Nanotecnologia desenvolvida na USP substitui agente de contraste por composto mais eficiente e seguro

Nanopartículas de dióxido de titânio revestidas por óxido de ferro têm potencial para revolucionar os exames de imagem baseados em ressonância magnética e angiografia sem alterar os protocolos clínicos já estabelecidos

 Publicado: 28/02/2025 às 8:00

Texto: Bruna Larotonda*

Arte: Simone Gomes

Sala branca com máquinas de tomografia computadorizada de alto ângulo
O uso de agentes de contraste em exames como ressonância magnética permite destacar determinadas regiões que se deseja observar no exame clínico – Foto: Freepik

Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da USP, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP desenvolveu uma nova tecnologia capaz de substituir o composto utilizado nos contrastes comerciais aplicados em procedimentos de obtenção de imagem para diagnóstico clínico – como a ressonância magnética e, especialmente, a angiografia. A tecnologia recém-descoberta baseia-se em nanopartículas ultrapequenas, feitas de dióxido de titânio e revestidas por óxido de ferro (UPN).

Os compostos atualmente disponíveis no mercado podem provocar efeitos nefrotóxicos, principalmente no caso de pacientes com insuficiência renal grave, além da deposição de gadolínio em diferentes órgãos.

Os testes realizados em modelos animais indicaram uma excelente biocompatibilidade do material – ou seja, ele não apresentou toxicidade a diferentes tecidos biológicos – e eliminação pela urina, além de gerar um realce de contraste forte e prolongado, graças à sua estrutura e composição.

Imagens de ressonância magnética (5 acima e 5 abaixo). Acima estão os efeitos com a UPN. Abaixo, com os efeitos do contraste tradicional

Na imagem, observa-se uma comparação entre um contraste tradicional, feito à base de gadolínio (Gd), e outro feito da nanopartícula de titânio e ferro (NP) – Infográfico: extraído do artigo

Outra vantagem conquistada pelos pesquisadores foi a possibilidade de manter os mesmos protocolos clínicos já estabelecidos para a aplicação do contraste à base de compostos de gadolínio, facilitando sua adoção na prática clínica.

Segundo Koiti Araki, professor do Departamento de Química Fundamental do IQ e coordenador do Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia, a mudança de protocolos envolve práticas já bastante consolidadas e quantidades expressivas de investimentos – seja para testar uma nova metodologia, seja para treinar todas as equipes de profissionais envolvidos em sua execução. Assim, é essencial priorizar o mínimo de mudanças com o máximo de benefícios possível para inserir ou substituir qualquer produto inovador no mercado.

Como funciona?

A ressonância magnética é um exemplo de técnica de diagnóstico por imagem não invasiva, que fornece informações detalhadas sobre os órgãos, vasos e outros tecidos do paciente. Funciona como uma foto, só que “de dentro para fora”. Para detectar lesões ou anomalias com maior precisão, a resolução da imagem é comumente melhorada por compostos denominados “agentes de contraste”— uma vez que estes permitem destacar determinadas regiões que se deseja observar no exame clínico.

De maneira simplificada, existem dois tipos de agentes de contraste. Um deles, popularmente chamado de “contraste negativo”, faz com que o órgão ou tecido destacado apareça mais escurecido na imagem. O outro, por sua vez, é conhecido como “contraste positivo” e seu efeito é oposto: ele deixa o local de destaque mais brilhante do que o entorno. Há um consenso de que o segundo tipo de agente tem melhor resolução do que o primeiro, já que permite que o órgão em observação seja mais facilmente diferenciado do restante dos tecidos. Por isso, o produto comercialmente utilizado hoje, feito à base de uma substância chamada gadolínio (Gd), é um agente de contraste do tipo positivo.

Até o momento, muitos grupos de pesquisadores em diferentes países tentaram encontrar substitutos adequados ao gadolínio, que mantivessem tanto as propriedades de resolução do agente de contraste quanto resolvessem o problema da toxicidade. Porém, as melhores soluções encontradas foram contrastes do tipo negativo, somente – o que não se mostrou tão vantajoso do ponto de vista clínico e comercial. Segundo o professor Koiti, que também é um dos autores do estudo, havia uma dificuldade em conseguir a qualidade e a biossegurança no mesmo material, porque isto não é algo simples de se obter. No entanto, após quase uma década de pesquisa, o grupo encontrou o que parece ser a fórmula ideal.

A nanopartícula que compõe o novo agente de contraste é feita de dióxido de titânio e decorada com óxido de ferro. Os dois compostos são essenciais, explica Koiti, porque sem um dos elementos o agente perde as propriedades que o fazem brilhar e ter a melhor resolução possível. Além disso, tanto o ferro quanto o titânio são biocompatíveis e excretados naturalmente pelo organismo, o que reforça a questão central da segurança no objetivo de pesquisa do grupo.

Contraste clássico X Nova tecnologia

Sequência de séries de imagens de ressonância magnética mostra a injeção gadolínio em rato Wistar, em que é possível visualizar o aumento do brilho nos vasos sanguíneos, coração, fígado e rins.

Sequência de séries de imagens de RM mostra a injeção de UPN em rato Wistar, em que é possível visualizar o aumento do brilho nos vasos sanguíneos, coração, fígado e rins

Por fim, outra característica observada nos testes foi que, ao comparar o novo material com o agente de contraste tradicional, o produto à base de nanopartículas teve um tempo de circulação médio duas vezes maior. Isto significa que a substância, após injetada, permanece na circulação sanguínea do paciente por um tempo prolongado até ser completamente eliminada – o que pode ser vantajoso, no caso de exames que requerem a visualização de vasos sanguíneos, como é o caso da angiografia.

Informações adicionais sobre o estudo podem ser lidas no artigo Novel Gadolinium-Free Ultrasmall Nanostructured Positive Contrast for Magnetic Resonance Angiography and Imaging, publicado na revista científica Nano Letters.

Mais informações: koiaraki@iq.usp.br, com Koiti Araki

*Da Assessoria de Comunicação do IQ, adaptado para o Jornal da USP


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