Não apenas um: computador quântico mais eficiente prevê uso de múltiplos processadores

Computadores quânticos atuais, usados experimentalmente e em serviços oferecidos na nuvem, apresentam limitações de capacidade, que podem ser superadas com arquitetura distribuída

 Publicado: 10/07/2024     Atualizado: 12/07/2024 as 13:51

Texto: Júlio Bernardes

O computador quântico realiza seu processamento a partir dos princípios da mecânica quântica, oferecendo vantagens na resolução de problemas complexos – Foto: Reprodução/Freepik

O projeto para arquitetura de um computador quântico com múltiplas unidades de processamento é apresentado em artigo do engenheiro de computação Waldemir Cambiucci, doutorando da Escola Politécnica (Poli) da USP. Hoje, os computadores quânticos, disponíveis para usos experimentais e em alguns serviços oferecidos via nuvem para empresas, ainda são baseados em sistemas de processador único, com elevadas taxas de erro, limitando a capacidade e o uso dos dispositivos em cenários complexos.

Embora as pesquisas estejam no início, a arquitetura distribuída poderá aumentar o potencial dos computadores quânticos em aplicações nas áreas de ciências de materiais, química, inteligência artificial, entre outras, além do mercado financeiro. O artigo recebeu o prêmio de melhor trabalho no 1o Workshop de Redes Quânticas (WQUNETS), durante o Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos (SBRC 2024), realizado em maio na cidade de Niterói (RJ).

O trabalho faz parte da pesquisa de doutorado de Cambiucci na Poli, orientada pela professora Regina Melo Silveira, e que tem como co-orientador o professor Wilson Ruggiero. “Os computadores clássicos usam bits, unidades básicas de informação que assumem valores de 0s e 1s. Já os computadores quânticos são baseados em bits quânticos, ou qubits, que podem assumir valores 0, 1 ou uma combinação entre eles ao mesmo tempo, num fenômeno conhecido como superposição”, afirma o engenheiro. “Junto com os fenômenos de emaranhamento e interferência, a superposição é característica de um computador quântico, que realiza seu processamento a partir dos princípios da mecânica quântica, oferecendo vantagens na resolução de problemas complexos”.

Waldemir Cambiucci - Foto: Linkedin
Waldemir Cambiucci - Foto: Linkedin

“A mecânica clássica é o ramo da física que descreve o movimento de objetos macroscópicos sob a ação de forças, utilizando leis formuladas por Isaac Newton, e é aplicável em escalas de tamanho e velocidade comuns de nosso dia-a-dia, explica Cambiucci. “Já a mecânica quântica é o ramo da física que descreve o comportamento de partículas subatômicas, como elétrons e fótons, em escalas muito pequenas, utilizando princípios de probabilidade. Usando a mecânica quântica, um computador quântico pode apresentar uma vantagem exponencial onde máquinas clássicas não conseguem atuar”.

De acordo com o engenheiro, enquanto um computador clássico realiza seus cálculos em Unidades Centrais de Processamento (CPUs), os quânticos usam Unidades de Processamento Quântico (QPUs). “Entre as aplicações que são potencializadas por essas máquinas, estão as simulações moleculares, otimização em logísticas, exploração científica em química ou ciência de materiais, reconhecimento de padrões, entre outras aplicações”, explica. “Também existe potencial para produção de cenários no mercado financeiro e na inteligência artificial, com algoritmos de aprendizado de máquina quântica, ou quantum machine learning”.

“O objetivo do trabalho foi propor uma arquitetura de software para um computador quântico multi-core, ou seja, com múltiplas unidades de processamento, chamadas de QPUs. O desafio nesse tipo de arquitetura está no corte e distribuição do algoritmo quântico entre as unidades presentes”, ressalta o pesquisador. “Ainda é uma tarefa computacionalmente cara criar e manter elas em contato, por isso a segmentação entre processadores quânticos precisa reduzir o custo de comunicação”.

