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Encontro na USP vai mostrar a atualidade de Franz Kafka
De 18 a 20 de setembro, evento vai destacar a novela Na Colônia Penal e lembrar os 100 anos da morte do escritor tcheco

Ilustração: Reprodução/5ª Kafkiana
Nesta semana, entre quarta e sexta-feira, será realizada a 5ª Kafkiana, evento promovido pelo Projeto Franz Kafka – integrado por pesquisadores de diferentes universidades, entre elas a USP. O tema desta edição é Depois da Colônia Penal, em referência aos 110 anos da publicação de Na Colônia Penal, novela do escritor tcheco, que também completa 100 anos de morte em 2024. Desta vez, o evento, que já aconteceu em outras universidades, ocorrerá, pela segunda vez, na Casa de Cultura Japonesa, na Cidade Universitária, em São Paulo. A entrada é grátis. A programação completa do evento está disponível neste link.
Ao todo, serão duas mesas e quatro painéis, apresentados por professores e pesquisadores da obra de Kafka. Haverá atividades também na Biblioteca Mário de Andrade, no centro da cidade.
A mesa de abertura, nesta quarta-feira, dia 18, às 10 horas, será composta com professores da USP e terá como tema os 100 anos da morte de Kafka. Ainda no dia 18, às 14 horas, a Casa de Cultura Japonesa recebe dois painéis, apresentados por estudantes de diferentes partes do País e mediados por professores da Universidade. A ideia, segundo Tomaz Amorim, um dos organizadores do evento e mediador da mesa de abertura, é “promover a interação entre quem é de fora e quem é de dentro da USP”.
No painel 1, uma das apresentações será Mulheres em Kafka, a ser feita pela professora Laís Oliveira, da Universidade Federal de Juiz de Fora e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais. A pesquisa de Oliveira explora o papel da figura do patriarca nas publicações do autor e sugere que, dentre as poucas figuras que fogem a essa regra, as mulheres são maioria. O resumo da apresentação fala em “discutir o corpo feminino e o gênero, que muitas vezes surge como objeto e campo de disputa entre o herói kafkiano e as instituições que o perseguem”. Outra apresentação, já no painel 2, é Na Colônia Penal e o cinema colonial: uma leitura de diferentes representações do colonialismo, por Elaine Calça, da USP, que se propõe a abordar as diferentes definições de colonialismo sob a perspectiva de Na Colônia Penal, de produções audiovisuais da época de Kafka e da percepção da realidade da época em relação ao colonialismo alemão. A autora pretende apontar o caráter crítico de Kafka e os limites entre ficção, realidade e imaginação.
Na quinta-feira, dia 19, no painel 3, um dos temas abordados será a representação da figura humana por Kafka. Em A noção de “humanos abstratos” e o método kafkiano de inversão segundo Günther Anders, por Rita de Cássia Santos do Nascimento, da Universidade Federal do Maranhão, essa discussão parte do pressuposto de que, em Kafka, o ser humano tem, como forma única de existência, a função que exerce. Nascimento se utiliza de Odradek, personagem de A preocupação do pai de família, como uma exceção a essa regra. O painel 4 vai trazer para discussão a burocracia e a administração kafkianas, o que levou a organização a chamar o professor Samuel Barbosa, da Faculdade de Direito da USP, para a moderação. A mesa da quinta-feira tem o mesmo título do evento e traz, como novidade, a relação entre a obra de Kafka e a de Clarice Lispector (1920-1977), pelo professor João Camillo Pena, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na noite de quinta-feira, na Biblioteca Mário de Andrade, haverá o lançamento de uma nova edição de O Processo, por Renato Faria, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e um dos organizadores do evento. O romance também completa 110 anos de sua primeira edição em 2024. O lançamento será seguido de uma mesa de conversa sobre o tema.
No dia 20, último dia de evento na USP, às 10 horas, haverá uma conferência on-line da professora Jeanne Marie Gagnebin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujo título é Os Disfarces da Violência. A atividade será ao vivo, às 10 horas, e ficará disponível após o fim da Kafkiana, podendo ser acessada neste link.
Apesar da presença de professores e pesquisadores, Tomaz Amorim enfatiza que a ideia do evento não é restringir as discussões à academia. “É um encontro de especialistas em Kafka, mas a ideia é que não seja uma discussão só entre especialistas. Queremos expandir a obra de Kafka para muito mais gente.”

Ilustração: Divulgação/5ª Kafkiana
Kafka na atualidade: obra erudita, porém pop
“Kafka está numa posição muito rara de ser um autor que é considerado altíssima literatura, séria e erudita, mas, ao mesmo tempo, um autor pop”, afirma Tomaz Amorim. “Ele tem uma presença no imaginário, no cotidiano, e ainda o adjetivo ‘kafkiano’ na língua portuguesa. Ou seja, ele opera tanto no acadêmico quanto no cotidiano.” Amorim também cita as adaptações de Kafka para outros formatos: “Nós vemos Kafka em quadrinhos, animes e mangás. Há até uma tese relacionando Kafka a Resident Evil”, observa, citando a franquia de jogos de tiro em ambientes apocalípticos.
Para Amorim, essa popularidade do autor tcheco se deu por sua percepção de tendências do mundo moderno e a cristalização desse pensamento na sua literatura. “Kafka percebeu muito cedo como as instituições e a burocracia entram na vida íntima das pessoas. É muito comum em seus romances que policiais e investigadores entrem nos quartos e acessem a vida privada das pessoas.” Ele também destaca o lado corporal de Kafka e as diferentes leituras desse lado ao longo dos anos, a partir do exemplo de A Metamorfose (1915), em que um homem acorda transformado em um inseto e, aos poucos, vai sendo abandonado pela família e pelo trabalho. “Se antigamente a leitura era que o homem se afastou de Deus e, por isso, não é mais a imagem e semelhança de Deus, hoje há leituras contemporâneas, por exemplo, sobre pessoas trans não aceitas pela sociedade após uma transição. Há, também, leituras marxistas, que falam na desumanização do trabalhador, na sua animalização até que não consiga mais trabalhar e seja descartado.”

As percepções de Franz Kafka a respeito do mundo ao seu redor são explicitadas no romance que dá título ao evento, Na Colônia Penal. A novela trata de uma máquina que, quando uma pessoa é acusada de algo, escreve com agulhas nas costas dessa pessoa o crime que ela supostamente cometeu e, em seguida, assassina o acusado em público, como entretenimento. Depois, a máquina se desfaz. Tendo em vista que a obra foi escrita antes mesmo que a automação da morte na Segunda Guerra Mundial e a inteligência artificial fossem temas presentes na sociedade, Kafka se vê à frente de seu tempo, destaca Amorim. “Ele escolhe muito bem os detalhes que quer mostrar. E com isso ele permite que nós nos apropriemos dessas histórias, que elas digam respeito a nós e que nos reconheçamos nelas, por mais estranhas que sejam. É uma profundidade que vai muito além da metáfora e da alegoria.”
A 5ª Kafkiana acontece entre 18 e 20 de setembro na Casa de Cultura Japonesa da FFLCH (Avenida Professor Lineu Prestes, 159, Cidade Universitária, em São Paulo) e na Biblioteca Mário de Andrade (Rua da Consolação, 94, centro, em São Paulo, próximo à estação República do metrô). Entrada grátis. A programação completa do evento está disponível neste link.
* Estagiário sob supervisão de Roberto C. G. Castro

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