Dispositivo poderá ser usado em análises químicas que identificam substâncias por meio da emissão de luz (espectroscopia) e, futuramente, em sistemas computacionais de altíssimo desempenho – Foto: arquivo pessoal dos pesquisadores

Surge uma nova luz para agilizar a transmissão de informações

Emitindo luzes de cores diferentes, dispositivo pode ser usado em análises químicas e, no futuro, regular funcionamento de computadores e sistemas de telecomunicações

29/04/2021
Por Julio Bernardes
Arte: Camila paim/Jornal da USP

Um oscilador é um dispositivo que controla o funcionamento de diversos equipamentos mecânicos e eletrônicos, como, por exemplo, relógios e computadores. Dentro de um relógio, por exemplo, o pêndulo é um oscilador cujo movimento o faz marcar o tempo com precisão; no computador, o oscilador é um cristal que regula o sincronismo e a velocidade dos processador; há osciladores nos localizadores por GPS e que regulam a emissão de ondas em sistemas de telecomunicações. Uma das formas de realizar esse controle é por meio da emissão de luz.

Uma pesquisa com a participação do Instituto de Física (IF) da USP desenvolveu uma fonte de luz colocada dentro de um chip de computador, que cumpre a função do oscilador emitindo luzes de cores diferentes, da mesma forma que o movimento de um pêndulo regula o funcionamento de relógios. O oscilador criado pelos pesquisadores tem como aplicação imediata o uso em análises químicas que identificam substâncias por meio da emissão de luz (espectroscopia) e, futuramente, pode servir como parte integrante de sistemas computacionais de altíssimo desempenho.

Um oscilador é qualquer sistema que realiza um movimento que se repete com frequência, a qual é medida pelo número de repetições em um segundo. “Um pêndulo de relógio, a corda vibrante de um violão ou o cristal que está dentro de cada aparelho eletrônico que envolva processamento digital de informação são exemplos de osciladores”, explicam ao Jornal da USP os físicos Marcelo Martinelli, professor do IF, e o pesquisador Renato Domeneguetti, que participaram do trabalho. “Apesar das diferenças, são sistemas que voltam a um mesmo ponto após certo intervalo de tempo, seja ele longo para um oscilador mecânico, como um pêndulo, seja ele extremamente curto para um oscilador operando em frequências óticas, como um laser, cujo resultado será a emissão de luz, com uma frequência característica.”

Marcelo Martinelli – Foto: IFSC-USP

De acordo com os pesquisadores, o intervalo que o oscilador leva para voltar ao ponto inicial serve como uma marcação de tempo, e permite sincronizar diferentes dispositivos. “Por exemplo, o oscilador eletrônico que está presente em qualquer computador, celular ou tablet é feito normalmente por um cristal e ele gera o sincronismo das operações na máquina. Quanto maior o “sincronismo”, mais rápido ele é”, apontam. “Nos sistemas de GPS, os osciladores permitem sincronizar os relógios dos satélites. Os satélites emitem os sinais, basicamente avisando a hora, e quando você recebe o sinal, ele tem um atraso: este atraso vem do tempo de propagação, que ocorre com a velocidade da luz. Pelo atraso, você sabe a distância dos satélites. Com quatro satélites, você tem sua localização no espaço.”

"Um pêndulo de relógio, a corda vibrante de um violão ou o cristal que está dentro de cada aparelho eletrônico que envolva processamento digital de informação são exemplos de osciladores. Apesar das diferenças, são sistemas que voltam a um mesmo ponto após certo intervalo de tempo, seja ele longo para um oscilador mecânico, como um pêndulo, seja ele extremamente curto para um oscilador operando em frequências óticas, como um laser, cujo resultado será a emissão de luz, com uma frequência característica."

Nos sistemas de telecomunicações, os osciladores regulam a emissão de ondas de rádio ou os sinais óticos que permitem a transmissão de informações. “Essas ondas ou os sinais óticos precisam estar operando na mesma frequência, ou seja, com intervalos de tempo bem definidos”, relatam Martinelli e Domeneguetti. “Senão, as antenas dos dispositivos não serão capazes de entender as mensagens enviadas”, completam.

Durante os experimentos, os físicos conseguiram fazer o oscilador emitir luzes de duas cores diferentes a partir da energia fornecida ao dispositivo por um laser – Vídeos cedidos pelos pesquisadores

O objetivo da pesquisa foi desenvolver uma fonte que produza, simultaneamente, luz visível e infravermelha, na faixa empregada para telecomunicações, onde cada tipo de luz representa o movimento do oscilador. 

