Processos de pastagem na Amazônia ameaçam microrganismos do solo

Bactérias e fungos são essenciais para a manutenção ecológica de florestas; com um manejo inadequado do solo, esses micróbios contribuem para a emissão de gases do efeito estufa

 14/09/2023 - Publicado há 8 meses

Texto: Julia Custódio*
Arte: Carolina Borin**

Estudo aponta a importância de microrganismos do solo, como bactérias e fungos, e as ameaças que eles vêm sofrendo pelos processos de desmatamento e pastagem na Floresta Amazônica - Foto: Cedida pela pesquisadora

Pesquisadoras do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP estudaram a importância de microrganismos do solo, como bactérias e fungos, e as ameaças que eles vêm sofrendo pelos processos de desmatamento e pastagem na Floresta Amazônica. Elas publicaram um artigo que destaca a necessidade de estudos interdisciplinares para analisar o problema por perspectivas variadas, subsidiando as iniciativas de conservação e gestão.

Ao pensar sobre a Amazônia, é comum lembrar das árvores que cobrem o bioma, mas embaixo do solo também há organismos que trabalham ativamente para a manutenção dos processos ecológicos desse ambiente, como bactérias, fungos e arqueias (organismos unicelulares). “Os microrganismos do solo são essenciais para a ciclagem dos nutrientes e desenvolvimento e proteção das plantas, garantindo a sustentação do ecossistema amazônico”, explica Júlia Gontijo, doutora pelo Cena e uma das autoras do artigo. “Além disso, esses microrganismos também estão relacionados ao balanço das emissões de gases de efeito estufa (GEE) pelo solo.”

Júlia Gontijo - Foto: Arquivo Pessoal

Júlia Gontijo - Foto: Arquivo Pessoal

Lideradas pela professora Tsai Siu Mui, as pesquisadoras fizeram um levantamento de estudos prévios sobre o solo da Amazônia e produziram o artigo Soil microbes under threat in the Amazon Rainforest, publicado na Trends in Ecology & Evolution, com o objetivo de chamar atenção para a importância de novas pesquisas multidisciplinares nessa área, como em microbiologia, botânica, ecologia da paisagem e restauração, biogeoquímica e ciência de dados.

O olhar do artigo se voltou para os microrganismos metanotróficos, que consomem metano — um gás do efeito estufa com 28 vezes mais potencial de aquecimento global que o CO2 — e o usam como fonte de carbono, e os metanogênicos, que produzem metano.  Júlia Gontijo explica que, ao converter florestas em pastagem, por exemplo, os processos de consumo e emissão de metano mudam. Um local que antes consumia o gás passa a emiti-lo por causa da mudança do ambiente que favorece os microrganismos metanogênicos.

“Pensando na parte microbiológica, o desmatamento e a conversão de floresta para pastagem são os principais pontos que alteram o balanço entre os microrganismos metanogênicos e metanotróficos no solo. Ao alterar a cobertura vegetal e introduzir gado, observamos aumento de arquéias metanogênicas no solo, devido tanto a adição causada pelas fezes do gado, que possuem alta abundância de metanogênicas, quanto pelo aumento da compactação do solo, que favorece o estabelecimento desses microrganismos anaeróbicos”, cita Júlia Gontijo. 

O desmatamento e a conversão de floresta para pastagem são os principais fatores que alteram o balanço entre os microrganismos metanogênicos e metanotróficos no solo - Foto: Cedida pela pesquisadora

Ela aponta que os microrganismos são indicadores de mudanças ambientais. Resultados anteriores mostraram que a conversão floresta-pastagem na Amazônia acarreta no processo de homogeneização das comunidades bacterianas do solo. Contudo, a Floresta Amazônica não é homogênea e mais estudos são necessários: ela é composta de ecossistemas variados com diferentes tipos de vegetação. Também, nas áreas desmatadas, diversas atividades agrícolas são desenvolvidas, não somente o estabelecimento de pastagens.

“A Amazônia é composta de ecossistemas distintos e está sendo alterada de muitas maneiras pelo homem. Além disso, mudanças climáticas têm afetado a região de diferentes formas. Por isso que esse esforço amostral e o desenvolvimento de novos trabalhos são extremamente necessários, além do seu financiamento. No que diz respeito aos microrganismos e serviços ecossistêmicos desempenhados por eles, existe a grande necessidade de mais estudos no bioma para conseguirmos entender e predizer mudanças relacionadas ao ambiente do solo e, principalmente, saber como evitar e mitigar esses impactos”, diz Andressa Venturini, primeira autora do artigo.

Pesquisa ressalta a necessidade não só de manter a floresta em pé, mas evitar novos distúrbios sobre ela - Foto: Cedida pela pesquisadora

Ela explica que a degradação também acontece com florestas que ainda estão de pé, mas não são mais saudáveis, por causa de atividades de extração de madeira ou fogo que não chega a queimar totalmente a floresta, por exemplo. “Pouco se sabe a respeito do efeito da degradação florestal sobre os microrganismos dos solos amazônicos, mas esse é um ponto importante do ponto de vista de políticas públicas. Além de manter a floresta em pé, também devemos focar em como evitar tais distúrbios sobre ela.”

Em relação a políticas públicas específicas que podem preservar microrganismos do solo e seus serviços ecossistêmicos, a conservação e recuperação de áreas verdes são essenciais. Uma solução apontada pela pesquisadora podem ser as florestas secundárias, resultantes da regeneração da vegetação de florestas afetadas pelo processo de mudança de uso do solo e depois abandonadas. “No artigo, discutimos que as florestas secundárias apresentam sinais de recuperação do ponto de vista microbiano e que, ao longo dos anos, podem um dia atingir os mesmos processos de uma floresta primária. Porém, a conservação das florestas primárias será sempre a melhor opção”, aponta Júlia Gontijo.

Andressa Venturini - Foto: Arquivo Pessoal

Andressa Venturini - Foto: arquivo pessoal

O financiamento e apoio para estudos na região também preocupa. “Existem tantas frentes de estudo dentro da microbiologia do solo que é fácil ficarmos restritos somente a algumas perguntas específicas, mas ao começar a trabalhar em parceria com outros pesquisadores é possível irmos muito mais longe. Por isso o destaque para trabalhos inter, multi e transdisciplinares, para conseguirmos responder melhor a diferentes questões e criar formas de evitar e mitigar os impactos que estamos observando”, diz Andressa Venturini.

Mais informações: e-mail andressa.venturini@alumni.usp.br, com Andressa Venturini

*Estagiária sob orientação de Valéria Dias e Fabiana Mariz

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

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