A história de Boccioni e suas formas únicas organizada em livro

Ana Magalhães e Rosalind McKever apresentam o escultor italiano e sua obra que impulsionou a arte no século 20

Umberto Boccioni, Formas Únicas da Continuidade no Espaço (1913) - Foto: Reprodução/livro Boccioni no Brasil

 01/12/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 05/12/2022 as 17:39

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Rebeca Fonseca

O primeiro parágrafo do livro Boccioni no Brasil, organizado pelas curadoras e historiadoras Ana Magalhães e Rosalind Mckever e lançado pela Editora da USP (Edusp), já transporta o leitor para a sede do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. Essa sensação de movimento, tão única, envolve o espectador/leitor quando contempla a escultura Formas Únicas da Continuidade no Espaço, a obra mais importante do italiano Umberto Boccioni (1882-1916). É um atleta, um homem em movimento que avança no espaço. Pelo MAC afora.

Ana Magalhães, diretora do MAC, e Rosalind McKever, curadora do Victoria & Albert Museum, de Londres, na Inglaterra, iniciam a apresentação do livro assim:

Formas Únicas da Continuidade no Espaço, parte da coleção do MAC desde a sua fundação, em 1963, é o trabalho mais celebrado do futurista italiano Umberto Boccioni. Ele marca o ápice da tentativa do artista de animar a escultura por meio de figuras em movimento. Mesmo depois da morte de Boccioni, em 1946, aos 33 anos, sua escultura dinâmica não se tornou estática. Este volume traça a história de suas mudanças materiais, desde o estúdio do artista até o MAC e – por meio de fundições em metal – outros museus ao redor do mundo.”

Formas Únicas da Continuidade no Espaço, obra célebre de Umberto Boccioni - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Obra de Boccioni - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Exposição e seminário internacional sobre a obra de Boccioni resultou na organização do livro - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

As duas pesquisadoras se dedicam à análise da obra do escultor. Investigam o seu pensamento, o material que empregava e detalhes de suas técnicas. “A fragilidade da escultura, combinada com a morte precoce do artista, criou uma história complexa, a qual buscamos esclarecer por meio do uso de análises técnico-científicas do gesso e das fundições em bronze e da compilação de fontes arquivísticas no Brasil, na Itália, nos Estados unidos e no Reino Unido.”

“Hoje, graças à série aprofundada de análises científicas, históricas e críticas conduzidas durante essa jornada de estudos, finalmente se tornou possível estabelecer o quanto o tempo e os restauros teriam deixado marcas sobre o gesso original.”

O livro Boccioni no Brasil, bilíngue (português-inglês), reproduz o texto de palestras apresentadas no seminário internacional Boccioni – Continuidade no Espaço., realizado no MAC em 2018.

“Hoje, graças à série aprofundada de análises científicas, históricas e críticas conduzidas durante essa jornada de estudos, finalmente se tornou possível estabelecer o quanto o tempo e os restauros teriam deixado marcas sobre o gesso original”, observa Marina Pugliesi, diretora do Museo del Novecento, de Milão, na Itália, autora de um dos artigos publicados em Boccioni no Brasil, que ela assina com Zeno Birolli, professor da Academia de Brera, também em Milão. “E também entender a efetiva relação entre matriz e cópias, além de documentar como a fortuna crítica da obra no meio museográfico foi determinada também pela desenvoltura das instituições ao adquirir cópias não fundidas a partir do gesso.”

Marina Pugliesi e Zeno Birolli, historiador e professor da Academia de Brera, também em Milão, fizeram uma ampla pesquisa sobre as esculturas em gesso de Boccioni e suas sucessivas confecções em bronze.  Observaram também a trajetória do artista, as exposições e as análises dos pesquisadores sobre a sua obra. E chegaram à possível proposta do artista ao criar Formas Únicas da Continuidade no Espaço. “Como está mais claro agora o título dessa obra! Do atleta que corre, do homem que caminha e me dá a continuidade no espaço, que é relativo à sua presença, não a uma abstrata e perspectiva projeção do seu desenvolvimento”, escrevem Marina e Birolli no livro. “Ao sentido de infinito que exprime a escultura se associa a evidência das suas formas, da presença contínua num novo equilíbrio total que classicamente resulta dele.”