“Queremos que esta fonte seja compacta, podendo ser facilmente integrada como parte de sistemas mais complexos. Queremos que ela seja versátil, podendo ser desenhada para operar em diferentes cores no espectro eletromagnético”, apontam os pesquisadores. “E também queremos que ela possa gerar feixes com correlações em nível quântico. Conseguimos os dois primeiros objetivos. Agora vamos buscar o terceiro.”

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Foto: Arquivo pessoal dos pesquisadores

Caminho ótico

O oscilador como fonte de luz foi produzido em um chip de óxido de silício, onde foi construído um caminho ótico usando nitreto de silício. “É a mesma técnica empregada para a construção de dispositivos eletrônicos. O oscilador é um anel onde a luz fica confinada”, comparam Martinelli e Domeneguetti. “Este anel tem a dimensão de um sétimo de milímetro, grande se comparado a dispositivos eletrônicos, mas pequeno o suficiente para ser integrado em quantidade em pequenos ‘chips’, ou placas.”

Um ponto importante do dispositivo é a geração de luzes com cores distintas para gerar a oscilação e transferir informação. “O desafio é desenvolver o formato do anel para obter cores diferentes a partir da resposta do nitreto de silício ao laser que fornece energia ao sistema. Ou seja, é o laser que faz o oscilador funcionar”, relatam os físicos. “O nitreto transfere energia do laser, convertendo luz do infravermelho próximo para o visível, e também para o infravermelho distante, na faixa de telecomunicações. Assim, enquanto a luz visível pode interagir com um meio atômico, o infravermelho pode ser enviado para uma estação remota por fibras óticas.”

Oscilador foi produzido em um chip de óxido de silício, dentro do qual foi construído um caminho ótico que faz as emissões de luzes; na foto, comparação de tamanho – Imagem: arquivo pessoal dos pesquisadores

Segundo os pesquisadores, o processo todo é sensível à forma do anel e do guia de onda que, como uma fibra ótica, leva e traz luz para a cavidade. “A escolha cuidadosa da largura e espessura permite a escolha das frequências, ou seja, das cores que vão produzir a oscilação”, observam. “Este oscilador gera apenas duas cores. Nossos colaboradores já conseguiram produzir pentes de frequência que acoplam milhares de cores em uma régua, que pode ser empregada para medidas ultraprecisas de tempo. Porém o desafio aqui foi gerar apenas duas frequências.”

Um artigo publicado na revista científica Optica descreve o método de construção do dispositivo, os princípios físicos de seu funcionamento e como sua forma geométrica gera luzes de cores diferentes. “Isto dá a versatilidade no desenho de novos dispositivos conforme a demanda. Podemos usar vários osciladores distintos em um único chip para gerar luz em diferentes cores ou até mesmo imagens coloridas”, comentam os físicos. 

“Uma aplicação imediata da técnica é em medidas de espectroscopia. Por exemplo, as lâmpadas amarelas de iluminação pública feitas de vapor de sódio; a cor amarela é característica deste elemento químico. Da mesma forma, cada substância tem um conjunto de cores que funcionam como uma espécie de ‘impressão digital’, que pode ser identificada por meio de emissões de luz.”

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A longo prazo, o dispositivo poderá ser usado em comunicações quânticas, com desempenho e velocidade superiores às técnicas já existentes. “Como as luzes emitidas são espelhadas, elas podem servir à transferência de informação em nível quântico, que é mais delicada e suscetível a ruídos na transmissão”, dizem Martinelli e Domeneguetti. “O dispositivo poderá ser um elemento fundamental para ligar diferentes peças em um ‘hardware’ de processadores quânticos, explorando as melhores capacidades de cada peça do conjunto, mesmo operando em cores muito distintas. E por operar na faixa de telecomunicações, esta informação pode ser enviada a estações remotas.” 

Os pesquisadores acrescentam que o dispositivo é um protótipo experimental, e no momento ainda não há patente ou perspectiva imediata de comercialização.

O trabalho foi parte do doutorado de Renato Domeneguetti, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que realizou um estágio com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) junto ao grupo de Nanofotônica da Universidade de Cornell (Estados Unidos), com a professora Michal Lipson (hoje na Universidade de Columbia, Estados Unidos). A equipe dela foi responsável pela construção do chip (o crescimento da amostra). 

O professor Paulo Nussenzveig, do Instituto de Física (IF) da USP, esteve diretamente envolvido nos projetos realizados nos Estados Unidos, que demonstraram as correlações quânticas em outros chips, operando com uma separação menor de frequências, durante um ano sabático com financiamento da Fapesp. 

O artigo Parametric sideband generation in CMOS-compatible oscillators from visible to telecom wavelengths foi publicado na revista Optica em 2 de março.

Mais informações: e-mail mmartine@usp.br, com o professor Marcelo Martinelli


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