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Em silêncio, Erika Kobayashi caminha devagar pela rampa do Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba (PR). Chama a atenção de todos pelo quimono típico. Cabelos presos, franja, ela traz nas mãos uma boneca kokeshi que não tem braços nem pernas. Nessa performance, chamada “Esta não sou eu”, a artista se sente a própria boneca enclausurada e tenta se expressar. Ao entrar no salão da exposição “Olhar InComun: Japão Revisitado”, ela retira o quimono. Debaixo da veste, outro quimono branco. Ela o retira também e tem um vestido preto ocidental, com tiras que deixam entrever as suas pernas. É assim que ela apresenta a cerimônia do chá, porém, estilizada, em uma releitura da mulher japonesa e do seu cotidiano. A performance foi gravada em vídeo por Lídia Ueta e está presente na exposição, mostrando, de forma simbólica, a arte do dô, que significa caminho.
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Erika é formada em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e participa atualmente do curso de Cerimônia do Chá do Centro de Estudos Japoneses da USP. “Por baixo do quimono, eu usava meu vestido de formatura do colegial. Na concepção, ele representa aquele primeiro momento da vida em que fazemos uma decisão por nós, e não pelo que a sociedade espera”, conta Erika. “É quando a gente escolhe a profissão com base nos desejos. Foi apenas por isso que escolhi este vestido. E, por ele ser um desafio ao pedir um corpo diferente dentro da sala de chá, representa a mobilidade, mesmo sendo sóbrio.”
Arquitetura e natureza
César Fujimoto é mestrando em Poéticas Visuais no Departamento de Artes Plásticas da ECA. “Meus trabalhos estabelecem relações com a arquitetura e com o desenvolvimento urbano das grandes cidades”, diz. César participa ocupando o centro da exposição. “Fujimoto faz uma instalação, Sem título, 2016, com um material barato de uso cotidiano. Escolhe caixas de papelão e monta 30 delas no chão, com espaços equidistantes entre elas”, descreve a curadora Michiko Okano. “As tampas permanecem quase abertas, formando um triângulo, como se fosse o telhado de uma casa, o que traz a metáfora da habitação. Curiosamente, numa delas, no canto do retângulo formado pelas caixas, a tampa fica fechada, o que permite inúmeras interpretações.”
Yukie Hori também fez a graduação e o mestrado no Departamento de Artes Visuais da ECA. “A USP me levou a ser designer e a seguir o caminho das artes”, conta. “Acredito que foi o ambiente da graduação, a convivência com os professores e os amigos do curso que me levaram para as artes. O mestrado foi como uma segunda etapa de formação, uma fase importante para rever o que vinha desenvolvendo e pensar novos caminhos.”
Caminhos que resultaram no atual doutorado, na Universidade de Artes de Tóquio, no Japão, e no movimento de sua arte, apresentada no MON. “A mostra conta com dois trabalhos. O primeiro faz referência ao par de biombos Vista de Floresta de Pinheiros, do pintor japonês Tôhaku Hasegawa. É composto por dois rolos contendo, cada um, três fotografias em preto e branco de pinheiros. É apresentada apenas uma imagem em cada caixa e o restante permanece enrolado, inacessível ao público”, descreve a artista. “O segundo é uma videoinstalação composta por duas telas planas, em que, na primeira, filmo o horizonte marítimo com uma câmera portátil no modo preto e branco e focagem automática. Na segunda tela, o artista Daniel Medina está com uma filmadora digital atrás de mim, tentando manter unidas as linhas dos horizontes de seu enquadramento e a da tela de LCD da minha câmera. É uma homenagem à obra do fotógrafo Hiroshi Sugimoto.”
Entre duas culturas
Há dois anos, o paulista de Piracicaba Fernando Saiki faz o curso de Pós-Graduação em Gravura na Universidade de Artes de Tóquio. “Comecei nas artes na ECA e fiz também o mestrado em Poéticas Visuais. Mas fui completar a pesquisa sobre a gravura no Japão.”
Nessa estadia, Saiki tem se descoberto brasileiro. “Ninguém percebe minha origem nipônica, enquanto no Brasil me categorizam como nipo-descendente. Identidade é uma coisa estranha. Sou mestiço e sempre vivi entre duas culturas.”
A inquietação de estar entre o Brasil e o Japão fica registrada na obra que apresenta no MON. “Corpo Interminável e Outros Corpos mostra uma série de experimentos poéticos que buscam investigar as possibilidades gráficas da técnica japonesa de xilogravura à base d’água como modo de expressão na produção atual de estampas”, explica o artista.
Alline Nakamura, paulista de Lins, também graduou-se em Artes Plásticas e agora está concluindo o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da ECA. “Minha família é como a maioria das famílias brasileiras: mestiça, com várias misturas. Talvez o fato de o meu nome artístico ter um sobrenome japonês possa parecer que eu tenha uma ligação mais estreita com a minha parte nipônica. Mas ela é uma entre os vários elos que constituem a minha origem – portuguesa, italiana e chinesa também. Talvez eu tenha outras ascendências e eu nem saiba, por hora.”
Diante de tantos elos, Alline faz um foco na cidade. Traz em sua obra fragmentos de paisagens urbanas vistas pela janela do ônibus. “A aparente monocromia e a simplicidade encontrada nas suas obras fazem alusão à estética da simplicidade e da sugestão”, descreve a curadora Michiko Okano.
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A obra da curitibana Júlia Ishida causa impacto. São cinco figuras, uma ao lado da outra, semelhantes aos biombos japoneses. “Eu sempre gostei muito dos impressionistas e pós-impressionistas e me considerava uma artista ocidental”, conta. “Até o dia em que resolvi fazer uma disciplina de pós na ECA sobre arte japonesa, com o professor Marco Giannotti. Ele tinha acabado de voltar de uma estadia como professor em Tóquio e as aulas sobre a cultura japonesa mudaram o meu caminho.”
Júlia começou a fazer pesquisas e resolveu buscar o ser japonês que parecia esquecido. Os biombos ocupam toda a parede. É um mergulho dentro de si mesma, representado por formas do interior do corpo humano que se assemelham às cavidades rochosas. “É o início de uma arte em processo.”
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