Formas Únicas da Continuidade no Espaço é também prova do movimento conjunto da arte e da ciência. Ana Magalhães, a restauradora Elizabeth Kajiya, e os professores do Instituto de Física da USP Marcia Rizzutto e Pedro Campos apresentam no livro um relatório técnico e  análises com o gesso e o bronze da escultura. Um trabalho que exigiu uma investigação rigorosa através de fotografia com luz visível, fluorescência visível com radiação de ultravioleta e radiografia, entre outros equipamentos. “Esse texto fundamental confirma que o gesso de Formas Únicas da Continuidade no Espaço é a obra exposta em 1913, além de trazer à luz novas evidências para a história material do gesso.”

Umberto Boccioni, Dinamismo de um Boxeador (1913) - Foto: Jorge Maruta

Em outro artigo do livro, a historiadora da arte Vanessa Beatriz Bortulucce analisa Boccioni através dos diários do artista, escritos em 1907 e em 1915, que ela mesma traduziu para o português em 2016. “Ao estudar a poética de Umberto Boccioni, uma constatação salta aos olhos: a igual importância, dedicada pelo artista, às suas obras e aos seus escritos”, ela escreve. 

“Agora no MAC, a versão em gesso de Formas Únicas da Continuidade no Espaço possui qualidades que estão ausentes das réplicas patinadas e polidas em metal, todas produzidas postumamente.”

Umberto Boccioni no seu ateliê em 1913 - Foto: Acervo MAC-USP

Formas Únicas da Continuidade no Espaço é a mais conhecida obra de Boccioni - Foto: Reprodução/livro Boccioni no Brasil

Maria Elena Versari, crítica e historiadora de arte, faz no seu artigo um questionamento sobre a obra mais famosa de Boccioni. O nome Formas Únicas da Continuidade no Espaço, segundo ela, não corresponde ao real significado da obra. E leva o leitor a uma jornada entre palavras, com o objetivo de traçar algumas disjunções problemáticas entre a teoria artística e atividade teórica de Boccioni. “O que eu quero sugerir é que essas disjunções entre a práxis e a teoria levaram a algumas sobreposições entre os críticos, as quais poderiam servir como ponto de partida para uma reconsideração da atitude evolutiva do artista em relação à escultura.”

No texto do historiador David Mather, há um novo olhar sobre a obra mais famosa de Boccioni. Observa: “Agora no MAC USP, no Brasil, a versão em gesso de Formas Únicas da Continuidade no Espaço possui qualidades que estão ausentes das réplicas patinadas e polidas em metal, todas produzidas postumamente. Em vez de apresentar uma aparência de máquina, como muitos observadores supõem, as formas em gesso revelam um surpreendente grau de calor e sutileza”.

Para Raffaele Bedarida, historiador e crítico, “se a importância de Boccioni no cânone modernista pode parecer óbvia hoje, isso se deve a museus como o MoMA, Guggenheim terem dedicado grandes exposições ao artista”. Bedarida apresenta as atividades futuristas nos Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial.

O crítico Mario Sartor desenvolve o tema e mostra a recepção crítica do futurismo na América Latina. Já a professora da USP Annateresa Fabris traz uma visão detalhada sobre a recepção do futurismo na América do Sul. “Existem várias versões sobre o que teria motivado Filippo Tommaso Marinetti a empreender a turnê americana em maio-junho de 1926″, destaca. São estas versões que Annateresa Fabris pontua e contextualiza com suas pesquisas nos jornais e revistas da época.

Boccioni no Brasil, de Ana Magalhães e Rosalind Mckever (organizadoras), Editora da USP (Edusp), 408 páginas, R$ 170,00


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