Desenho que mostra parte do rosto de uma mulher, aparecendo somente o nariz e os olhos.

Da tragédia grega a Kill Bill, Cinema da USP traz histórias de vingança

De 17 de fevereiro a 9 de março, a mostra gratuita Sangue nos Olhos
apresenta 16 filmes que tratam de um sentimento demasiado humano

 Publicado: 17/02/2025 às 15:28

Texto: Alícia Matsuda*

Foto: Divulgação/Cinusp

“Olho por olho, dente por dente.” Conhecida como lei de Talião, a máxima da vingança aparece na Bíblia, no Código de Hamurabi e em toda a história do cinema. Ela consiste na reciprocidade do crime e de sua pena, na exata mesma proporção. Esse senso de justiça com as próprias mãos é tema da nova mostra do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), intitulada Sangue nos Olhos. A mostra começa nesta segunda-feira, dia 17, e se estende até 9 de março. As sessões acontecem às 16 horas e às 19 horas, nas salas do Cinusp no Centro MariAntonia da USP, na Vila Buarque, e no Centro Cultural Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária. A entrada é grátis.

O filme hollywoodiano Kill Bill (2003), antes mesmo da primeira cena, exibe a frase “A vingança é um prato que se serve frio”. O ditado popular remete ao planejamento calculista dos vingativos, que permeia os 16 filmes de Sangue nos Olhos, desde aqueles com violência explícita até aqueles em que a abordagem é psicológica.

A curadora do Cinusp Maria Fernanda Machado explica que a trama da vingança ultrapassa correntes e gêneros cinematográficos, e a mostra reflete isso. “Pensamos em filmes de vingança espiritual, nos gêneros western (faroeste) e exploitation (apelativos), nas comédias mais ‘Sessão da Tarde’, e também nos filmes mais políticos.” Confira destaques da mostra:

⬤ As mulheres dão o troco

Uma das produções exibidas na mostra é Baise-moi (2000), thriller dirigido pela escritora francesa Virginie Despentes. O filme é uma adaptação do romance homônimo que Despentes escreveu, em 1994, a partir do abuso sexual que sofreu na adolescência. Na trama, expoente do subgênero rape and revenge, ou “estupro e vingança”, a violação leva duas meninas a se tornarem assassinas em série.

A exibição de Baise-moi será seguida pelo terror musical Possibly in Michigan (1983), um curta-metragem de 12 minutos cuja trilha-sonora viralizou no TikTok. O filme estadunidense acompanha um assassino canibal perseguindo duas jovens até suas casas. Lá, as vítimas trocam de papel com o agressor.

No dia 25, às 19 horas, no Centro Cultural Camargo Guarnieri, essa dupla de filmes será complementada por uma discussão com a pesquisadora Gabriela Almeida. Professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, ela analisou Baise-moi no artigo Eu te fodo ou você me fode? Performance, pornotopia e reivindicação estética da violência, de 2022.

Mulher segurando um revólver e em cima de um homem caído no chão.

Baise-moi - Foto: Divulgação/Cinusp

Mulher de cabelos cacheados, sorrindo.

Gabriela Almeida coordena a pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo na ESPM - Foto: Reprodução/ESPM

A vingança feminina tematiza histórias violentas desde a Grécia Antiga. O exemplo clássico é a tragédia Medeia (431 a.C), em que a protagonista mata os próprios filhos em retaliação à traição do marido. O cineasta italiano Pier Paolo Pasolini reconta a narrativa em Medéia, a Feiticeira do Amor (1969), em que estrela a soprano Maria Callas.

No dia 6 de março, às 19 horas, a exibição desse filme será seguida por uma conversa com a professora de Literatura Grega Adriane da Silva Duarte, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Filipe Oliveira, também curador da mostra, adianta o debate: “Este é talvez um dos mitos de vingança mais clássicos: a mulher que é traída, se vinga e é vista de uma maneira sádica. Só que Pasolini pega isso e reinterpreta, dá mais compaixão até para a personagem, e subverte um pouco a história”.

Uma mulher de cabelos castanhos claros presos num grande penteado.

Medéia, a feiticeira do amor - Foto: Divulgação/Cinusp

Mulher de óculos e cabelos grisalhos.

Adriane Duarte pesquisa tradução, comédia e prosa de ficção na literatura grega - Foto: Reprodução/FFLCH

Os sucessos Kill Bill Vol. I e Vol. II (2003 e 2004) também marcam a programação da mostra. Com violência deliberada, a trama acompanha Beatrix Kiddo (Uma Thurman), uma noiva que quer se vingar de seus ex-parceiros do Esquadrão Assassino de Víboras Mortais. As duas produções são dirigidas pelo estadunidense Quentin Tarantino e trazem influências de filmes de faroeste, kung-fu, trash e animes.

O enredo de Kill Bill referencia o filme A Noiva Estava de Preto (1968), do cineasta francês François Truffaut. Nele, um homem é morto no dia de seu casamento, o que leva a jovem viúva a buscar vingança contra os cinco envolvidos no assassinato. 

⬤ O ciclo da violência

O impulso humano de buscar vingança leva muitos ciclos de violência adiante. “A injustiça faz com que as pessoas queiram ir atrás de pequenas vinganças. O ‘olho por olho, dente por dente’ move um trauma geracional que não termina nunca”, diz a curadora Maria Fernanda.

Como exemplo, ela cita o filme africano Estação Seca (Daratt, 2006). A obra foi produzida quando a República do Chade concedeu anistia a todos os criminosos da guerra civil. O protagonista é um adolescente chamado Atim (“órfão”, em árabe), que quer matar o homem que assassinou seu pai. Entretanto, um relacionamento fraternal ambíguo evolui entre os dois. “É uma oportunidade de ver esse filme muito bom na tela do cinema, passando em uma cópia muito bonita”, recomenda Maria Fernanda.

Outro filme na linha da violência cíclica é Coffy: Em Busca da Vingança (1973). Ele se enquadra no subgênero blaxploitataction, isto é, trata-se de uma trama de ação apelativa. A história acompanha a vigilante Coffy, que perde a própria irmã para as drogas. Ela canaliza o luto na busca de uma vingança violenta contra o traficante de heroína.

O representante brasileiro na nova mostra do Cinusp é a comédia policial Cuidado Madame (1970), que marcou o movimento contracultural cinema marginal, em que eram feitas obras independentes e subversivas com pouco orçamento. Na trama em Copacabana, empregadas domésticas se vingam dos maus tratos que sofrem ao assassinar suas patroas. “Com um teor político, é um filme típico do Julio Bressane: bem livre e até caótico, mas muito forte no ato do repetido da revolta”, explica Maria Fernanda.

A programação conta ainda com a comédia Ela é o Diabo (She-Devil, 1989), de Susan Seidelman, O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), de Yorgos Lanthimos, Os Imperdoáveis (1992), de Clint Eastwood, e Lady Vingança (2005), de Park Chan-wook, entre outros. 

A mostra Sangue nos Olhos, do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), está em cartaz de 17 de fevereiro a 9 de março, com sessões às 16 horas e às 19 horas, nas salas do Cinusp instaladas no Centro Cultural Camargo Guarnieri da USP (Rua do Anfiteatro, 109, Cidade Universitária, em São Paulo) e no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antônia, 258, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do Metrô). A programação completa está disponível no site do Cinusp. Entrada grátis.

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro


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