Padrão menstrual permite diferenciar síndrome do ovário policístico de outras condições em adolescentes

Pesquisa analisou padrão menstrual de adolescentes, identificando a amenorreia como um marcador para síndrome do ovário policístico

 08/10/2024 - Publicado há 1 mês     Atualizado: 10/10/2024 às 13:49

Texto: Gabriele Mello*

Pesquisa indica que períodos superiores a três meses sem menstruação foram um indicativo de síndrome do ovário policístico – Ilustração: Freepik

A irregularidade menstrual durante a adolescência é uma ocorrência comum, podendo apresentar uma falta de padrão entre os ciclos menstruais nos dois primeiros anos da menarca (nome dado à primeira menstruação da mulher). Uma pesquisa desenvolvida por Lea Suzuki, pós-doutoranda do departamento de ginecologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), identificou uma relação entre a amenorreia – ausência de menstruação – e a síndrome do ovário policístico (SOP), uma alteração crônica que afeta a saúde de forma sistêmica. Por ser baseado apenas em sinais e sintomas de pacientes, a síndrome é um diagnóstico clínico que pode se confundir com outras altrerações nos hormônios reprodutivos.

A amenorreia é a ausência de menstruação por, no mínimo, 3 meses. Apesar de soar como um alarme para muitas mulheres, no início da adolescência a irregularidade menstrual é algo comum. “A gente fez essa pesquisa para identificar o padrão menstrual dessas mulheres. A gente viu é que a própria adolescência traz esse padrão irregular. Mas o que mais comprometia era a amenorreia, nessa diferenciação da SOP para a imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano (HHO) da adolescente”, explica Suzuki sobre o eixo que regula o aparelho reprodutor feminino em suas inúmeras funções.

Para analisar essas diferenças no padrão menstrual em adolescentes, o trabalho realizou uma análise de nove estudos, com mais de 1.700 pacientes participantes entre 10 e 19 anos. O estudo dividiu a amostra em dois grupos: adolescentes diagnosticadas com SOP e adolescentes com imaturidade do eixo HHO, depois os comparou.

Léa Suzuki tem cabelos longos e lisos e veste um jaleco branco

Léa Suzuki é fisioterapeuta e pós-doutoranda da Faculdade de Medicina da USP - Foto: leasuzukifisio/Instagram

artigo que relata a pesquisa informa que as variações nesse eixo HHO durante a puberdade levam a alterações nos hormônios reprodutivos e nos padrões menstruais que “imitam” algumas das características da síndrome dos ovários policísticos (SOP), dificultando seu diagnóstico em adolescentes. O trabalho concluiu ainda que o Índice de Massa Corporal de pacientes com SOP foi quase um terço maior do que o de adolescentes com imaturidade do eixo HHO – outro fator de diferenciação.

Cérebro e útero

A menstruação resulta de uma interação complexa entre cérebro e útero, envolvendo o hipotálamo, a hipófise, o ovário e o endométrio. Neste sistema, o hipotálamo produz hormônios que estimulam a hipófise a produzir outros hormônios: o folículo-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH), que atuam no desenvolvimento, crescimento e liberação de óvulos. Eles agem juntamente com hormônios produzidos nos ovários – o estrogênio e a progesterona – que, ao serem produzidos, estimulam ou inibem o hipotálamo, e assim o ciclo recomeça.

José Maria Soares Júnior tem cabelos curtos e usa terno e gravata

José Maria Soares Júnior - Foto: Lattes

A imaturidade do eixo HHO acontece porque, no início, essa “conversa” não é tão harmônica. A desregulação resulta em uma menstruação irregular, podendo durar entre um e três anos, mas que tende a se estabilizar. 

A SOP, por sua vez, é uma afecção crônica em que o eixo HHO não consegue chegar ao equilíbrio, produzindo sempre mais LH – responsável pela liberação do óvulo – que FSH – que estimula o crescimento e desenvolvimento do óvulo. Por isso, não há ovulação nem menstruação.

“A amenorreia seria pelo menos um parâmetro, apesar de não ser perfeito, que há algo, para os pesquisadores e médicos, em que eles podem se apoiar”, completa José Maria Soares Júnior, chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP e orientador da pesquisa.

Ilustração mostra o útero, as tubas uterinas e os ovários humanos em cor de rosa, em alusão ao Outubro Rosa

A síndrome do ovário policístico é um distúrbio endócrino que causa aumento no tamanho dos ovários e formação de cistos na parte externa dos ovários - Imagem: Freepik

Diagnóstico difícil

A síndrome dos ovários policísticos é a doença que afeta o sistema endócrino mais frequente entre mulheres em idade reprodutiva, atingindo de 6 a 19% desta população, segundo o Ministério da Saúde. No entanto, de acordo com o professor da USP, alguns trabalhos indicam que entre 50 até 70% das adolescentes têm imaturidade do eixo HHO.

“Existe um grande dilema quando há menstruação irregular. É uma preocupação dela [da adolescente] e dos pais”, afirma Soares Júnior. “Eles nos procuram inclusive para tirar essa dúvida, porque vão na internet e, em termos de menstruação irregular, a primeira coisa que chega é a síndrome dos ovários policísticos”, explica.

“Nos três primeiros anos, é melhor falar que existe o risco para ovário policístico, do que dar um diagnóstico errôneo. O mais surpreendente é que existem poucos parâmetros em termos de padrão menstrual para realmente fechar o diagnóstico de SOP”, destaca.

Ainda não se sabe a origem da SOP, mas algumas teorias apontam para uma interação com a insulina, hormônio responsável pela regulação do açúcar no sangue. A SOP afeta a saúde reprodutiva e psicológica de mulheres. Além de causar alterações hepáticas e do sono, os principais sinais da síndrome são o ganho de peso, predisposição à diabetes e aumento excessivo de pelos no rosto e corpo.

Padrão menstrual da mulher paulista

O trabalho é uma revisão sistemática, tipo de pesquisa em que se investiga estudos relevantes para reunir e analisar informações sobre uma questão. Daqui para frente, o objetivo dos pesquisadores é analisar o padrão menstrual das mulheres na prática. Suzuki e Soares Júnior pretendem fazer essa avaliação por meio de dados colhidos em um questionário desenvolvido em parceria com a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, a Febrasgo.

As mulheres paulistas serão o foco dessa nova fase da pesquisa. “[O artigo foi] baseado em estudos de outras populações. Então, o próximo passo é fazer algo nosso, da população de São Paulo, e entender a nossa população, como ela está se comportando. Fazer, na prática, o que a gente viu na teoria através dos estudos”, finaliza Suzuki.

O artigo Menstrual pattern in polycystic ovary syndrome and hypothalamic-pituitary-ovarian axis immaturity in adolescents: a systematic review and meta-analysis pode ser lido aqui.

Mais informações: com Lea Suzuki, pelo e-mail leasuzuki@yahoo.com; ou com José Maria Soares Junior, pelo e-mail jsoares415@hotmail.com

*Estagiária sob supervisão de Fabiana Mariz e Tabita Said


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