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Novas epidemias de chikungunya podem continuar a incapacitar e matar no Brasil
Cidades mais atingidas por epidemias apresentaram alguma proteção contra novos surtos, mas municípios menos expostos a ondas anteriores continuam suscetíveis. Estudo também confirma que mulheres são mais afetadas do que homens
A disseminação do vírus chikungunya (CHIKV) no Brasil desde sua introdução no País há dez anos é detalhada em um estudo internacional com a participação de pesquisadores da USP. A partir da análise de 253.545 casos confirmados em laboratório entre 2013 e 2022, a pesquisa sugere que a doença se distribuiu pelo território brasileiro de forma heterogênea, cidades mais afetadas apresentaram alguma proteção a novos surtos, enquanto municípios menos expostos a ondas anteriores permaneceram mais suscetíveis. As informações levantadas pela pesquisa são apresentadas em artigo da revista científica The Lancet Microbe, publicado em 6 de abril.
“O CHIKV é uma grande ameaça à saúde pública global, e o vírus é transmitido principalmente entre humanos por mosquitos da espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus, os mesmos vetores da dengue e da zika. “Durante os últimos 20 anos, a chikungunya teve mais de 10 milhões de casos relatados em mais de 125 países e territórios”, afirma ao Jornal da USP o virologista William Marciel de Souza, da University of Texas Medical Branch (Estados Unidos), primeiro autor do artigo. “A chikungunya é uma doença febril tipicamente caracterizada por sinais e sintomas humanos agudos e crônicos, geralmente com artralgia grave [dor nas articulações], muitas vezes crônica e incapacitante, mas também incluindo algumas complicações neurológicas e morte. Atualmente não há vacinas licenciadas ou medicamentos antivirais disponíveis para prevenir ou tratar a infecção”.
De acordo com Souza, estima-se que 1,3 bilhão de pessoas vivem em áreas de risco para transmissão do vírus chikungunya, e o Brasil é o país com maior ocorrência de casos da doença nas Américas. “Neste estudo epidemiológico, usamos dados de sequenciamento genômico, informações do vetor do vírus, o Aedes aegypti, e dados clínicos agregados de casos de chikungunya no Brasil, o que representa mais de 250 mil casos confirmados por exames laboratoriais”, relata. “Em seguida, avaliamos a dinâmica espaço-temporal da chikungunya no Brasil por meio de séries temporais, mapeamento, distribuição de idade e sexo, letalidade e análises genéticas, entre outros fatores”.
A pesquisa mostra que entre 3 de março de 2013 e 4 de junho de 2022, foram notificados 253.545 casos de chikungunya confirmados em laboratório em 3.316 (59,5%) dos 5.570 municípios, distribuídos principalmente em sete ondas epidêmicas de 2016 a 2022. “O Ceará foi o mais afetado, com 77.418 casos durante as três maiores ondas epidêmicas, ocorridas em 2016, 2017 e 2022”, aponta o pesquisador. “Assim, sequenciamos os genomas do vírus e identificamos que a recorrência de chikungunya em 2022 no Ceará, após um hiato de quatro anos, foi associada a uma nova introdução de uma linhagem leste-centro-sul-africana, provavelmente originária de outros estados brasileiros. O estudo também estima que essa nova linhagem de CHIKV foi introduzida no Estado entre meados e final de 2021”.
Transmissão
“Com base na análise epidemiológica, identificamos que as recorrências de chikungunya no Ceará, Tocantins e Pernambuco foram limitadas a municípios com poucos ou nenhum caso relatado nas ondas epidêmicas anteriores, indicando que a heterogeneidade espacial da disseminação do CHIKV e a imunidade da população pode explicar o padrão de recorrência no País”, destaca Souza. “Nosso estudo sugere que as populações dos municípios mais afetados pelas ondas epidêmicas de chikungunya apresentaram algum nível de proteção imunológica contra a doença e transmissão que impediu temporariamente a recorrência de surtos explosivos. Em contraste, as populações de municípios menos expostos a ondas anteriores permaneceram mais suscetíveis. Isso resulta na heterogeneidade geográfica da dinâmica de chikungunya no Brasil.”
