Mais informações: camila.saltavini@gmail.com, com Camila Altavini; wang.pang@hc.fm.usp.br, com Wang Yuan-Pang

Apesar de frequentar a universidade ser um fator protetor para a saúde mental, a pressão social e psicológica nos jovens pode gerar sofrimento mental – Fotomontagem Jornal da USP sobre foto de Freepik
Ao começar a atender estudantes universitários na Universidade de Brasília, a psicóloga Camila Altavini percebeu a necessidade de um olhar mais cuidadoso para a ideação suicida – processo de pensar, considerar ou planejar o suicídio – e o suicídio dentro das universidades. A partir disso, ela desenvolveu sua pesquisa de doutorado na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que investiga estratégias de prevenção e identifica aqueles que estão em maior risco.
“Conforme a gente pesquisava, percebemos que, na verdade, tem muita pesquisa nessa temática, mas tem pouca evidência sobre o que de fato funciona, principalmente na parte de prevenção do suicídio”, conta a psicóloga. A tese focou nas estratégias primárias, também chamadas de prevenção universal.
As estratégias de prevenção de suicídio são divididas em universal, seletiva e indicada. As medidas que atingem a população como um todo, como campanhas de conscientização, são chamadas de universais. As seletivas, focam em um grupo que apresenta risco para ideação suicida ou suicídio. Já as estratégias indicadas têm como objetivo chegar até pessoas que já estão em risco, ou seja, já apresentam pensamentos relacionados à morte.
Entre as medidas, Camila Altavini encontrou evidências de eficácia na prevenção de suicídios apenas para a restrição de acesso a meios e para a comunicação responsável. “Outras estratégias ainda não têm evidências de que, de fato, funcionam para a redução das taxas de suicídio. Mas, parecem funcionar para aumentar o conhecimento e identificar indivíduos em risco”, explica a pesquisadora.
A restrição de acesso a meios inclui ações como colocar grades ou redes em janelas e escadas, barreiras nas plataformas de metrô e o uso de blister – embalagem que armazena medicamentos de forma individual. As estratégias variam de acordo com o país ou região, “considerando intervir em métodos que sejam mais letais, de acesso facilitado e que sejam mais utilizados no local estudado”, destaca ela.
A combinação de medidas pode trazer um efeito potencializador. “Estratégias que combinam métodos de prevenção de diferentes tipos, principalmente de diferentes níveis, parecem promissoras, por essa ideia de que o efeito pode ser potencializador a depender da combinação que se faz”, explica.
O trabalho teve como base o banco de dados do 1º Levantamento Nacional Sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, realizado pelo professor associado do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Arthur Guerra, em 2009.
O trabalho demonstrou que a comunicação responsável também tem um papel importante na prevenção ao suicídio. Quando feitas de forma sensacionalista ou dramatizada, notícias podem favorecer ondas de suicídio, ou o efeito de contágio, que é quando, após um suicídio, ocorrem outros em seguida entre pessoas que se identificavam de alguma forma com aquela pessoa.
Por outro lado, ao seguir as diretrizes de comunicação responsável, como evitar entrar em detalhes sobre métodos e trazer histórias de superação, a comunicação pode evitar o contágio e prevenir novas tentativas de suicídio. “Precisamos saber se o efeito é atingido, o efeito que a gente quer. Um exemplo clássico é a campanha Setembro Amarelo que tem estudos que mostram que não está ajudando a prevenir [o suicídio]. Mas, [a falta de eficácia] provavelmente tem a ver com o efeito da qualidade da comunicação”, diz a pesquisadora.
O Setembro Amarelo é uma campanha que acontece anualmente com objetivo de conscientizar a população sobre o suicídio e prevenção dos casos, abordando também os estigmas envolvidos. Ainda que seja um grande movimento, Camila Altavini destaca que alguns conteúdos que fazem referência ao Setembro Amarelo muitas vezes não seguem as diretrizes da comunicação responsável, trazendo gatilhos, minimizando o problema ou romantizando o suicídio.
Apesar de não ter evidências de que funcionam para a prevenção do suicídio, outras medidas podem ser eficazes para aumentar o conhecimento sobre o assunto e identificar pessoas em risco. É o caso do treinamento de gatekeepers, pessoas com conhecimento e treinamento sobre suicídio, e que são capazes de identificar e encaminhar aos serviços adequados pessoas que precisem de acompanhamento em saúde mental.
Os resultados do trabalho mostram que 5,9% dos estudantes universitários apresentaram ideação suicida nos últimos quinze dias que antecederam a coleta de dados. Entre os estudantes, os que apresentavam maior chance de ter pensamentos relacionados à morte são os que estavam em sofrimento mental e que sofreram algum tipo de abuso sexual.
Mas as variáveis acadêmicas também tiveram destaque: entre as características que aumentavam a chance de ideação suicida estão a insatisfação com o curso e o baixo desempenho acadêmico. “Na universidade, a gente tem um contexto de uma demanda muito mais puxada”, diz a pesquisadora, destacando a pressão social e psicológica que é colocada sobre os jovens nessa fase.
“A nossa hipótese é que, somando todos esses desafios – a pessoa se encontra num lugar em que ela não consegue encontrar satisfação naquele curso que ela escolheu inicialmente –, pode ser que isso gere um sofrimento mental muito grande”
Camila Altavini
Apesar de seis em cada cem estudantes apresentarem ideação suicida, de acordo com o estudo, Wang Yuan-Pang , orientador da tese, destaca que os valores são baixos. “O universitário é mais protegido do que uma pessoa da mesma faixa etária e que não frequenta uma faculdade”, explica o orientador.
Nos últimos anos, com políticas de acesso ao ensino superior, o público que chega à universidade também mudou. “Já tem mais de 10 anos que passou a coleta, e a gente sabe que a população universitária mudou bastante desde então”, diz Camila Altavini. De acordo com Wang, com um novo público chegando à universidade, questões sociais e econômicas podem impactar ainda mais a saúde mental dos universitários.
Camila Altavini e Wang Yuan-Pang seguem investigando subgrupos que podem ter maior risco para ideação suicida e a sua relação com variáveis da vida acadêmica, como a insatisfação com o curso e integração.
*Estagiária com orientação de Fabiana Mariz
**Estagiária com orientação de Moisés Dorado
Mais informações: camila.saltavini@gmail.com, com Camila Altavini; wang.pang@hc.fm.usp.br, com Wang Yuan-Pang