Entendendo a biomecânica das aterrissagens da ginástica artística

Trabalho de pesquisadores com atletas de elite da modalidade revelou os fatores biomecânicos de uma aterrissagem ideal

 25/09/2024 - Publicado há 5 meses     Atualizado: 15/10/2024 às 7:27

Texto: Redação*

Arte: Beatriz Haddad**

Um dos maiores desafios enfrentados pelos atletas da ginástica artística é a finalização, ou “chegada”, de uma série em aparelhos. Pequenos deslizes na hora da aterrissagem podem resultar em perda de medalhas ou, até mesmo, em uma lesão. Os fatores que determinam o sucesso ou a ocorrência de falhas nesse momento podem estar relacionados à biomecânica, como mostrou uma pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. O estudo, realizado entre 2016 e 2020 por Franklin de Camargo Júnior, sob orientação do professor Alberto Carlos Amadio, analisou saídas de barra fixa realizadas por atletas de elite e explorou a matemática por trás de uma aterrissagem de sucesso.

A saída dos aparelhos é um dos momentos mais difíceis para os ginastas. De acordo com Camargo Júnior, ex-aluno e pesquisador do Comitê Olímpico do Brasil (COB), a ideia de estudar o tema surgiu enquanto analisava a prática dos atletas em fase de preparação para a Olimpíada do Rio 2016. “Esse problema de pesquisa tomou forma enquanto trabalhava com a Seleção Brasileira de Ginástica Artística”, comenta. “Na época, duas questões nos deixavam inquietos: o efeito das falhas de chegada nas notas em competição e o risco de lesões associadas às aterrissagens ineficazes”.

Na ginástica artística, a pontuação é definida pela soma das notas de dificuldade e execução, com deduções a cada falha cometida. A Federação Internacional de Ginástica (FIG) estabelece que as aterrissagens estão sujeitas a deduções de 0.1 a 1.0, quando ocorrem desde um pequeno desequilíbrio a uma queda. O pesquisador aponta que, com provas cada vez mais definidas por detalhes no alto rendimento, um pequeno passo na aterrissagem pode ser o suficiente para tirar um atleta do pódio. Os mais recentes Jogos Olímpicos, disputados em Paris em 2024, confirmam a atualidade da pesquisa. Na barra fixa, por exemplo, a disputa nas últimas três edições demonstra que uma aterrissagem ideal, sem passos ou quedas, pode fazer grande diferença.

Foto do pesquisador Franklin de Camargo, um homem branco, de cabelos, barba e olhos escuros. Ele usa uma camisa azul claro e está sorrindo
Franklin de Camargo Júnior - Foto: Lattes

Pontuação em finais olímpicas de barra fixa nas últimas três edições dos Jogos Olímpicos mostra que uma aterrissagem ideal, sem passos ou quedas, pode fazer muita diferença – Imagem: Divulgação/EEFE-USP

Biomecânica

A biomecânica analisa os movimentos realizados por seres vivos a partir da física. Para chegar aos resultados, o estudo mediu a quantidade de movimento angular do corpo, o ângulo do corpo, a velocidade angular do corpo e as velocidades horizontal e vertical do centro de massa dos ginastas durante os saltos. A coleta dos dados foi realizada em diferentes Centros de Treinamento do Brasil e contou com a presença de sete atletas profissionais, presentes no ranking internacional na época. Selecionado por conveniência metodológica, todos executaram uma saída de barra fixa em duplo mortal esticado para trás.

De acordo com o pesquisador, os fatores determinantes para a escolha desse elemento ginástico como objeto de pesquisa são os potenciais de caracterização das variáveis que descrevem a demanda mecânica com base modelo analítico simplificado em duas dimensões e de transferência para outros aparelhos ou elementos ginásticos. O duplo mortal estendido para trás inclui um giro gigante (balanço em barra fixa), lançamento, voo (rotação em torno do eixo médio-lateral) e aterrissagem (ou chegada). O sucesso de uma chegada envolve as diferentes fases que compõem a execução do elemento ginástico. Segundo o pesquisador, no caso do duplo mortal estendido, o impulso gerado na barra, o instante de liberação do aparelho e a movimentação dos segmentos em fase aérea governam, nessa sequência, as condições de aterrissagem.

O modelo analítico proposto pelo estudo sugere que não existe uma única forma, mas sim algumas combinações eficazes numa estreita margem de sucesso. “Ao executar a saída do aparelho nos intervalos de confiança definidos por quantidade de movimento angular, ângulo de chegada (posição do centro de massa em relação ao tornozelo) e velocidades (linear e angular) no instante de pré-colisão, os atletas cumprem os requisitos para uma aterrissagem ideal, isto é, sem passos ou queda”, afirma Camargo Júnior. Um grande exemplo disso pode ser observado no Campeonato Mundial de Ginástica Artística de 2019. Nas etapas classificatória e final, Arthur Nory finalizou a barra fixa de forma exemplar (ou “cravada”), tornando-se campeão nesse aparelho pela primeira vez na história da ginástica artística brasileira. O vídeo pode ser assistido aqui.

Foto de Artur Nory, ginasta brasileiro, logo após a aterrisagem na barra fixa. Um homem branco, com roupa da equipe brasileira de ginástica (uma camiseta regata com as cores do Brasil e no meio do peito a bandeira brasileira estampada) e uma calça azul. Ele está com os braços abertos e comemora com a boca aberta.
Pesquisadores abordaram o efeito das falhas de chegada nas notas em competição e o risco de lesões associadas às aterrissagens ineficazes - Foto: Ricardo Bufolin/CBG
Foto e gráfico do desempenho de ginasta realizando duplo mortal estendido, que inclui giro gigante (balanço em barra fixa), lançamento, voo (rotação em torno do eixo médio-lateral) e aterrissagem (ou chegada) – Imagens cedidas pelo Pesquisador

“Pouco adianta estar no papel se, de alguma forma, não pudermos transferir isso para as execuções. Os princípios físicos nos oferecem parâmetros para as observações enquanto o treinamento sugere os caminhos de intervenção física e técnica. É um esforço interdisciplinar tendo o atleta como agente ativo no processo de aprimoramento”, conclui o pesquisador. A tese Biomecânica da aterrissagem de duplo mortal estendido na barra fixa encontra-se disponível no site de teses da USP e pode ser acessada por meio deste link. Veja também a apresentação do trabalho no 28º International Congress of Biomechanics in Stockholm (ISB 2021), realizado na Suécia, considerado um dos mais importantes congressos de Biomecânica no cenário internacional.

*Da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE, adaptado por Júlio Bernardes

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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