Acervo de Paul Singer é doado ao Instituto de Estudos Brasileiros

Filhos do economista da USP doam o acervo completo, incluindo documentos, fotos e a biblioteca

 01/10/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 03/10/2018 às 10:52
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O professor Paul Singer: “Com o passar do tempo, eu comecei a perceber que o importante em economia solidária é a palavra ‘solidária’” – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP vai receber o acervo do economista e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP Paul Singer, falecido em abril deste ano. A biblioteca e a documentação pessoal, que somam cerca de 9 mil itens, segundo a assessoria do instituto, foram doadas por seus filhos, o cientista político André Singer, a jornalista Suzana Singer e a socióloga Helena Singer. Desde o início a escolha recaiu sobre o IEB. Como diz André Singer, “o instituto é uma das principais instituições de pesquisa, com excelência na estruturação de processamento e disponibilização do material para o público”.

O professor André Singer: “Meu pai tinha verdadeiro amor pela USP, e sentia como se ela fosse sua segunda casa” – Foto: Acervo André Singer

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O processo de aprovação foi muito tranquilo, segundo o diretor em exercício do IEB, professor Paulo Teixeira Iumatti, também presidente da Comissão de Serviços de Apoio (CSA) do instituto, que atua no âmbito de incorporação de acervos. “Tanto a comissão no IEB como o Conselho Deliberativo do instituto aprovaram a vinda do acervo”, afirma. “Trata-se de um acervo que espelha a produção e a militância de um intelectual que possui um pensamento original, com projeção dentro e fora do País, tendo inaugurado uma vertente – a da economia solidária – que tem imensa repercussão no Brasil, a ponto de afetar o cotidiano de parte da população”, continua.

André Singer lembra que a USP foi uma casa para o professor e pesquisador. “Meu pai foi aluno da Faculdade de Economia, Administração da USP – que a partir de 1990 passou a se chamar Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade –, depois se tornou professor na mesma faculdade. Foi aposentado compulsoriamente após o AI-5 e, assim que foi possível, no final dos anos 70 e começo dos 80, com a anistia, ele voltou para a faculdade, se tornou titular e se aposentou nela. Podemos dizer que ele fez a vida profissional inteira na USP”, conta André Singer, que é professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e colunista da Rádio USP. “Ele tinha verdadeiro amor pela USP, e sentia como se fosse sua segunda casa”, completa.

Segundo o diretor do IEB, professor Paulo Iumatti, ainda não há previsão para disponibilização do acervo, que deve ser catalogado seguindo padrões internacionais – Foto: Acervo Paulo Teixeira Iumatti

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O legado de Paul Singer

Nascido na Áustria em 1932 e naturalizado brasileiro em 1954, Paul Singer é autor de uma extensa obra. Segundo levantamento realizado por Rosangela Pimentel, que foi sua secretária nos últimos anos, a lista é composta de 27 livros, 152 artigos em coletâneas, 193 artigos em revistas científicas, 659 artigos em jornais, 140 entrevistas e 76 textos em publicações estrangeiras, nas línguas alemã, espanhola, inglesa, francesa e italiana. Para o professor do IEB Alexandre de Freitas Barbosa – um dos maiores conhecedores da coleção de Paul Singer -, trata-se de um acervo riquíssimo, que contém obras sobre a questão do emprego, do desenvolvimento e da economia brasileira.

Há ainda muitos textos inéditos, entre cartas, relatórios de pesquisa, aulas e comunicações orais feitas pelo professor ao longo de décadas. “É um conjunto extenso de documentos. São cerca de cinco caixas, que contêm anotações e rascunhos de textos que não foram publicados. Há muitas referências à vida dele como professor e pesquisador, além de documentos sobre sua militância política”, diz André Singer. Marxista de formação, Paul Singer foi militante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, época em que participou da chamada “greve dos 300 mil”, em 1953, quando ainda atuava como eletrotécnico, e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT).

O professor Alexandre de Freitas Barbosa, do IEB: “Se tivéssemos que falar sobre o pensamento econômico e social da segunda metade do século 20, teríamos que reservar um capítulo para o professor Paul Singer” – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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“É o acervo de um intelectual militante, com uma profunda e sólida formação teórica. E que vai além dessa contribuição teórica que está nos seus livros sobre economia política, do trabalho e economia política de urbanização, de alguém que estava discutindo desenvolvimento econômico, tecnologia, impacto sobre emprego, organização das cidades e a questão populacional”, afirma o professor Alexandre Barbosa. Ele completa dizendo que, em Paul Singer, “a discussão teórica e a utopia militante como intelectual socialista se juntam para buscar na economia solidária e nos empreendimentos autogestionários uma saída para o desemprego, chegando até, algumas vezes, a pensar numa superação do sistema capitalista”.

