Fotomontagem feita por Jornal da USP com imagens de CTIO, HST e GMOS/IFU - Diving 3D

Mapeamento mostra em detalhes os núcleos ativos de 170 galáxias

Projeto Diving 3D foi realizado por uma colaboração entre cientistas brasileiros e se destaca pela alta resolução dos dados

 25/04/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 28/04/2022 as 18:08

Autor: Assessoria de Comunicação do IAG

Arte: Guilherme Castro/Jornal da USP

Um novo levantamento astronômico obteve dados em alta resolução espacial da região central de 170 galáxias visíveis no Hemisfério Sul. O survey Diving 3D (acrônimo para Deep IFS View of Nuclei of Galaxies, ou Visualização Profunda de Núcleos de Galáxias com Espectroscopia de Campo Integral) é resultado de uma colaboração de astrônomos de diversas instituições brasileiras e foi apresentado em artigo publicado no periódico especializado Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (MNRAS).

“Escolhemos todas as galáxias do Hemisfério Sul mais brilhantes do que um valor de referência, que é a magnitude 12 na banda espectral B (azul), mas evitamos as galáxias que estão visualmente muito próximas ao plano da nossa galáxia, porque a poeira da Via Láctea atrapalha a observação”, conta Roberto Bertoldo Menezes, professor do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) e um dos autores do trabalho.

Essas observações são de bastante interesse para a Astronomia, porque ajudam a identificar e classificar Núcleos Ativos de Galáxias (AGN, da sigla em inglês Active Galactic Nuclei), isto é, galáxias que emitem grande quantidade de energia em seu centro. “Queremos estudar a natureza da emissão nuclear, os mecanismos físicos que a geram e quais os efeitos que ela causa no ambiente ao seu redor”, explica a astrofísica Patrícia da Silva, que também é uma das autoras do artigo. Por meio do levantamento, torna-se possível obter dados estatísticos sobre a frequência de galáxias com núcleos ativos.

Roberto Bertoldo Menezes, professor assistente do Instituto Mauá de Tecnologia e um dos autores do trabalho - Foto: Acervo pessoal

Roberto Bertoldo Menezes, professor do Instituto Mauá de Tecnologia e um dos autores do trabalho - Foto: Acervo pessoal

Foram mapeadas somente as regiões centrais de cada galáxia da amostra. “É como uma lupa para obtermos uma imagem bem detalhada do centro das galáxias”, compara Roberto Cid Fernandes, membro da colaboração e professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Isso significa que os dados do Diving 3D se destacam pela alta resolução espacial. Para Patrícia, que atualmente é pesquisadora de pós-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, este é o principal diferencial do Diving 3D. “Isso ajuda a ter uma precisão maior na determinação e na classificação desses AGNs”, reforça.

Para obter alta qualidade de resolução espacial, também foi essencial restringir a coleta de dados somente a noites com condições ideais de observação. Adicionalmente, a equipe do Diving 3D aplicou técnicas para aprimorar a qualidade das imagens, removendo ruídos e amplificando características que estavam escondidas. “Uma boa atmosfera é o mais importante, mas o trabalho que o grupo de São Paulo fez no processamento das imagens foi pioneiro”, avalia Roberto Cid Fernandes, da UFSC.

Estudando o núcleo de galáxias em quatro frentes

A maior parte das observações foi feita com o telescópio Gemini Sul, com outros objetos tendo sido observados com o Gemini Norte e com o telescópio SOAR (SOuthern Astrophysical Research Telescope), e o projeto Diving 3D inclui objetos observados entre 2008 e 2019.

O Diving 3D trabalha com cubos de dados, isto é, conjuntos de dados com duas dimensões espaciais e uma dimensão espectral. “Em um cubo de dados você consegue obter imagens de um mesmo objeto em diferentes comprimentos de onda e também espectros – que nada mais são do que decomposições da luz indicando quanta luz está sendo recebida em cada comprimento de onda – de diferentes regiões espaciais desse objeto”, explica Roberto Menezes.

