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Impacto pré-histórico remodelou o solo de São Paulo
O último grande terremoto que atingiu a região onde hoje fica a metrópole paulistana provavelmente foi causado pela queda de um objeto espacial na atual Zona Sul
Os professores Renato Henrique-Pinto e Mauricio Guerreiro Martinho dos Santos sobre um raro afloramento de rochas na Zona Oeste de São Paulo - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Uma descoberta inesperada revelou que algumas estruturas geológicas da cidade de São Paulo foram geradas através de um terremoto há milhões de anos. Segundo os pesquisadores, o abalo provavelmente foi causado pela queda de um meteorito onde hoje resta uma cratera de 3,6 quilômetros de diâmetro no extremo sul do município de São Paulo. O impacto teria causado um tremor de magnitude maior que 5,5 na escala de Richter, algo próximo da energia liberada pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos em Hiroshima em 1945.
“Se acontecesse hoje, não sei se sobraria algum edifício em pé”, comenta o professor Renato Henrique-Pinto, do Instituto de Geociências (IGc) da USP. O choque deformou os sedimentos de todo o entorno.
Renato Henrique-Pinto - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A queda do meteorito formou a Cratera de Colônia, a cerca de 40 quilômetros ao sul do que hoje é o centro da cidade, o que, pelas vias atuais, significa uma viagem de quase duas horas de carro. A imensa formação passou despercebida até o início da década de 1960, quando fotos aéreas e, mais tarde, imagens de satélite revelaram as bordas do enorme círculo no distrito de Parelheiros.
O novo estudo é o primeiro a documentar vestígios de abalos sísmicos de magnitudes tão altas no terreno de São Paulo, como o professor conta ao Jornal da USP . “Provavelmente a idade da sedimentação é muito mais nova do que se propõe na literatura hoje em dia.”
Durante a pandemia de covid-19, com as viagens para trabalhos de campo paralisadas, ele e o professor Mauricio Guerreiro Martinho dos Santos, da Universidade Federal do ABC (UFABC), começaram a mapear as rochas e sedimentos da Cidade Universitária da USP na cidade de São Paulo. Esse terreno faz parte da bacia sedimentar que compreende toda a Região Metropolitana.
O trabalho não teve nenhum financiamento, nem precisou de muitos recursos, como detalha Mauricio dos Santos. “Nós andamos, usamos lupa, martelo e bússola, basicamente estudando barrancos. Nós tiramos fotografias, descrevemos os sedimentos, vimos o tipo de mineralogia, os tipos de estruturas e como os sedimentos chegaram lá.”
O que nos motivou, a princípio, é termos nascido em São Paulo e lembrarmos daquele sedimento vermelho e rosado, brincando no jardim”, justifica Renato. “Nós dois fomos formados na USP e nunca nos mostraram o que é isso, então fomos atrás por uma curiosidade sobre o subsolo sobre o qual a gente vive e acabamos nos deparando com coisas maravilhosas.”
Mauricio Guerreiro Martinho dos Santos
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Como a análise das rochas expostas na USP indicava que um tremor teria remodelado a paisagem, os dois geólogos resolveram verificar outras rochas expostas em parques e praças da capital paulista. Calculando a direção e o tamanho das ranhuras, foi possível estimar o nível do abalo e constatar que o epicentro foi a cratera. “A maior parte dessas feições, senão todas, foram geradas por um mesmo evento de grande magnitude”, aponta Mauricio. A cratera tem por volta de 450 metros de profundidade e o objeto provavelmente caiu entre 2,5 e 5 milhões de anos atrás.
O professor da UFABC usa uma metáfora para explicar a descoberta. “Os sedimentos da Bacia de São Paulo têm uma camada de areia e uma de argila, outra de areia e outra de argila. Se eles não fossem perturbados, estariam como camadas de bolo, mas há dentro desse bolo algumas dobras, como se o bolo fosse torcido; uns escapes, como se o creme do recheio subisse. É uma ‘bagunça’ que não é feita pelos processos que depositam os sedimentos.”
Diques clásticos
Durante o terremoto, a pressão do fluxo de água cheia de areia quebrou as camadas de sedimentos mais impermeáveis, se infiltrando por pequenos tubos conhecidos como diques clásticos. Ao longo de milhões de anos sem nenhuma outra mudança significativa, os grãos dessa areia movediça se uniram formando rochas de arenito que frequentemente se parecem com raízes de árvores. Composto majoritariamente de ferro, esse minério foi usado para fabricar bolas de canhões e sinos ainda no século 17, os primeiros materiais de siderurgia fabricados em território brasileiro.
Os diques clásticos são visualmente semelhantes a raízes de árvores, mas na verdade são rochas que se formam nos canais onde a água cheia de areia sob o solo percorre durante os intensos abalos - Fotos: Marcos Santos/USP Imagens
Essas deformações no subsolo são observadas atualmente em todo o planeta em locais onde ocorrem terremotos, sendo alguns deles causados pela queda de meteoritos. “O fundamento da geologia é interpretar o passado através do que a gente vê no presente”, sintetiza Mauricio dos Santos.
A existência da Cratera de Colônia é um alívio para os paulistas, nesse sentido. Uma outra possibilidade para a origem do terremoto seria o movimento de placas tectônicas. Nesse caso, haveria o risco de um fenômeno tão perigoso quanto esse ocorrer novamente a qualquer momento.
Maurício aferindo a direção da ranhura de uma rocha. O conjunto dessas medidas indicam o epicentro do tremor na direção da Cratera de Colônia, na Zona Sul de São Paulo - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A cratera está coberta por sedimentos que formam uma planície. Sobre ela ficam os bairros de Colônia e de Vargem Grande. Na base do impacto, foram encontradas fraturas nas rochas e minerais que foram altamente pressionados, mas o objeto que caiu nunca foi identificado. As extremidades, erguidas a 120 metros do terreno pantanoso central, são cobertas por vegetação.
Como a metrópole paulista é quase totalmente coberta por asfalto e concreto que dificultam a investigação, os rastros do tremor no subsolo nunca foram largamente analisados. “São raríssimos os afloramentos onde as rochas se expõem aqui em São Paulo”, diz Renato Pinto.
Além da análise das rochas mais superficiais, os pesquisadores recuperaram estudos feitos para as obras das linhas do Metrô e outros documentos sobre o terreno da cidade. A nova hipótese aponta que essas estruturas foram desencadeadas há cerca de 2,5 milhões de anos – durante o final do Plioceno até o início do Pleistoceno. Isso pode significar que a Bacia de São Paulo é mais jovem do que se pensava.
A estudante de geologia Alexia de Oliveira Ramos observa rocha resultante da deposição de areia nos diques criados pelo abalo há milhões de anos - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O próximo passo da pesquisa consistirá em datar quando os sedimentos foram depositados para provar a correlação com a cratera. Justamente por serem formações relativamente recentes, essa tarefa é mais difícil pelos métodos tradicionais.
Mais informações: e-mails renatohp@usp.br, com Renato Henrique-Pinto, e santos.mauricio@ufabc.edu.br, com Mauricio Guerreiro Martinho dos Santos
*Estagiário sob supervisão de Fabiana Mariz
**Estagiárias sob supervisão de Moisés Dorado
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