Luz visível nas faixas violeta e azul tem efeitos similares aos da radiação UVA em células da pele

A partir de seus estudos, pesquisador do Instituto de Química vem alertando profissionais e indústria que os filtros solares disponíveis não protegem contra a luz visível

 22/05/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 24/05/2023 as 12:30

Texto: Assessoria de Comunicação do Cepid Redoxoma

Arte: Gabriela Varão

Foto: Pexels

Um estudo do Centro de Pesquisa Redoxoma, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), indica que os filtros solares disponíveis, que protegem contra radiação ultravioleta (UVB e UVA), podem não ser suficientes para a proteção efetiva da pele.

Liderados pelo professor Maurício Baptista, do Instituto de Química (IQ) da USP, os cientistas estabeleceram o espectro de ação da luz visível em células da epiderme – os queratinócitos – e mostraram que a radiação nas faixas violeta e azul pode ter efeito tóxico nelas. Dependendo do tempo de exposição, são geradas moléculas prejudiciais de espécies reativas, lesões no DNA e danos em organelas celulares como as mitocôndrias e os lisossomos. Também ocorre o acúmulo do pigmento lipofuscina, que aumenta a sensibilidade das células à luz visível. Essa é primeira vez que são comparados os efeitos das diferentes faixas de luz visível em termos de fototoxicidade nessas células.

“Nosso artigo mostra que o high energy blue, que chamamos aqui de violeta, deveria ser um dos alvos importantes para o desenvolvimento de protetores solares. O violeta é bem próximo de 400 nanômetros, que é a linha que separa o UVA do visível. Essa linha não tem uma razão específica para a pele. Ela tem uma razão para os nossos olhos, porque temos receptores que ‘enxergam’ o violeta e o azul, mas não ‘enxergam’ o UVA. Porém, em termos de comprimento de onda e de efeito biológico, essas faixas da radiação são muito parecidas entre si”, afirma Baptista. Os resultados da pesquisa, realizada durante o doutorado de Paulo Newton Tonolli, primeiro autor do artigo, foram publicados no Journal of Photochemistry & Photobiology, B: Biology.

Maurício da Silva Baptista - Foto: Arquivo pessoal

Maurício da Silva Baptista – Foto: Arquivo pessoal

Infelizmente, segundo os pesquisadores, a maioria das pessoas, incluindo profissionais de saúde, continua desconhecendo os efeitos da luz visível na pele, e a maioria das empresas que produzem filtros solares desconsidera o fato de que a luz visível penetra mais profundamente na pele e induz a desequilíbrios e a outras respostas celulares semelhantes às induzidas por UVA.

Pegar sol é saudável, o que faz mal é o excesso, alerta Baptista, que também está estudando os benefícios da luz para a saúde humana. A luz visível exerce efeitos positivos, como regeneração tecidual e alívio da dor, e mesmo a radiação ultravioleta tem papéis benéficos, como, por exemplo, na síntese de vitamina D. Tudo é uma questão de dose.


 

O problema é que as pessoas se sentem protegidas pelo filtro solar e abusam do tempo sob o sol. Com o filtro, elas podem estar protegidas contra a radiação ultravioleta, mas não contra a luz visível.”

 


Um indicador de que algo não vai bem é que, apesar dos esforços para a detecção precoce e prevenção do câncer de pele, a prevalência desta doença vem aumentando sistematicamente no mundo. Os dados são apontados no artigo The global burden of skin cancer: A longitudinal analysis from the Global Burden of Disease Study, 1990-2017, publicado no Journal of the American Academy of Dermatology (JAAD International), em 2021.

Efeitos tóxicos

Nossa pele é constantemente atingida pela luz. São bilhões de fótons que penetram nas diferentes camadas da pele, influenciando sua fisiologia. Os mecanismos de dano induzidos pela radiação solar se devem principalmente à fotossensibilização, um processo no qual fotossensibilizadores transformam a energia da luz em reatividade química. Os fotossensibilizadores são moléculas que absorvem a energia dos fótons e passam do estado fundamental para o estado excitado, que é mais reativo.

