Contra o capitalismo, Paul Singer propõe a economia solidária

Conceito criado pelo economista e professor da USP será debatido nesta sexta-feira, dia 29, no Centro MariAntonia

 Publicado: 27/11/2024 às 17:19

Texto: Ricardo Thomé*

Arte: Beatriz Haddad**

O conceito de desenvolvimento solidário, concebido pelo economista e professor da USP Paul Singer (1932-2018), será analisado por especialistas durante o seminário Desenvolvimento e Solidariedade no Pensamento de Paul Singer, que acontecerá nesta sexta-feira, dia 29, às 16 horas, no Centro MariAntonia da USP. Na ocasião, será lançado o quinto volume da Coleção Paul Singer, publicada pela Editora da Unesp e pela Fundação Perseu Abramo, intitulado Lições de Economia: Pensamento e História
Homem com uma boina falando ao microfone.
O economista e professor da USP Paul Singer (1932-2018) - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
“Singer elabora o conceito de desenvolvimento solidário, a partir de 2004, como uma contraposição à ideia de desenvolvimento capitalista”, afirma o sociólogo Marcelo Justo, diretor do Instituto Paul Singer, que promove o evento em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. “No seminário, nós vamos aprofundar esse conceito através da apresentação de trabalhos recentes que tratam da trajetória de Singer e de uma pesquisa que o Instituto Paul Singer realizou sobre desenvolvimento solidário em diferentes regiões do País”, completa Justo. Essa pesquisa, que será comentada no seminário pela socióloga Beatriz Schwenck, está disponível no site do Instituto Paul Singer (neste link).
Além de Justo e Schwenck, o pensamento de Singer será debatido no evento também pelo professor Alexandre de Freitas Barbosa, do IEB, pelo professor Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, e pela pesquisadora Maria Paula Quental, que em maio passado apresentou no IEB a dissertação de mestrado A Trajetória Política e Intelectual de Paul Singer: da Crítica Marxista à Economia Solidária, sob orientação do professor Alexandre Barbosa. A mediação dos debates será da socióloga Vanessa Moreira Sígolo, do Instituto Paul Singer.
Homem com óculos e cavanhaque.
O sociólogo Marcelo Justo - Foto: Reprodução/Instituto Paul Singer

Analista crítico das estruturas sociais

Para compreender como Paul Singer chegou ao conceito de desenvolvimento solidário, é importante se ater à sua atuação ainda em meados do século 20, como explica o professor Alexandre Barbosa. Ele conta que Singer entrou na militância política muito cedo, ao se filiar ao então PSB (Partido Socialista Brasileiro) e sindicalizar-se como operário, num processo que incluiu a liderança de uma greve — a Greve dos 300 mil, em 1953. “Depois, ele se vincula à Polop (Organização Revolucionária Marxista Política Operária), ou seja, ele está procurando espaços para atuar como intelectual das classes populares.” Em 1960, Singer começou sua carreira acadêmica como professor assistente da USP.
A partir daí, Singer passou a analisar criticamente as estruturas sociais estabelecidas no Brasil, sendo, em geral, um crítico de reformas pouco transformadoras. “Ele vai dizer que nós não temos uma crise de estrutura apenas. Temos, na verdade, uma crise conjuntural típica de uma economia capitalista subdesenvolvida”, destaca Barbosa. Entre os principais marcos da trajetória do economista estão o seu doutorado em Sociologia na USP – concluído em 1966 com uma tese sobre desenvolvimento econômico orientada pelo sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) – e a aplicação do olhar crítico e marxista sobre a ditadura militar (1964-1985) e sobre o “milagre econômico” vivido pelo País naquele período. “O que ele faz é uma interpretação do desenvolvimento capitalista”, define Barbosa.
Homem com boina e óculos.
O professor Alexandre Barbosa, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP - Foto: Leonor Calasans/IEA-USP
Homem velho de cabelos brancos.
O professor Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Foto: Jacek Proszyk/Wikimedia Commons - CC BY-SA 4.0
Mais tarde, as discussões propostas por Singer se estenderam para o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), onde ele teve como colegas nomes como Chico de Oliveira e Fernando Henrique Cardoso. “Nos anos 1980, ele se torna a principal referência de economista no Partido dos Trabalhadores (PT). Ele percebe, também como professor da USP e vendo a maré liberal em crescimento, que existe um espaço para a atuação nos interstícios do capitalismo, por meio da criação de cooperativas.” Foi com essa linha de pensamento que Singer atuou na política, seja na Secretaria de Planejamento da Prefeitura de São Paulo, no mandato de Luiza Erundina (1989-1993), seja na Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), nos governos petistas, de 2003 a 2016.
Para Singer, a economia solidária se torna uma nova forma de organizar o trabalho. “Não tem emprego assalariado para todo mundo, mas é necessário que haja políticas específicas e transversais nas várias áreas de atividades”, acrescenta Barbosa. Inspirado nas ideias de Singer, Barbosa sugere, como uma dessas políticas, a organização de trabalhadores em cooperativas populares como uma eventual solução para os casos de precarização do trabalho, com muitos níveis de subcontratação.