O projeto possui quatro objetivos, sendo o principal deles a identificação e análise das propriedades da emissão nuclear, isto é, das emissões vindas especificamente do núcleo da galáxia. “Uma fonte nuclear pode ser um AGN, que corresponde a um buraco negro supermassivo que está acretando matéria, ou um núcleo onde a formação estelar é predominante”, conta Patricia. Devido à alta resolução espacial dos dados do Diving 3D, é possível detectar e classificar mesmo os AGNs com baixa atividade.

O segundo objetivo é a identificação e análise das propriedades da emissão circumnuclear, isto é, das regiões ao redor da fonte nuclear. De acordo com Patrícia, “essas emissões podem ser causadas por influência do AGN, mas também podem ser regiões com sua própria emissão, como regiões onde estão se formando estrelas”.

Patrícia da Silva, pesquisadora de pós-doutorado no IAG e uma das autoras do trabalho - Foto: Acervo pessoal

Patrícia da Silva, pesquisadora de pós-doutorado no IAG e uma das autoras do trabalho - Foto: Acervo pessoal

Esses dois primeiros objetivos se articulam no terceiro, que é a análise da cinemática estelar e de gás ao redor do núcleo. A expectativa dos pesquisadores é que os dados do Diving 3D sejam usados na estimativa das massas desses buracos negros. Embora não seja possível enxergar o buraco negro supermassivo no centro da galáxia, as observações da amostra possibilitam a medição das velocidades do movimento de gás e de estrelas ao redor dele.

Dessa forma, torna-se possível estudar as correlações entre as massas dos buracos negros supermassivos e certos parâmetros das suas galáxias hospedeiras, o que pode fornecer informações relevantes sobre o processo de formação e evolução das galáxias. Roberto Menezes, do IMT, avalia que surveys como o Diving 3D são essenciais para esse tipo de pesquisa: “para estudar essas correlações, você precisa de um censo suficientemente completo dessas massas”.

O quarto objetivo diz respeito à arqueologia estelar, isto é, obter informações sobre o histórico de formação estelar de cada galáxia. As populações estelares são estudadas por meio de informações como a idade, as abundâncias químicas e a presença de poeira.

“É como o censo de uma cidade. Se todos em uma cidade são mais velhos, sabemos que não tem nascido criança há muito tempo. Se uma outra cidade tem uma população de jovens com poucas pessoas mais velhas, sabemos que a história dessa cidade é outra”, explica Roberto Fernandes, da UFSC. “O mesmo ocorre com as populações estelares: olhando a distribuição de idades, é possível reconstruir a história dessa região central da galáxia.”

Trabalhos publicados e em andamento

O artigo publicado no MNRAS tem como primeiro autor João Steiner, professor do IAG morto em 2020. “Ele idealizou e desenvolveu o Diving 3D. Ele é o fundador do survey e, por isso, é o primeiro autor deste artigo”, diz Roberto Menezes.

O survey começou a ser elaborado a partir de observações individuais de galáxias e de conjuntos menores de objetos. “Eu acompanhei a construção desde o começo, porque eu estava no comitê do Gemini na época em que o João enviava os projetos. O grupo dele foi um dos primeiros a explorar, a fazer um bom uso daquele Telescópio”, relembra Roberto Fernandes. “Eles enviavam projeto [de observação] de uma galáxia, depois observavam outra, e a cada semestre iam acumulando mais e mais galáxias, pouco a pouco”, completa.