Segundo o pesquisador, as métricas de densidade populacional do principal mosquito vetor do CHIKV no Brasil, o Aedes aegypti, não foram correlacionadas com locais de recorrência de chikungunya no Ceará e Tocantins. “O trabalho demonstra que as mulheres são afetadas desproporcionalmente [1,5 vezes mais]”, enfatiza, “e estimamos a taxa de mortalidade em 1,3 mortes por 1.000 casos confirmados, o que é maior do que outros arbovírus endêmicos em países tropicais, como dengue e infecções pelo vírus zika.”
“Nosso estudo mostra que as epidemias de chikungunya provavelmente continuarão a ocorrer se nenhuma intervenção for implementada, causando grandes ondas epidêmicas com milhares de casos e mortes devido à heterogeneidade geográfica associada à disseminação ou recorrência do vírus”, alerta Souza.
“Por fim, destacamos que esses resultados serão úteis para informar o setor de saúde pública para antecipar e prevenir futuras ondas epidêmicas no País.”
“Nós contribuímos com o desenvolvimento do protocolo de sequenciamento genético e com a analise dos dados”, afirma a professora Ester Sabino, do
Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT) e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que está entre os autores do artigo. “A epidemia de chikungunya no Brasil está evoluindo de forma muito diferente do que aconteceu na América Latina, e a pesquisa busca descrever em detalhes como isso está acontecendo”. Souza acrescenta que “por exemplo, surtos em países na América Central foram explosivos, infectaram a maioria da população em um curto espaço de tempo, mas no Brasil persistem por mais de dez anos.”
“Participamos do estudo com as análises dos dados brutos gerados a partir do sequenciamento genômico em amostras provenientes do surto de CHIKV no Ceará em 2022”, afirma Ingra Morales Claro, do Imperial College London, que também assina o artigo. “O estudo sugere que o CHIKV continuará a causar grandes ondas epidêmicas devido à heterogeneidade geográfica associada à sua disseminação e à imunidade da população levando ao padrão de recorrência no país”. O trabalho foi conduzido por 26 pesquisadores da University of Texas Medical Branch, Laboratório de Saúde Pública do Ceará, Ministério da Saúde, USP, Unicamp, Universidade Federal de Rondônia e Imperial College London (Reino Unido). As conclusões da pesquisa estão reunidas no artigo Spatiotemporal dynamics and recurrence of chikungunya virus in Brazil: an epidemiological study, publicado na revista científica The Lancet Microbe no último dia 6 de abril.
Chikungunya no mundo
De acordo com relatório recente da Organização Mundial de Saúde (OMS), os mosquitos que transmitem o chikungunya são encontrados em quase todos os continentes, e picam principalmente durante o dia. Até o momento, 115 países relataram a transmissão do CHIKV. “A principal carga da doença se deve às incapacidades crônicas e ao grave impacto na qualidade de vida. As manifestações clínicas variam de acordo com a idade e os recém-nascidos e idosos têm maior risco de doença mais grave. Condições pré-existentes também foram identificadas como um fator de risco para desfechos piores da doença. Surtos atuais de chikungunya ocorrem no Paraguai, Argentina e Bolívia”, diz a OMS.
Apesar de atípicos, foram relatados casos de meningoencefalite aguda e mortalidade em recém-nascidos associada à doença. “Quase 70% das mortes são na população com mais de 60 anos, principalmente com condições como diabetes, hipertensão e imunocomprometidos. 20% das mortes são em recém-nascidos infectados intraparto”, destaca o documento, que também aponta preocupação com o aumento de casos nas Américas e o risco de introdução e disseminação em áreas onde o vírus não circulava antes, mas que têm a presença do mosquito.
Mais informações: e-mail wmdesouz@utmb.edu, com William Marciel de Souza
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