A visão de Alexandre Barbosa é corroborada pelo professor Ladislau Dowbor, que destaca a desigualdade na distribuição de riquezas e de recursos ao redor do mundo. Ele cita como exemplo o PIB mundial, que é de US$ 110 trilhões. Esse valor, se distribuído igualitariamente entre os cerca de 8 bilhões de habitantes do planeta, renderia algo em torno de R$ 20 mil per capita por mês — proporções que se aplicam também ao Brasil. “Dez empresas no mundo detêm cerca de metade desse PIB mundial, sozinhas”, enfatiza Dowbor. “O pensamento de Paul Singer vai justamente na linha de se livrar da economia política vista como uma justificativa da desigualdade ou da ideia da ‘mão invisível do mercado’ como uma solução. Nós vivemos uma crise civilizatória e de sobrevivência da humanidade hoje. Os números dizem isso.”

Socialista democrático

O conceito de desenvolvimento solidário traz, consigo, a ideia de socialismo. E isso nunca foi omitido. “A ideia de Singer era gerar um novo padrão de sociabilidade, não mais capitalista. No longo prazo, ele acredita que o socialismo vem a partir da economia solidária. E esse modo de produção vem justamente a partir das contradições do capitalismo”, explica Alexandre Barbosa.

Estudiosa da forma como o pensamento de Singer se manifestou em diferentes épocas da sua vida, a pesquisadora Maria Paula Quental vai além: “Paul Singer nunca abandonou a utopia socialista, mesmo tendo passado pelos anos 1990 e 2000, que enterraram o socialismo, de certa forma. O movimento progressista falava em várias soluções, às vezes até não socialistas, mas não em socialismo em si. A partir daí, ele atualizou a ideia de socialismo e atualizou a ideia de desenvolvimento, que deixa de ser algo apenas econômico”. 

Quental conta que, no início deste século, quando pensadores de esquerda lamentavam o fim da ideia de socialismo, Singer foi na contramão. “Socialismo, agora, seria isso. Quer dizer, em vez de você ter uma empresa com uma hierarquia e uma classe detentora dos meios de produção, você tem uma cooperativa autogestionária. Desenvolvimento solidário é estimular organizações igualitárias com democracia radical, o espírito coletivista — e não individualista — e fazer da economia um meio de transformação social”, explica a pesquisadora.
Tanto Alexandre Barbosa quanto Maria Paula Quental ressaltam que o socialismo de Paul Singer era democrático, o que justificava a sua escolha por filiar-se ao PSB e não ao PCB (Partido Comunista Brasileiro). “Ele sempre foi um crítico da União Soviética. Mesmo como operário, ele não gostava da instrumentalização e dos métodos do marxismo soviético. Ele achava o planejamento soviético ineficaz. Para ele, deveria haver uma revolução social, em que as pessoas entendessem que o coletivo era mais importante do que o individual”, destaca Quental. <
Mulher sorrindo.
A pesquisadora Paula Quental - Foto: Reprodução/paula.quental/Instagram

O seminário Desenvolvimento e Solidariedade no Pensamento de Paul Singer, promovido pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e pelo Instituto Paul Singer, acontece nesta sexta-feira, dia 29, às 16 horas, no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, região central de São Paulo, próximo às Estações Santa Cecília e Higienópolis-Mackenzie do metrô). Entrada grátis. Mais informações estão no site do Centro MariAntonia da USP.

*Estagiário sob supervisão de Roberto C. G. Castro

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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