Arquitetura de um computador quântico multi-QPU - Gráfico: cedido pelo pesquisador

Múltiplos processadores

O projeto apresenta uma arquitetura de um computador quântico com múltiplas QPUs, onde diferentes tarefas são realizadas na preparação de um programa quântico antes de sua execução. “Aqui temos etapas como otimização de operações, mapeamento de bits quânticos disponíveis no hardware, agendamento de inicialização, até novas tarefas como agrupamento de portas semelhantes e segmentação do circuito”, aponta Cambiucci. “O desafio é realizar todas essas tarefas no menor tempo, para a execução de circuitos quânticos em cenários reais”.

O pesquisador afirma que não há hoje uma arquitetura com todas as etapas desenvolvidas (full stack) para máquinas com múltiplas QPUs, e os sistemas de computação quântica atuais, chamados de Noisy Intermediate Scale Quantum (NISQ), possuem arquiteturas de processador único com dezenas ou algumas centenas de qubits, ainda com elevadas taxas de erros. “Por isso, discutir e propor arquiteturas distribuídas e multi-QPU é um passo importante na jornada para a computação quântica distribuída”, diz. “Outro diferencial importante do projeto é o método de segmentação de circuitos, que oferece ganhos significativos para a redução dos custos de comunicação entre QPUs”.

Cambiucci observa que já existem computadores quânticos, mas com limites e restrições diversas em relação a número de qubits, fidelidade de portas, taxas de erros, entre outros. “Por isso, são usados em experimentos e exploração, e disponíveis comercialmente disponíveis para empresas explorando cenários de vantagem quântica. A contratação é feita através de subscrição, com os computadores quânticos acessíveis a partir da nuvem”, relata. “A computação quântica distribuída ainda encontra-se nos estágios iniciais, envolvendo máquinas com múltiplas QPUs, links de comunicação clássica e quânticos, além da criação de novos protocolos de comunicação entre máquinas distribuídas”.

“Alguns fornecedores de mercado como IBM, Microsoft, Rigetti, entre outros, já apontam metas para o lançamento de máquinas quânticas multicore ou sistemas distribuídos para os próximos anos. Assim, muita pesquisa ainda está em andamento para a consolidação dessa área”, observa o engenheiro. Cambiucci explica que atualmente a construção de um computador quântico envolve diferentes escolhas, desde a tecnologia usada para a implementação de qubits até as unidades de controle e eletrônica para a manipulação do hardware quântico. “Já vemos no mercado internacional empresas fornecendo componentes de prateleira para a construção de computadores com foco acadêmico e corporativo, para universidades e laboratórios, como Q-Ctrl, Quantum Machines, Zurich Instruments, Bluefors, entre outras”, salienta.

“Para o projeto chegar ao mercado o caminho ainda é longo, devendo passar por simulação em cenários de sistemas distribuídos, até a integração com um desses ambientes de máquinas quânticas reais”, ressalta o engenheiro. “Um primeiro cenário de mercado seria para máquinas quânticas baseadas em qubits supercondutores, usados por fornecedores como IBM, Google, Rigetti, Quantum Circuits Inc. (QCI), Oxford Quantum Circuits (OQC), entre outras, pela proximidade e aderência ao modelo de arquitetura atualmente utilizada”.

A pesquisa para o projeto foi desenvolvida no Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (LARC) da Poli, com orientação da professora Regina Melo Silveira e com co-orientação do professor Wilson Ruggiero. O artigo sobre o estudo, “Arquitetura para sistema de computação quântica distribuída multi-QPU com particionamento de circuitos”, recebeu o prêmio de melhor trabalho no 1o. Workshop de Redes Quânticas (WQUNETS), realizado no Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos (SBRC2024), organizado pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC). O evento aconteceu em Niterói, entre os dias 20 e 24 de maio.

Mais informações: e-mail waldemir.cambiucci@usp.br, com Waldemir Cambiucci

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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