Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Wikimedia Commons, Independentenet e Diariodofla/Reprodução

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No jornalismo esportivo, torcidas organizadas são relacionadas à violência, fidelidade e fiscalização

Ideia de que atos violentos na modalidade advêm apenas das torcidas é reforçada a partir de falas, notícias, comentários e intervenções que ocorreram no jornalismo esportivo

 07/12/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 08/12/2022 as 17:30

Texto: Redação

Arte: Guilherme Castro

Paula Bassi, da Assessoria de Comunicação da Escola de Educação Física e Esporte

A violência no futebol brasileiro e a atuação das torcidas organizadas são temas que se entrelaçam no imaginário popular. A ideia de que atos violentos na modalidade advêm apenas dessas organizações é reforçada a partir de falas, notícias, comentários e intervenções que, historicamente, ocorreram no âmbito do jornalismo esportivo. Para mapear a construção desse discurso, um estudo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP analisou 2.258 notícias referentes às torcidas organizadas, nas quais são relacionadas principalmente à violência, fidelidade e fiscalização.

O trabalho de doutorado de Marcelo Fadori Soares Palhares, orientado pelo professor Ary Rocco Jr., levantou conteúdos publicados em três veículos: Revista Placar e os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Foi selecionado material desde 1969, ano da fundação da Gaviões da Fiel, primeira torcida organizada no Brasil, até o ano de 2020. As notícias destacadas na pesquisa apresentaram três principais discursos: o da fidelidade, o da fiscalização e o da violência. O primeiro refere-se principalmente ao amor da torcida pelo time, e ao compromisso dela em acompanhá-lo e transformar as arquibancadas em festa. O segundo diz respeito à cobrança feita pela torcida sobre o time, frente a algum resultado ou situação insatisfatória. Já o terceiro traz episódios de violência que envolvem a torcida. Neste último, porém, foi identificado que a associação da violência à torcida restringe-se apenas à violência física.

Marcelo Fadori Soares Palhares - Foto: Reprodução/UNESP

Marcelo Fadori Soares Palhares - Foto: Reprodução/UNESP

Como implicação disso, a tese identificou que outros fenômenos violentos além dos físicos, como a homofobia, racismo, xenofobia etc, não se vinculam à palavra violência nas matérias. Assim, o debate sobre o assunto fica reduzido, o que propicia uma associação simplista das torcidas organizadas à violência nos jogos, sendo esta retratada como a grande responsável pelas brigas nas arquibancadas.

Violência

Segundo o pesquisador, a maneira como as matérias tratam essa questão gera uma sensação de paz relativa em situações em que, apesar da ausência de agressões físicas, houve insultos, desrespeito, homofobia, abuso de poder dos policiais, entre outros. Ainda observa que, por conta disso, cria-se uma falsa impressão de que acabar com a torcida organizada traria o fim da violência nos estádios. “Isso levaria esses grupos para a clandestinidade, dificultando, assim, medidas preventivas, bem como o diálogo com essas instituições. Deve-se apontar que diversos atores do cenário do futebol possuem responsabilidade neste contexto: os clubes, as federações, os meios de comunicação, a polícia, os atletas”, complementa.

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As ações para a diminuição das situações de violência na modalidade perpassam por diversas instâncias, desde ajustes na organização dos eventos até a transformação dos valores que regem as práticas dos torcedores organizados. Dado que o interesse em se desvencilhar da imagem da violência, as próprias torcidas organizadas promovem campanhas de prevenção à violência física, reuniões com órgãos públicos e promotores dos eventos futebolísticos. Porém, outros tipos de violência não-física ainda são rotineiras para o torcedor, sem que haja iniciativas específicas voltadas para este contexto.

O pesquisador ressalta o papel social da torcida organizada, que representa um forte canal de identificação e mobilização social. “Este espaço poderia ser utilizado, inclusive, para a construção de valores positivos e participação cidadã, de modo ativo. É um espaço no qual o indivíduo pode se expressar, participar e pertencer a uma coletividade, de modo genuíno e desinteressado”. O pesquisador ressalta o potencial de campanhas acionadas pelas torcidas organizadas, e sua capacidade de alcançar espaços não atingidos pelo poder público. A tese, intitulada Torcidas organizadas e jornalismo esportivo: discursos sobre violência no futebol, foi defendida em julho deste ano e pode ser acessada no Banco de Teses da USP.

Mais informações: e-mail marcelofsp@usp.br, com Marcelo Fadori Soares Palhares


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