atos discriminatórios e, para tanto, contará com a participação da escritora mineira Conceição Evaristo, uma das mais importantes vozes da literatura contemporânea brasileira e nova titular da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, do IEA, e da socióloga Ruha Benjamin, professora do Departamento de Estudos Afro-Americanos da Universidade de Princeton (EUA). 

O vínculo entre o desenvolvimento computacional e as questões raciais é tema do livro Race After Technology: Abolitionist Tools for the New Jim Code (“Raça Depois da Tecnologia: Ferramentas abolicionistas contra o novo Jim Code”, em tradução livre), publicado em 2019 por Ruha Benjamin — trata-se de uma referência ao “Jim Crow”, conjunto de leis estaduais e locais que impunham a segregação racial no sul dos Estados Unidos durante parte dos séculos 19 e 20. O livro de Ruha Benjamin dialoga com essa ideia de novas formas de segregação que perpetuam o racismo. O conceito de “novo Jim Code” defende que cotidianamente estamos usando novas tecnologias que refletem e reproduzem desigualdades. Benjamin também é fundadora do Ida B. Wells Just Data Lab, que reúne artistas, estudantes, educadores e ativistas e busca desenvolver uma abordagem mais crítica acerca da produção e circulação de dados. 

Já Conceição Evaristo é participante ativa de movimentos de valorização da cultura negra brasileira — em 1996, a escritora se tornou mestre em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Dentre suas obras mais conhecidas estão os contos e poemas publicados na série Cadernos Negros, da década de 1990; Ponciá Vicêncio, romance de 2003; e Olhos d’Água, livro de 2015 que lhe rendeu um Prêmio Jabuti. No trabalho literário de Conceição é comum o uso da metalinguagem, e um de seus termos mais conhecidos é “escrevivência”, uma fusão das palavras escrever e vivência. “Escrevivência”, para ela, é um conceito de escrita que ficcionaliza a experiência de um sujeito que está profundamente ligado à coletividade. São retratos do cotidiano que trazem reflexões profundas acerca da desigualdade, mas que não só denunciam as opressões raciais e de gênero, mas também recuperam a ancestralidade negra. “Eu não nasci rodeada de livros, eu nasci rodeada de palavras. Meu exercício com a oralidade, meu encantamento com a palavra, com os sons da palavra e com o que a palavra poderia significar, sem sombra de dúvida, marcam a minha literatura”, afirmou ela ao Jornal da USP recentemente (leia aqui).

“É honroso poder ver duas mulheres negras pautando assuntos conceituais, estruturais, dentro da nossa Universidade”, diz Merlin de Souza, doutoranda no programa de Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e aluna da disciplina Economia, Cultura e Poder na Internet, concebida e implementada no IEA pela Cátedra Oscar Sala em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação. Admiradora e conhecedora da obra de Ruha Benjamin, Merlin conta que a cientista estadunidense propõe um debate embasado sobre a violência do racismo, trazendo dados científicos para comprovar esse fato. Nos Estados Unidos, exemplifica Merlin, pessoas negras precisam tomar cuidado até mesmo no momento de definir o nome de seus filhos  crianças com nomes de origem africana podem ser registrados em sistemas tecnológicos como predestinados a se tornarem criminosos, conforme ponderações de Ruha. 

“Conceição e Ruha são duas figuras marcantes para a história do movimento negro contemporâneo, e reuni-las é de uma importância imensurável” – Merlin de Souza. 

A moderação do evento será feita por Virgílio Almeida, professor titular da Cátedra Oscar Sala, também do IEA-USP, cujo plano de estudos para 2022 dedica-se à compreensão das interações estabelecidas entre seres humanos e inteligências artificiais. “A pandemia acelerou o processo de transformação digital no Brasil”, conta Almeida, que também integra o corpo docente do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e é membro da Academia Brasileira de Ciências. De forma paralela ao avanço tecnológico, o cientista diz identificar um aumento crescente da desigualdade social e da discriminação contra minorias no País nos últimos anos. 

Merlin de Souza - Foto: Reprodução

“Acho que muitas pessoas, especialmente as que fazem parte da indústria de tecnologia, simplesmente não gastam muito tempo pensando em raça” – Virgílio Almeida

Virgílio Almeida - Foto: Reprodução

 “Vimos uma oportunidade para discutir, de maneira formalizada e acadêmica, como a raça, a etnia e a identidade moldam e são moldadas pelo avanço das tecnologias digitais. Algoritmos de reconhecimento facial, por exemplo, são menos precisos em pessoas de pele negra, o que amplia as questões discriminatórias”, expõe Almeida. “É de extrema importância discutir esses tópicos em países em desenvolvimento como o Brasil, onde 54% da população é negra e existem imensos abismos digitais, desigualdade de acesso e analfabetismo digital”, conclui o professor.

O 2º Encontro Intercátedras do Instituto de Estudos Avançados acontece no dia 12 de julho, terça-feira, às 16 horas. O evento será on-line, público e gratuito, com tradução simultânea das falas da professora Ruha Benjamin. A transmissão ao vivo ocorre no site do IEA, que você pode acessar clicando aqui.


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