O livro Militante por Uma Utopia, de Paul Singer – Foto: Divulgação / Editora Com-Arte (Clique na imagem para ampliar)

Nos anos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que fundou, em 1969, ao lado de vários outros pesquisadores e professores – período em que foi aposentado compulsoriamente da USP pela ditadura militar – “Paul Singer se firmou como um dos principais pensadores econômicos e sociais da América Latina”, afirma Barbosa.  “Quando surge o conceito de setor informal, ele já fala de setor autônomo. É um dos primeiros a trazer essa discussão sobre o problema do trabalho, em um texto clássico no Caderno Cebrap, de 1972”, relata.

Paul Singer atuou no Cebrap até 1988, antes de ser nomeado secretário municipal de Planejamento de São Paulo. Também fez parte do grupo que fundou a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares na USP, em 1998, e, em 2003, assumiu a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), que implementou, a partir de junho do mesmo ano, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, saindo em 2016 por causa da mudança de governo. “Talvez poucas pessoas saibam, mas ele provavelmente foi o servidor público – essa era a sua postura (ele exercia um cargo de confiança) – que mais ficou no governo Lula”, diz, afirmando que boa parte dessa política pública inovadora está no acervo.

Nos últimos 25 anos, Paul Singer se dedicou à economia solidária, na qual, segundo Barbosa, era referência latino-americana. “Com o passar do tempo, eu comecei a perceber que o importante em economia solidária é a palavra ‘solidária’. Ela dá uma qualidade da relação humana entre os companheiros, que é fundamental, que não dá para minimizar. A solidariedade entre nós, trabalhadores, é essencial. A cada um isoladamente e a todos”, disse o próprio Paul Singer em entrevista publicada no número 93 da revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Segundo André Singer, todos os trabalhos do professor referentes a esse período também estão no acervo. “Doamos o acervo completo”, informa, ressaltando que tanto o material inédito quanto aquele que diz respeito à biografia são importantes para a realização de pesquisas sobre sua obra e trajetória. Ele conta ainda que o acervo contém um material significativo em outras mídias, como áudios e filmes. Barbosa confirma: “São várias fitas em VHS e cassete, nas quais é possível recuperar sua trajetória e reflexão”. Ainda segundo Barbosa, “esse acervo abre possibilidades de um conjunto de pesquisas sobre facetas não conhecidas de sua obra”.

.Raridades do acervo

“Se tivéssemos que falar sobre o pensamento econômico e social da segunda metade do século 20, teríamos que reservar um capítulo para o professor Paul Singer”, afirma o professor Barbosa, ressalvando que ele é um dos poucos economistas capazes de falar para um grande público, citando como exemplo seu livro Aprender Economia. Barbosa ainda destaca dois itens do acervo: o livro Militante por uma Utopia (Editora Com-Arte), seu memorial de professor titular na FEA, e um exemplar da primeira edição de Das Kapital, de 1867, que Singer utilizou quando participou do Grupo do Capital ou Seminário Marx – como ficou conhecido o grupo de intelectuais que, a partir de 1958, se reunia quinzenalmente em São Paulo para ler a obra mais famosa de Karl Marx, formado por pensadores como Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, José Arthur Giannotti e Fernando Novais, entre outros.

Exemplar da primeira edição (1867) de Das Kapital, de Karl Marx, que pertencia a Paul Singer – Foto: Zentralbibliothek Zürich via Wikimedia Commons – CC (Clique na imagem para ampliar)

Segundo Iumatti, a data da vinda do acervo para a USP depende do andamento de alguns procedimentos administrativos e burocráticos, mas ele acredita que deve ocorrer em, no máximo, três meses. Porém, ainda não há uma previsão para a disponibilização para o público. “O processo de catalogação será feito de acordo com as normas da Universidade e do IEB, seguindo padrões internacionais. Uma grande vantagem no que se refere a esse acervo é que uma parte dele já está organizada e pré-catalogada”, informa, acrescentando que para a digitalização ainda será preciso fazer um projeto específico.

Incluídos na Biblioteca e no Arquivo do IEB, as obras de Paul Singer, bem como sua coleção de livros, ficarão disponíveis para consulta do público e poderão ser utilizadas nos cursos de extensão, graduação e pós-graduação, seminários e exposições realizadas pelo instituto. Segundo Barbosa, o acervo de Paul Singer vem se juntar a outros dois acervos de valor imensurável, o do historiador econômico Caio Prado Jr. e o do sociólogo e crítico literário Antonio Candido, também sob posse do IEB. “O acervo de Paul Singer é uma forma de essa utopia tão concreta da economia solidária continuar se enraizando na política brasileira. É uma maneira de ele estar vivo e entre nós”, conclui.

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