As diretrizes clínicas para o uso de medicamentos no tratamento da depressão são analisadas em pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP. O estudo mostra que a maioria das diretrizes indica a psicoterapia como primeira opção, só recomendando o uso de medicação em depressões moderadas e graves. A pesquisa revela que apesar da depressão ser considerada o principal fator para o risco de suicídio, e este estar presente nas primeiras semanas de tratamento com antidepressivos, somente 50% das diretrizes clínicas mais relevantes abordam a questão diretamente, o que aponta uma lacuna em sua estratégia de implementação.
A pesquisa traz uma revisão das diretrizes para o tratamento farmacológico da depressão, produzidas por diversas instituições de saúde em todo o mundo, e que podem ser adaptadas para o contexto de cada país por instituições locais, seguindo critérios internacionais de validação. No Brasil, também existem as diretrizes da Associação Médica Brasileira (AMB). O estudo é descrito no artigo “Pharmacological treatment of depression: A systematic review comparing clinical practice guideline recommendations”, publicado na Plos One em 21 de abril.
“A pesquisa comparou as recomendações de diretrizes clínicas mais relevantes para o tratamento farmacológico da depressão, elaborando recomendações que possam facilitar processos locais de adaptação”, afirma a pesquisadora Franciele Cordeiro Gabriel, que realizou o estudo. “As diretrizes clínicas, quando são bem elaboradas, ou seja, desenvolvidas com transparência e de forma sistemática, auxiliam os profissionais da saúde nas decisões sobre o cuidado apropriado, com base nas melhores evidências para questões clínicas específicas.”
Segundo Franciele, a maioria das diretrizes clínicas recomenda a psicoterapia como primeira opção, só então recomendando o uso de medicamentos para depressões moderadas e graves. “Como opção de primeira linha de tratamento farmacológico, as diretrizes clínicas recomendam os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS)”, ressalta. “A decisão de apoiar determinada recomendação pela diretriz clínica pode variar de acordo com o contexto de saúde em que o paciente está inserido.”
A formulação das recomendações, bem como parte das variações entre diretrizes clínicas, é explicada por uma série de fatores, aponta a pesquisadora. “As diferenças são motivadas por variações culturais entre países, estrutura disponível para atenção à saúde, valores das instituições ou organizações responsáveis pela elaboração das diretrizes clínicas e valores dos pacientes, bem como o custo das intervenções”, enumera.
Tratamento
A maioria das diretrizes clínicas para depressão concorda com a indicação de psicoterapia em conjunto com fármacos antidepressivos para tratamento da depressão grave, tendo a indicação de fármacos ISRS como opção de primeira linha de tratamento. “Já o uso de antipsicóticos como estratégia de potencialização é indicado apenas para pacientes que não respondam a intervenções farmacológicas iniciais”, observa Franciele. “Também é importante frisar que muitos pacientes têm falha terapêutica e podem precisar substituir o antidepressivo, considerando-se outras classes farmacológicas”, acrescenta a pesquisadora.
De acordo com a pesquisadora, antidepressivos têm o potencial de causar reações adversas e isso deve ser discutido com o paciente para nortear a tomada de decisão compartilhada. “Um aspecto que chamou muito a atenção na pesquisa é que, apesar de a depressão ser considerada o principal fator de risco de suicídio, e este estar presente nas primeiras semanas de tratamento com antidepressivos, apenas 50% das diretrizes clínicas mais relevantes abordaram essa questão de forma direta”, destaca.
O estudo é descrito em dissertação de mestrado orientada pela professora Eliane Ribeiro, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da FCF, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O trabalho faz parte da linha de pesquisa do grupo CHRONIDE, formado por professores e alunos da USP, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). “Desde 2015, o grupo desenvolve a análise da qualidade e transparência de diretrizes clínicas, e também das recomendações das diretrizes de melhor qualidade para o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis [DCNT] na atenção primária”, aponta Franciele.
“O trabalho do grupo pretende facilitar o processo de adaptação local de diretrizes clínicas, de modo que o cuidado do SUS possa ser realizado com base nas melhores evidências científicas disponíveis”, ressalta a pesquisadora. Também participaram do estudo a professora Daniela Oliveira de Melo, da Unifesp, e os pós-graduandos Nathália Celini Leite, da FCF, e Rafael Augusto Mantovani Silva, da Unifesp. A discussão das recomendações das diretrizes clínicas teve a colaboração do professor Renério Fraguas, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), com linha de pesquisa em depressão.
Mais informações: e-mail francielegabriel@usp.br, com Franciele Cordeiro Gabriel