Novos indícios sugerem que, por volta de 700 anos atrás, macacos-prego já usavam ferramentas para quebrar castanhas-de-caju e extrair a parte comestível. As caravelas portuguesas ainda não tinham chegado à costa brasileira com utensílios mais sofisticados, que de qualquer maneira até hoje não estão à disposição dos animais na Serra da Capivara, no Piauí.
“É o primeiro relato de ferramentas de macacos-prego no registro arqueológico”, disse o biólogo Tiago Falótico em entrevista à Agência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Falótico, que é pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Psicologia (IP) da USP, e o colega Eduardo Ottoni, seu supervisor, há tempos estudam o comportamento de macacos-prego e especificamente o uso de ferramentas por esses primatas da espécie Sapajus libidinosus, com o apoio da Fapesp, no âmbito de um Projeto Temático e de uma Bolsa de Pós-Doutorado (leia mais sobre o assunto na matéria publicada na Revista Pesquisa Fapesp). Nos últimos três anos, em parceria com o arqueólogo Michael Haslam, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, eles aprofundaram os estudos no tempo.
O grupo fez escavações em uma área no Parque Nacional da Serra da Capivara e descobriu que as mesmas configurações de ferramentas observadas hoje aparecem em camadas correspondentes a períodos que chegam ao século 13, como mostra artigo publicado em 11 de julho na revista Current Biology.
“Os macacos escolhem pedras maiores para bater nas castanhas e as deixam acumuladas junto aos cajueiros”, disse o pesquisador. Segundo ele, as datações por radiocarbono são bem precisas e permitem esse refinamento de datas. Camadas ainda mais antigas, que podem chegar a 3 mil anos atrás, ainda estão sendo analisadas.
As 69 ferramentas encontradas são muito semelhantes às usadas hoje: pedras achatadas servem como base e são pelo menos quatro vezes mais pesadas do que aquelas usadas como martelos – também pelo menos quatro vezes mais pesadas do que a média dos pedregulhos encontrados por perto (ver comportamento em vídeo). Análises químicas confirmaram que manchas escuras nas rochas indicam que foram usadas para quebrar castanhas-de-caju. A constância indica que a transmissão de conhecimento, hoje evidente entre macacos mais experientes e mais jovens, vem acontecendo há pelo menos uma centena de gerações.
Até agora, o uso pré-moderno de ferramentas por não humanos só tinha sido descoberto em chimpanzés na Costa do Marfim. No período pré-colombiano, os macacos da Caatinga brasileira conviviam, até certo ponto, com pessoas que habitam a região há pelo menos 10 mil anos. Mas não há indícios de atividade humana no sítio arqueológico primata. “Todos os fragmentos de carvão que analisamos têm origem em queimadas naturais”, afirmou Falótico. Brasas são a forma comum de humanos processarem as castanhas-de-caju para eliminar as substâncias indigestas. Quem gosta de uma castanha torrada sabe. Falótico, que já deu uma mordida cautelosa numa castanha crua, também.
O artigo Pre-Columbian monkey tools, de Haslam, M. e outros, publicado em Current Biology, está acessível neste endereço.
Maria Guimarães/Revista Pesquisa Fapesp