Foto: CIBFar/USP

Parasita transgênico ajuda a identificar compostos que bloqueiam transmissão da malária

Das 185 moléculass, cinco tiveram sua ação confirmada em experimentos de infecção de mosquitos em Rondônia e nos Estados Unidos

 05/04/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 06/04/2023 as 13:09

Texto: Júlio Bernardes

Arte: Gabriela Varão

Por meio de um parasita geneticamente modificado em laboratório, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP identificaram novas classes de compostos químicos com potencial de bloqueio da transmissão da malária. A versão transgênica do Plasmodium, parasita que causa a doença, permitiu testar 6.631 compostos em condições que reproduzem a fecundação no mosquito vetor da malária, encontrando 185 substâncias que inibem o parasita in vitro em baixas concentrações. Dos compostos identificados, cinco tiveram sua ação confirmada em experimentos de infecção de mosquitos em Rondônia e nos Estados Unidos. A partir dos resultados, novos estudos poderão desenvolver antimaláricos com modo de ação diferente das drogas já conhecidas.

O foco do trabalho são os gametócitos, forma do parasita que infecta o mosquito Anopheles, responsável pela transmissão da doença para seres humanos. Em uma pesquisa anterior, os cientistas do ICB criaram uma versão transgênica do gametócito, capaz de se reproduzir num meio de cultura em placas de laboratório. O parasita geneticamente modificado possui uma enzima que só é produzida quando há formação de zigotos, células resultantes da fecundação do parasita, que normalmente ocorre no intestino dos mosquitos. Em contato com um substrato colocado nos poços da placa, a enzima emite luz sempre que há fertilização, e a detecção por meio de um medidor de luz permite a triagem de um grande número de drogas que impedem a transmissão da malária.

“No primeiro estudo, testamos cerca de 400 compostos com baixa diversidade. Agora, aumentamos a escala de triagem para triar simultaneamente 6.631 compostos no nosso modelo de teste in vitro. Para isso, adaptamos o experimento com o parasita que criamos para placas experimentais com 1.536 poços cada uma”, explica ao Jornal da USP o professor Daniel Bargieri, que coordenou a pesquisa. “Com isso, pudemos testar cada um dos compostos em 15 diluições diferentes, gerando uma curva de atividade de inibição para cada um deles. Os perfis das curvas indicam não apenas se há atividade, mas também o quão potente ela é. Assim, selecionamos 185 compostos que inibem o parasita in vitro em baixas concentrações.”

Daniel Bargieri – Foto: Arquivo pessoal
Daniel Bargieri – Foto: Arquivo pessoal

Mecanismo de ação

De acordo com o professor, muitas dessas substâncias são novas, e indicam novas classes de moléculas para serem pesquisadas. “Além disso, muitos desses compostos já têm predito o seu mecanismo de ação em células”, aponta. “Com isso, pode-se levantar hipóteses sobre processos metabólicos envolvidos na transmissão para serem analisadas em estudos futuros.”

Dos compostos identificados, sete foram selecionados para serem testados em experimentos usando parasitas humanos e mosquitos. “O sangue infectado com o Plasmodium adicionado aos compostos foi oferecido aos insetos para medir a capacidade de bloquear a infecção, e cinco deles tiveram sua ação confirmada”, relata Bargieri. “Os experimentos com mosquitos foram feitos nos Estados Unidos, usando parasitas humanos em culturas de laboratório e mosquitos africanos mantidos em colônia, e em Porto Velho, no Estado de Rondônia, com sangue de voluntários diagnosticados com malária e mosquitos brasileiros mantidos em colônia.”

Mosquito transmissor da malária. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

“Com a identificação de novas classes de compostos, novos estudos poderão ser feitos para desenvolvimento de novas drogas com modo de ação diferente das já conhecidas. Ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de identificação de novos alvos moleculares de antimaláricos no parasita”, afirma o professor do ICB. “Quanto ao tempo para que cheguem à prateleira, é difícil dizer, embora alguns compostos identificados já sejam usados como antimaláricos, mas não para bloquear a transmissão. Com base nos nossos resultados, esses fármacos poderão ser testados para isso, através de testes clínicos que indiquem a dinâmica de tratamento necessária para que haja bloqueio da transmissão.”

O artigo Novel Transmission-Blocking Antimalarials Identified by High-Throughput Screening of Plasmodium berghei Ookluc foi publicado na revista científica Antimicrobial Agents and Chemotherapy em 1º de março. Assinam o trabalho Juliana Calit, Xiomara Gaitán e Daniel Bargieri, do ICB; Jessica Araújo, Maísa da Silva Araújo e Jensen Medeiros, da Plataforma de Produção e Infecção de Vetores da Malária (Pivem), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de Rondônia, em Porto Velho (Rondônia); Bingbing Deng, Kazutoyo Miura, Carole Long, Anton Simeonov e Richard Eastman, do National Institutes of Health (NIH) em Rockville, nos Estados Unidos.

Mais informações: e-mail danielbargieri@usp.br, com o professor Daniel Bargieri


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