O ensino de arte nas escolas públicas não é uma grande preocupação para grande parte da população brasileira. Muitas vezes, essa disciplina é vista como secundária no currículo dos alunos. Para a professora Sumaya Mattar, do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), entretanto, a forma como os professores formados pela ECA passarão seus conhecimentos adiante é alvo de análise e aperfeiçoamento diário.
Na disciplina de História do Ensino da Arte no Brasil: Trajetória Política e Conceitual e Questões Contemporâneas, Sumaya procura questionar, juntamente com os alunos, a história tida como oficial pela academia ao incentivar o estudo da arte produzida por grupos acêntricos e com diferentes vivências. “Se só se trabalha na graduação com uma concepção de arte e educação de matriz europeia e ocidental, os alunos se tornarão professores que reproduzirão desigualdades e tornarão a arte cada vez mais elitista”, afirma. A partir desse raciocínio e com o intuito de reunir vivências diversas sobre arte e educação, Sumaya organizou o e-book Acervo de Múltiplas Vozes: Narrativas de Experiências com Arte e Educação.
“Conclui-se que a igualdade de tratamento de diferentes pessoas pode favorecer
a desigualdade. Indivíduos distintos em realidades diversas precisam de
diferentes tratamentos para alcançar um mesmo lugar, e esse tratamento consiste na
equidade.” Página 200 do livro Acervo de Múltiplas Vozes: Narrativas de Experiências com Arte e Educação, volume 2
A professora assumiu o ensino da disciplina em 2018, quando optou por reformular o programa e adicionar uma variedade de novos autores e referências. Um primeiro passo, de acordo com Mattar, foi levar os alunos a observarem a diversidade de experiências entre eles mesmos, o que, para muitos, foi uma situação inédita. “Era preciso que eles entendessem como relacionar história pessoal e social e valorizar conhecimentos alternativos aos da graduação”.
Obrigatórias para os alunos de Artes Plásticas, mas optativas para o restante dos discentes, as aulas ministradas por Sumaya exigem que os participantes busquem por histórias interessantes de conhecimentos alternativos em suas vidas, entrevistem os donos dessas vivências em duplas ou trios e transcrevam a conversa. Depois, é feito todo um estudo sobre o universo no qual vive a personagem escolhida: ela é uma mulher com deficiência visual? Um homem afro-brasileiro? A avó de uma integrante da turma? O resultado na forma de podcast ou vídeo é apresentado para a sala para que todos possam absorver as histórias de cada um. Ao final da exposição coletiva, a professora os convida para que façam parte da concretização de seus esforços: a elaboração de um e-book.
“Para que não sejam esquecidas, suas narrativas precisam ser recolhidas,
preservadas e disseminadas. Essa é a razão de ser da pesquisa ‘Acervo de múltiplas
vozes: registro, preservação e disseminação de experiências com arte e educação’,
que faz uso da História Oral e deu origem ao projeto de publicação da série
inaugurada por esta coletânea.” Página 1 do livro Acervo de Múltiplas Vozes: Narrativas de Experiências com Arte e Educação, volume 1
A primeira edição de Acervo de Múltiplas Vozes: Narrativas de Experiências com Arte e Educação reuniu histórias das três primeiras turmas organizadas pela professora, de 2018 a 2020, e contou com 13 capítulos com histórias sensíveis. “Nós ainda não tínhamos nos organizado, mas o resultado saiu maravilhoso”, conta Sumaya, afirmando ainda que no primeiro volume o rigor metodológico ainda estava se estabelecendo. O segundo volume foi lançado em 2022, com os trabalhos realizados pelos alunos do primeiro semestre de 2021 que aceitaram o convite. Nos dois casos, a introdução é elaborada pela professora Sumaya e resume o conteúdo das obras e sua importância. “Esse livro representa a oportunidade dos alunos de uma experiência coletiva de elaborar uma obra, e de olhar de maneira distanciada para seus trabalhos”, avalia a professora Sumaya Mattar. “Não acredito que uma única disciplina é capaz de mudar todo o cenário do ensino público de arte, de tornar ele mais decolonial e inclusivo, mas mais ações juntas poderiam. Estamos fazendo a nossa parte.”
O e-book está disponível na internet de maneira gratuita para todos, e o terceiro volume já está sendo produzido. A estrutura de cada capítulo não segue uma padronização — alguns têm dedicatórias e outros são formados por apenas imagens, por exemplo —, ficando a cargo do autor estilizar como preferir sua seção, apesar de todas trazerem referências bibliográficas ao final, o que evidencia a preocupação teórica da disciplina. Os livros podem ser acessados nos links abaixo: