Ensaio traça panorama da literatura comparada no Brasil

Texto da professora Sandra Nitrini compõe a edição número 10 dos “Cadernos do IEB”, que acaba de ser lançada

 04/07/2018 - Publicado há 6 anos
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A disciplina Literatura Comparada foi introduzida na USP através do professor Antonio Candido – Foto: USP Imagens

A professora Sandra Nitrini, diretora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), também da USP, acaba de lançar o ensaio “Um olhar sobre a literatura comparada no Brasil”, que compõe a edição número 10 dos Cadernos do IEB. O texto é uma análise sobre literatura comparada (LC), “sem nenhuma pretensão de exaustividade, apenas com o propósito de oferecer uma fotografia parcial e momentânea, na perspectiva de um olhar cujo foco principal se estende desde os anos de 1986 até 2016”, como escreve a professora.

Para iniciar a discussão, a professora cita o artigo “Sociologia e literatura comparada”, em que o sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974) propunha a renovação da LC mediante diálogos com a sociologia das interpenetrações de civilizações, regidas por leis, dentre as quais a da imitação, que sempre parte do interior para o exterior, em franca adesão ao pensamento de Jean-Gabriel Tarde, o fundador da antropologia cultural. Bastide defendia ainda a aplicação da antropologia cultural à LC, ignorada pelos comparatistas franceses de então, encerrados, de acordo com ele, no seu âmbito intelectual. Para Bastide, era fundamental que a questão da LC fosse colocada no terreno da globalidade social.

Segundo a professora Sandra, provavelmente essas ideias, publicadas nos anos de 1950, entraram no circuito das discussões em torno da polêmica sobre as chamadas escola francesa e escola americana da LC. “Mas o que interessa para a compreensão da LC no Brasil é que esta nasceu como disciplina em uma de suas instituições universitárias que seria um dos poucos centros formadores de mestres e doutores nos anos de 1970 e 1980, sob o influxo das ideias de Bastide, reelaboradas por Antonio Candido”, escreve.

“A disciplina LC foi criada em 1940, por Tasso da Silveira, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Duas décadas depois, surgiu em universidades públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo, nos cursos de Letras, por iniciativa, respectivamente, de La-Fayette Côrtes e de Antonio Candido. Mas seu grande impulso ocorreu nos anos de 1970, com a produção universitária dos cursos de pós-graduação, tanto no âmbito da disciplina Teoria Literária e Literatura Comparada como no campo das literaturas estrangeiras da USP e de programas de outras universidades”, conta a professora.

Em 1978, tomou corpo, na disciplina Língua e Literatura Francesas da FFLCH, o projeto Léry y-Assu, dirigido pela professora Leyla Perrone-Moisés, cujo objetivo central era o estudo das marcas da França na literatura brasileira. No entanto, lembra Sandra, é preciso reconhecer também que muitos especialistas em literatura brasileira são levados a fazer trabalhos de LC a partir de seu objeto de estudo. Isso se explica pela própria formação da literatura brasileira, que não escapa das leis que regem as relações entre literaturas.

“É o caso da literatura brasileira do século 19, por exemplo, que sofreu um influxo considerável da literatura francesa, ou mesmo de outras literaturas, intermediadas sobretudo por traduções francesas, depois de sua independência de Portugal. Por outro lado, a literatura brasileira dos séculos 20 e 21 tem sido objeto de estudos na perspectiva da LC, nas suas vertentes atuais, marcadas por estudos de relações interdisciplinares, interartes, intermídias e multiculturalismo e outras literaturas.”

A criação da Abralic

A professora Sandra Nitrini, diretora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O contexto dos anos de 1970 e de 1980, marcado pela expansão de cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras, favoreceu a criação da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic), em 1986. “Trata-se de dois acontecimentos importantes, porque marcam uma abertura para um diálogo institucional entre pesquisadores e intelectuais da América Latina, por iniciativa de brasileiros, até então praticamente inexistente nessa escala, e o início da realização efetiva de um projeto que congregasse as diferentes universidades brasileiras para um diálogo acadêmico entre si, com perspectiva de abertura para universidades de outros países, como tem ocorrido desde então”, escreve a professora.

Sandra informa que a Abralic cumpriu sua missão institucional, citando a publicação do livro Literatura Comparada, de Tania Franco Carvalhal, em 1986, numa coleção de divulgação, destinada a estudantes universitários, até hoje indicado nas bibliografias introdutórias de LC nas universidades brasileiras. A bibliografia de LC no Brasil também foi enriquecida, a partir dos anos de 1980, no que concerne a conceitos e questões teóricas, bem como a suas revisões, com livros de autores estrangeiros, traduzidos para o português ou publicados em Portugal.

Além disso, a professora destaca o embate que marcou a história da LC no final da década de 1950, até meados dos anos de 1960, sobre o lugar que os estudos culturais, cultivados nos Estados Unidos, ocuparam nas discussões sobre LC no Brasil, a ponto de se reproduzir, em menor escala, mas com paixão, a polêmica que lá se instalara entre adeptos da LC e partidários dos estudos culturais. E coloca a falta de identidade dessa disciplina como um problema que atravessa toda a história da LC. Também no dossiê são apresentadas as pesquisas comparatistas de várias universidades brasileiras.

Segundo a professora, nos últimos 30 anos esse campo de estudos se expandiu consideravelmente nas universidades brasileiras, o que resultou  no crescimento da bibliografia de LC e numa melhor compreensão das manifestações culturais e literárias, nas suas dimensões canônicas e não canônicas, eruditas e populares. “A LC no Brasil, hoje, revela-se plural nas suas tendências e vigorosa na sua produção bibliográfica crítica, de divulgação e de reflexão teórica. Mas comparativamente aos anos de 1970, carece da elaboração de conceitos próprios que emanem de reflexões de intelectuais brasileiros sobre a relação assimétrica de nossa literatura e cultura em toda sua heterogeneidade com outras literaturas e culturas no atual mundo globalizado”, conclui.

Os Cadernos do IEB, número 10, com o ensaio “Um olhar sobre a literatura comparada no Brasil”, de Sandra Nitrini, está disponível na versão on-line no Portal de Livros Abertos da USP.  


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