João Steiner, professor do IAG, que faleceu em 2020 - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens​

João Steiner, professor do IAG que faleceu em 2020, é o primeiro autor do trabalho - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Dessa forma, o Diving 3D já contava com 20 trabalhos publicados antes mesmo da sua primeira liberação de dados. “Começamos a publicar sobre objetos individuais, e só agora, com praticamente todos os dados, foi possível publicar o artigo com resultados estatísticos”, justifica Roberto Menezes. Um exemplo de pesquisa sobre objetos individuais é o mestrado que Pedro Henrique Cezar está concluindo no IAG, analisando de forma aprofundada a região central de NGC 5643, uma das galáxias mapeadas no Diving 3D.

Imagens da galáxia NGC 2442, que faz parte da amostra do projeto Diving 3D. A imagem à esquerda foi obtida com o Cerro Tololo Inter-American Observatory (CTIO) e também mostra o campo de visão (field of view – FOV) de uma imagem desse mesmo objeto obtida com o Hubble Space Telescope (HST), ao centro. Nesta última é mostrado o FOV do cubo de dados dessa galáxia, obtido para o projeto Diving 3D com o Integral Field Unit (IFU) do Gemini Multi-Object Spectrograph (GMOS) no telescópio Gemini Sul. A imagem desse cubo de dados é mostrada à direita.

Foi também o caso da pesquisa de Patrícia da Silva, que estudou os núcleos de quatro galáxias gêmeas da Via Láctea em sua dissertação de mestrado, expandiu para um conjunto de dez gêmeas em sua tese de doutorado, e agora dá continuidade a esse trabalho liderando um projeto para analisar todas as gêmeas morfológicas da Via Láctea pertencentes ao Diving 3D. “No meu projeto, eu estudo somente esses tipos morfológicos que são parecidos com a nossa galáxia. São quinze galáxias, a princípio, e eu faço todo o estudo dos quatro objetivos gerais do Diving 3D aplicados a esse tipo morfológico”, resume a astrofísica do IAG.

Roberto Menezes, do IMT, também lidera um projeto de pesquisa fazendo a análise preliminar da emissão nuclear em uma subamostra com as 57 galáxias mais brilhantes do survey (com magnitude, na banda B, de até 11,2). No artigo, que já foi submetido para publicação, o grupo identificou a fração de galáxias que possuem AGNs e classificou os núcleos ativos encontrados. O pesquisador também está conduzindo a análise de uma subamostra contendo as galáxias espirais do survey, focada nos quatro objetivos gerais do projeto.

Outras pesquisas em andamento com o Diving 3D incluem um trabalho com galáxias elípticas e lenticulares, liderado por Tiago V. Ricci, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo/RS. A análise é bastante ampla e deve gerar estatísticas de todas as características de objetos destes tipos na amostra. Já Daniel May, pesquisador de pós-doutorado no IAG, está preparando uma análise que compara dados ópticos de um conjunto de galáxias do Diving 3D com dados no infravermelho, que sofrem menor influência do obscurecimento causado por poeira interestelar.

Acesso a dados

A equipe do Diving 3D está finalizando a observação das últimas galáxias do conjunto de 170 do survey. Os membros da colaboração já trabalham em projetos para análise dos dados obtidos.

O trabalho do grupo está disponível no site do survey (diving3d.maua.br), que futuramente irá abrigar o repositório oficial do Diving 3D. Para acesso aos cubos de dados, o contato deve ser feito pelo email diving3d@gmail.com. A maior parte dos dados originais (sem tratamento) das observações são públicos e podem ser acessados pela comunidade científica no repositório do Observatório Gemini (https://archive.gemini.edu/searchform).

O survey DIVING3D é uma colaboração entre pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

As pesquisas receberam financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).

Os dados foram obtidos com equipamentos dos Observatórios Gemini Sul, Gemini Norte e SOAR (SOuthern Astrophysical Research Telescope).

Da Assessoria de Comunicação do IAG

Mais informações: Tiago Vecchi Ricci, e-mail: tiago.ricci@uffs.edu.br; Roberto Bertoldo Menezes, e-mail: roberto.menezes@maua.br; e Patrícia da Silva, e-mail: patricia2.silva@alumni.usp.br


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.