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A luz visível compreende grande parte da energia da luz solar que alcança a superfície terrestre, envolvendo a faixa de comprimentos de onda de 400 a 750 nanômetros. Para investigar as diferenças entre essas faixas de luz visível, os pesquisadores irradiaram queratinócitos de pele humana de uma linhagem imortalizada (chamados HaCaT) com doses fisiologicamente relevantes das quatro principais regiões da luz visível — violeta, azul, verde e vermelha.

Eles viram que o componente violeta/azul da luz visível se comporta de forma semelhante à radiação UVA em queratinócitos, produzindo lesões no DNA. Além disso, o violeta/azul nas doses analisadas causa o mau funcionamento das mitocôndrias e lisossomos, duas organelas-chave para a manutenção da viabilidade celular, provocando o acúmulo de lipofuscina – um agregado de biomoléculas e membranas oxidadas resultante da digestão incompleta pelos lisossomos danificados pela exposição ao violeta/azul, que aumenta a sensibilidade das células à luz visível.

Luz visível danifica mitocôndrias e lisossomos, bloqueando o processo de autofagia e gerando o acúmulo de grânulos de lipofuscina, que é um fotossensibilizador para a luz visível. Além disso, os processos de fotossensibilização produzem espécies reativas de oxigênio, que podem causar lesões no DNA nuclear e mitocondrial (mtDNA) – Figura: M. Baptista et al.

Em todos os experimentos, a luz violeta se mostrou mais tóxica do que a azul, que, por sua vez, é mais tóxica do que a verde. Apenas a luz vermelha, na dose utilizada, não causou danos significativos aos alvos biológicos estudados. “Isso acontece porque há mais fotossensibilizadores endógenos que absorvem no violeta do que no azul e no verde, e quase nenhum no vermelho. Esses fotossensibilizadores são a chave central de tudo isso”, explicou Baptista.

Os raios UVB são os mais deletérios para o ser humano porque são absorvidos pelo DNA e o efeito fotoquímico é mais direto. “O próprio DNA é o fotossensibilizador da radiação UVB.” No caso da luz visível, a fotossensibilização é indireta e depende dos vários fotossensibilizadores endógenos presentes na pele humana, que absorvem a radiação e geram oxidantes reativos. Os fotossensibilizadores são principalmente vitaminas, coenzimas e outros cofatores, incluindo flavina, ácido fólico, nicotinamida, porfirinas e seus derivados, bem como pigmentos como melanina e lipofuscina. A suscetibilidade de células, tecidos e organelas a danos causado pela radiação solar depende da presença e da concentração desses fotossensibilizadores endógenos. “Mitocôndrias e lisossomos, por exemplo, têm uma grande quantidade de flavinas”, afirma o pesquisador.

A luz visível representa cerca de 47% da radiação solar total que atinge a pele humana, em comparação com cerca de 5% de radiação UV. E também é a faixa espectral que forma os maiores níveis de radicais livres – as espécies reativas – gerados na pele sob exposição solar, respondendo por 50% do total.

Parcerias

Há vários anos e com inúmeras contribuições científicas, Maurício Baptista vem alertando para a necessidade de novas estratégias de proteção solar que levem em conta os efeitos danosos da luz visível.

Vice-coordenador de Transferência de Tecnologia do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) Redoxoma, ele é consultor em parcerias do centro com duas empresas interessadas em métodos de detecção de danos causados pela radiação visível. Uma é a Medcin Vitro, do grupo Medcin, que, entre outras atividades, testa a eficácia de produtos dermatológicos e está desenvolvendo testes para avaliar efeitos antioxidantes e de proteção contra a luz visível. “Dois sócios da empresa são pesquisadores associados ao IQ e temos dois convênios com a FUSP [Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo]”.

Protetor solar - Imagem: Freepik

Imagem: Freepik

Também a empresa internacional Beiersdorf, dona das marcas Nívea, Coppertone e Eucerin, está em contato com o pesquisador com o objetivo de aplicar os testes descritos no artigo em células tratadas com um produto desenvolvido para conferir proteção contra luz visível.

“Finalmente, agora estamos, eu e vários outros, conseguindo sensibilizar as empresas que produzem filtros solares”, afirmou o pesquisador.

O artigo The phototoxicity action spectra of visible light in HaCaT keratinocytes, de Paulo Newton Tonolli, Carlos M. Vera Palomino, Helena C. Junqueira e Mauricio S. Baptista, pode ser lido aqui.


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