“Boletim3x22” avalia colonialismo e língua portuguesa

Sétima e última edição da publicação reúne artigos sobre relações entre Brasil, Portugal e África

 27/07/2023 - Publicado há 11 meses

Texto: Rebeca Fonseca (estagiária)*

Arte: Gabriela Varão (estagiária)**

O Boletim 3x22 número 7 - Foto: Reprodução

A sétima e última edição do Boletim 3×22 acompanha o fluxo de trocas culturais entre Brasil, Portugal e África com foco na língua portuguesa. O novo número, com o tema Travessias, encerra a sequência de publicações da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, que se iniciou em 2019. A revista faz parte do Projeto 3×22, dedicado a refletir criticamente sobre três momentos da história brasileira: a Independência, em 1822, o Modernismo, em 1922, e o presente, em 2022. 

A edição recém-lançada entrelaça esses períodos ao longo de três seções. A primeira delas se inicia com o artigo Brasil Mental: ou Portugal e o Insustentável Peso da Perda do “Glorioso Império”, no qual Patrícia Martins Marcos acompanha as consequências da Independência do Brasil para Portugal e as permanências coloniais da sociedade brasileira de 1822 até hoje, como a violência da branquitude.

Em seguida, Fernanda  Miranda descreve como um livro da mineira Ana Maria Gonçalves constrói representações sobre a escravidão e o Brasil no século 19 em “Um Defeito de Cor”: Arquivo do Tempo em Disputa. A experiência negra na diáspora brasileira retratada na obra também é tema do artigo.

Além das consequências da declaração de Independência, a proposta da primeira seção é abordar o imaginário de dominação colonizador de Portugal, como em Doença, Saúde e Colonialismo em Português. A partir do documentário Doença do Sono, da década de 1950, Fabiana Carelli argumenta que o governo lusitano forjava a concepção de “colônias doentes, a serem ‘salvas’ pelo colonizador”. No filme, médicos portugueses examinam pacientes em Angola para identificar a tripanossomíase humana africana.

O último artigo da seção é de Pedro Moreira. Em Uma Correspondência Transatlântica entre Gonçalves Dias e Maia Ferreira: a Minha Pátria é a Minha Língua, o autor relaciona o eu lírico de dois poemas sobre a saudade e a distância da pátria. Segundo Moreira, a intertextualidade entre À Minha Terra, do luandense Maia Ferreira, e Canção do Exílio, do brasileiro Gonçalves Dias, demonstra que “a experiência dos poetas de língua portuguesa do afastamento das terras natais (África e América) é transatlântica”.

Edição Travessias do Projeto 3x22 - Imagem: Reprodução

Capa da nova edição do "Boletim 3x22" - Foto: Reprodução/BBM

O enfoque da segunda parte da revista está no ano de 1922. No primeiro artigo, Júlio Machado destaca a afinidade de Gilberto Freyre com o modernista Manuel Bandeira e a concepção que Freyre tinha do Brasil como um mosaico de manifestações culturais regionais. Essas reflexões se dão a partir da aproximação dos livros de Freyre sobre sua visita a Portugal em 1951, após receber um convite do governo ditatorial salazarista. 

Gilberto Freyre no Deserto do Namibe - Foto: revista Buala/Boletim 3x22

O texto clássico de Maria Aparecida Santilli Ecos do Modernismo Brasileiro (Entre Africanos), publicado originalmente em 1985, integra a seção. Vima Lia de Rossi dialoga com Santilli em Ensino de Literaturas Africanas em Diálogo com a Literatura Brasileira, ao demonstrar como, nas décadas de 1940 e 1950, os textos modernistas brasileiros impulsionaram a literatura africana. 

A última seção trata das relações entre países do mundo lusófono na contemporaneidade. Vanda Araújo inicia as discussões com o artigo A Independência da África Lusófona, o Fim do Império Português e as Consequências para a Vida da Metrópole, no qual revela o papel combativo das populações africanas nos movimentos de libertação que garantiram o fim do domínio lusitano no continente. 

Os outros debates propostos nessa seção dizem respeito às relações entre cidades coloniais, no artigo Interrogar as Fraturas para Além do Visível: Luanda e Rio de Janeiro, Portos do Atlântico Sul, de Luca Fazzini, e também sobre a literatura africana como espaço de elaboração de traumas da colonização e de combate à opressão, nos artigos de Stela Saes e Franklin Cordeiro Pontes. 

Há entrevistas em todas as seções. A poeta e atriz Elisa Lucinda conversa sobre história, identidade e literatura em língua portuguesa ao final da primeira seção. Na segunda parte, a professora aposentada de Literaturas Africanas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Humanas (FFLCH) da USP Rita Chaves dialoga sobre as relações literárias entre Guimarães Rosa, Luandino Vieira e Mia Couto. Por último, os escritores J. E. Agualusa e Patrícia Lino refletem sobre a ligação entre política e literatura e a relação da cultura portuguesa com o colonialismo.

O Brasil em três tempos

A sétima edição do Boletim 3×22 encerra o ciclo de publicações do Projeto 3×22. As edições anteriores abarcaram diferentes temas, sempre em relação aos acontecimentos de 1822, 1922 e 2022. Confira abaixo informações sobre as edições anteriores do Boletim 3×22, todas elas disponíveis na íntegra, gratuitamente, neste link.

A primeira edição foi publicada em 2019 e se dedicou a articular o Manifesto de 1822 e o Manifesto Antropofágico. Os seis textos publicados na edição empreenderam uma análise das proximidades e dos distanciamentos entre os séculos 19 e 20 a partir dos documentos. 

O tema do segundo número foi a discussão sobre o que significa ser brasileiro. Os artigos debatem as diferentes construções de uma identidade e um projeto nacional durante a Independência do Brasil, o Modernismo e a atualidade, na qual o fenômeno do nacionalismo assume outra faceta.

Na terceira edição, a revista se voltou para a disputa de significados em torno do termo “revolução”. Análises sobre os motivos para que um evento seja considerado revolucionário e a existência ou não de revoluções no Brasil preenchem as páginas. Processos revolucionários em outros países, como no Haiti, também são mencionados.

O quarto número priorizou vozes indígenas, como as de Ailton Krenak e Sônia Guajajara, para falar sobre poética, ética, política e direitos humanos. As representações de indígenas na literatura brasileira dos séculos 19 e 20 são revisitadas e desconstruídas também por intelectuais indígenas. 

O conceito de Quilombismos, cunhado por Abdias do Nascimento, foi o centro da quinta edição. Ao longo de quatro eixos temáticos, a revista segue uma linha do tempo de 400 anos, desde a escravidão até a atualidade, para discutir o racismo, a segregação socioespacial, a literatura negra, a representatividade no cinema e o acesso ao ensino superior.

Na sexta edição, o foco esteve em subjetividades femininas e na diversidade da identidade de quem se identifica como mulher. Personalidades como Tarsila do Amaral, Carolina Maria de Jesus e Linn da Quebrada estão presentes nos artigos.

Capas das edições 1 a 6 do Boletim 3x22 - Fotos: Reprodução

A sétima edição do Boletim 3×22, publicação da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, está disponível gratuitamente neste link

*Sob supervisão de Roberto C. G. Castro 

**Sob supervisão de Moisés Dorado

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